quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Curar (4)


8. O Controlo do QI: A Acupunctura Manipula Directamente o Cérebro Emocional


Encontros Falhados (A Acupunctura)
O meu encontro com a acupunctura foi o primeiro encontro falhado, como o de dois amigos destinados a amar-se mas que não se apercebem disso nas primeiras vezes que se encontram.
Visitei o Instituto de Medicina Tibetana e conversei com um médico sobre a maneira como ele encarava a depressão e a ansiedade. «Vocês ocidentais têm uma visão ao contrário dos problemas emocionais» - disse-me ele. «Ficam surpreendidos por verificar que aquilo a que chamamos a depressão ou a ansiedade, e o stress têm sintomas físicos. Falam de cansaço, de perda ou de excesso de peso, do coração a bater de forma irregular, como se se tratasse de manifestação física de um problema mental. Para nós é o contrário: a tristeza, a perda de auto-estima, o sentimento de culpa, a ausência de prazer são manifestações mentais de um problema físico». Efectivamente, eu nunca tinha pensado nisto desta forma. Era tão plausível como a visão ocidental de depressão.
Ele continuou: «De facto, não é verdadeiramente nem uma coisa nem outra. Para nós não há diferença entre as duas. Os sintomas emocionais e físicos são apenas dois aspectos de um desequilíbrio subjacente na circulação de energia, o QI». Aí fiquei baralhado. Radicado desde sempre na tradição cartesiana que estabelece uma distinção muito nítida entre o «mental» e o «físico», ainda não estava preparado para falar de QI, nem imaginar «uma energia reguladora subjacente» que afectasse quer o físico, quer o mental. Sobretudo não podendo medi-la. Mas eu já não o estava a ouvir. Ele falava de medicação, de ervas e de agulhas: não estávamos no mesmo comprimento de onda. Foi o meu segundo encontro falhado. Mas que deixou um rasto na minha memória.
O terceiro teve lugar em Pittsburg, pouco tempo depois. Num sábado à tarde encontrei na rua uma doente que eu vira uma única vez na consulta do hospital. Ela tinha uma depressão bastante grave mas recusara os antidepressivos que eu lhe propusera. Mas com tínhamos tido um bom contacto, perguntei-lhe como se sentia, se estava melhor. Olhou para mim sorrindo, não sabendo se podia falar comigo com franqueza ou não, e acabou por me dizer que tinha escolhido ver uma acupunctora que a tinha posto boa nalgumas sessões ao longo de quatro semanas e que estava agora em plena forma.
Um pouco vexado, confesso, por um tratamento diferente daquele em que sou especialista ter sido mais útil – decidi informar-me sobre o que se sabia a respeito da prática de acupunctura. O que vim a saber ainda agora me deixa confuso pela extensão das consequências na natureza do corpo e do cérebro.
A Palavra da Ciência
Em primeiro lugar, com cinco mil anos de história comprovada, a acupunctura é provavelmente a mais velha técnica médica praticada de forma contínua no planeta.
Enfim, encontram-se na literatura científica internacional estudos que confirmam a eficácia da acupunctura em relação a toda uma gama de problemas, como a depressão, a ansiedade, a insónia, mas também a perturbação intestinal, a infertilidade feminina e, até um estudo do Journal of the American Medical Association a mostrar que é possível virar um feto no ventre materno quando ele se encontra sentado, com uma taxa de êxito de oitenta por cento.
A Acupunctura e o Cérebro
Os acupunctores, tanto ocidentais como asiáticos, sabem perfeitamente que a sua arte é particularmente útil para o alívio do stress, da ansiedade e da depressão. A estimulação da superfície da pele, como o EMDR quando nos servimos da pele e não dos movimentos oculares, parece pois capaz de «falar» muito directamente com o cérebro emocional e agir sobre ele.
Diversos estudos controlados demonstram os benefícios da acupunctura no controlo da dor pós-operatória. Em média, uma sessão diária de acupunctura nos primeiros dias a seguir à operação permite reduzir as doses de narcóticos para um terço das doses habituais e portanto limitar consideravelmente os efeitos secundários.
A acupunctura é apenas um dos três pilares da medicina tradicional chinesa. Os outros dois são, por um lado, o controlo da fisiologia através da atitude mental – quer seja a meditação ou os exercícios de coerência cardíaca já referidos – e, por outro, a nutrição. Para os praticantes desta medicina, cuja sabedoria se vai tornando cada vez mais clara aos olhos do ocidente, não teria qualquer sentido utilizar a acupunctura ou cultivar o equilíbrio mental e fisiológico sem prestar uma atenção especial aos constituintes que renovam constantemente o nosso corpo, isto é, os alimentos que ingerimos.

9. A revolução dos Ómega-3. Como Alimentar o Cérebro Emocional
Um Nascimento Triste
Patrícia tinha trinta anos quando nasceu o seu segundo filho, um ano depois do primeiro. Jacques, o companheiro estava feliz e orgulhoso. Aquele ano com o primeiro filho tinha sido uma sucessão de momentos felizes diários e ambos tinham desejado ardentemente este Paul que vinha completar a jovem família. Mas Jacques estava admirado: Patrícia não parecia lá muito feliz. Tinha mesmo um ar acabrunhado. Prestava pouca atenção a Paul, queria que a deixasse sozinha, enervava-se facilmente, chorava por vezes sem razão. Mesmo a amamentação que ela tanto apreciara com o primeiro bebé, parecia-lhe agora um frete.
Como cerca de uma em cada dez jovens mães, Patrícia sofria de baby blues, tanto mais embaraçante quanto esta tristeza substitui a alegria que envolve habitualmente o nascimento de um novo ser proveniente da própria carne. Como o bebé era esplêndido, tudo corria bem no casal e o restaurante de Jacques tinha cada vez mais sucesso, nem ele nem Patrícia conseguiam perceber aquela tristeza repentina. Os médicos tinham tentado tranquilizá-los falando-lhes das «alterações das hormonas» que acompanham a gravidez e sobretudo o parto, mas isso não lhes tinha proporcionado grande alívio.
Há uma dezena de anos que existem novas perspectivas a propósito do problema de Patrícia: esta vivia em Nova Iorque, uma cidade onde o consumo diário de um dos alimentos mais importantes para o cérebro, os ácidos gordos essenciais ditos «ómega-3», é particularmente baixo, aliás como em França e na Alemanha. Estes ácidos gordos que o corpo não pode fabricar (daí o termo «essenciais») são tão cruciais para a construção e o equilíbrio do cérebro que o feto absorve-os prioritariamente através da placenta. Por essa razão, as reservas da mãe, já fracas na nossa sociedade ocidental, caem dramaticamente nas últimas semanas de gravidez. Após o nascimento, os ómega-3 continuam a ser passados em prioridade ao bebé no leite materno de que são um dos constituintes mais importantes. O que agrava ainda mais o défice da mãe. Se um segundo nascimento segue de perto o primeiro, como neste caso, e se entretanto a sua alimentação continua pobre em peixe e em crustáceos, a fonte principal desses ácidos gordos, a perda do ómega-3 depois da segunda gravidez é tal que o risco de depressão para a mãe se torna grande. Segundo o Lancet estes números correspondem à diferença entre estes países no que se refere ao consumo de peixe e de crustáceos e não podem ser explicados pela simples tendência dos asiáticos para esconder os sintomas de depressão. Se Jacques e Patrícia se tivesse instalado na Ásia em vez da América, ela talvez não tivesse vivido o segundo parto da mesma forma… É indispensável compreender porquê.
O Óleo Que Faz Funcionar o Cérebro
O cérebro faz parte do corpo. Como as células de todos os outros órgãos, as do cérebro renovam os seus constituintes em permanência. As células de amanhã são pois feitas do que comemos hoje. Ora, dois terços do cérebro é constituído por ácidos gordos. Estes são os constituintes de base da membrana das células nervosas, o seu «envelope», através do qual se efectuam todas as comunicações entre todas as células do cérebro e do corpo. O que comemos é directamente integrado nessas membranas e forma a trama destas. Se consumimos sobretudo gorduras «saturadas» - aquelas que, como a manteiga ou a gordura animal, são sólidas à temperatura ambiente -, a sua rigidez reflecte-se numa rigidez das células do cérebro. Se, pelo contrário, comemos sobretudo gorduras «polinsaturadas» - que são líquidas à temperatura ambiente -, os invólucros das células do cérebro são mais fluidos, mais flexíveis, e a comunicação entre elas faz-se de forma mais estável sobretudo quando se trata de ácidos gordos Ómega-3.
Os efeitos no comportamento não são subtis. Quando se suprimem os Ómegas-3 da alimentação dos ratos do laboratório, o comportamento destes muda completamente em poucas semanas: tornam-se ansiosos, deixam de aprender novas tarefas e entram em pânico em situações de stress. Talvez mais grave ainda, uma alimentação pobre em Ómega-3 reduz a experiência do prazer.
Ao invés, uma equipa de investigadores franceses demonstrou que um regime rico em Ómega-3 – como o dos esquimós, que chegam a assimilar 16 gramas por dia de óleo de peixe – aumenta, a longo prazo, a produção dos neurotransmissores da energia e da boa disposição no cérebro emocional (trata-se sobretudo da «dopamina», que é o neurotransmissor responsável pelos efeitos energizantes e euforizantes das anfetaminas e da cocaína).
O feto e o recém-nascido, cujo cérebro está em pleno desenvolvimento, têm a maior necessidade de Ácidos Ómega-3 (estudos Dinamarqueses demonstram que as crianças alimentadas ao peito da mãe, pelo menos nos nove meses a seguir ao parto - têm qualidades intelectuais superiores às outras, 20 e 30 anos mais tarde).
A Dieta dos Primeiros Homens
Segundo diversos investigadores, para compreender o misterioso efeito dos Ómega 3 no cérebro e na disposição, é preciso ir às origens da humanidade.
Ácidos Gordos Essenciais
Há dois tipos de ácidos gordos essenciais: os Ómega 3 que estão contidos nas algas e em algumas plantas terrestres entre as quais a erva - e os Ómega 6, que se encontra em quase todos os óleos vegetais e na carne. Se bem que importantes para o organismo, os Ómega 6 não têm as mesmas propriedades benéficas para o cérebro.
O excesso de Ómega 6 no organismo produz reacções de oxidação e induz respostas inflamatórias um pouco por todo o corpo. Todas as grandes doenças crónicas em plena expansão no mundo ocidental são agravadas por essas reacções inflamatórias: as doenças cárdio-vasculares – como os enfartes e os acidentes vasculares cerebrais – mas também o cancro, a artrite e até mesmo a doença de Azheimer.
Os Ómega 3 têm efeitos benéficos muito importantes nas afecções cardíacas conhecidas há mais tempo do que os resultados no campo da depressão. Diversos estudos provam também que um dos efeitos do Ómega 3 no coração é reforçar a variabilidade do ritmo cardíaco e protegê-lo das arritmias. Como o reforço da variabilidade do ritmo cardíaco protege da depressão, é pois lógico pensar que a depressão e as doenças cardíacas evoluam da mesma maneira nas sociedades que consomem poucos ácidos gordos de peixe na alimentação quotidiana.
Os estudos recentes mostram que toda a gama dos sintomas de depressão pode ser melhorada pelos ácidos gordos Ómega 3: tanto a tristeza como a falta de energia, a ansiedade e a insónia, a baixa da libido, bem como as tendências suicidas. Provavelmente, será necessário esperar vários anos antes que um número suficiente de estudos deste tipo seja realizado. Com efeito, os ácidos gordos Ómega 3 sendo um produto da Natureza, não é possível registar-lhes a patente. Não interessam às grandes companhias farmacêuticas que financiam a maioria dos estudos sobre a depressão.
Para alcançar a verdadeira paz interior, é muitas vezes essencial encontrar um sentido mais profundo no papel que desempenhamos na nossa comunidade, fora da nossa família imediata. Aqueles que têm a sorte de descobrir essa fonte de sentido são em geral propulsados mais longe do que um simples regresso ao bem-estar: têm a sensação de retirar a energia daquilo que dá sentido à própria vida.
Flutuamos ao sabor da existência, tropeçamos em desconhecidos que estão tão desorientados como nós, enveredamos por escolhas arbitrárias que determinam o curso da nossa vida, e acabamos por morrer sem ter tido tempo de compreender o que deveríamos ter feito de outro modo...

Se tivermos tido sorte, podemos manter uma certa integridade estando, no mínimo, plenamente conscientes de todo esse absurdo. Esta consciência do absurdo existencial da nossa situação é a nossa única superioridade em relação aos animais. Nada mais há que esperar.
Onde Encontrar os Ácidos Gordos essenciais do Tipo Ómega 3 ?
As principais fontes de ácidos gordos essenciais Ómega 3, são as algas e o plâncton. Estes chegam até nós por intermédio dos peixes e dos crustáceos que os acumulam nos seus tecidos gordos. São sobretudo os peixes de água fria – mais ricos em gordura – a melhor fonte de Ómega 3: o salmão selvagem, as cavalas, as anchovas (inteiras), as sardinhas e os arenques. Outros peixes ricos em Ómega 3 são o atum e a truta100g de cavala contêm 2,5g de Ómega 3; 100g de arenque, 1,7g; 100g de atum (mesmo em lata) 1,5g (desde que lhe não tenha sido retirada a gordura); 100g de anchovas inteiras 1,5g; 100g de salmão 1,4g; 100g de sardinha 1g.
Existem também fontes vegetais de Ómega 3, mas estas necessitam de uma etapa suplementar no metabolismo para serem transformadas nos ácidos gordos que são os constituintes das membranas neuronais. Trata-se das sementes de linhaça (uma colher de sopa contém 2,8g – e pode ser comida tal e qual, ou sob a forma de azeite – uma colher de sopa 7,5g); do óleo de colza (uma colher de sopa 2,5g); do óleo de cânhamo, das nozes (2,3g em 100g).
Todos os legumes verdes contêm o percursor dos ácidos gordos Ómega 3, se bem que em menos quantidade. As fontes mais ricas são as folhas de beldroega, os espinafres, as algas marinhas e a espirulina (um elemento tradicional dos Aztecas). A caça, como o cabrito montês ou o javali é a mais rica em Ómega 3.
Todos os óleos vegetais são ricos em Ómega 6 e não contêm Ómega 3, excepto os atrás indicados, sendo particularmente indispensável eliminar o óleo de fritar que, além disso, pelos radicais livres que liberta, é particularmente oxidante para os tecidos.
A manteiga, as natas e os lacticínios não desnatados são ricos em ácidos gordos saturados e devem pois ser consumidos com moderação porque limitam a integração dos ácidos gordos Ómega 3 nas células.
O queijo e os iogurtes, mesmo fabricados a partir do leite completo, são menos nocivos que os outros produtos leiteiros: o alto teor em cálcio e em magnésio reduz a absorção dos ácidos gordos saturados pelo organismo.
Na prática, para estar seguro de receber uma quantidade suficiente de Ómega 3 da maior pureza e qualidade, é muitas vezes mais prático tomá-lo sob a forma de suplemento alimentar. Os estudos existentes sugerem que, para obter um efeito antidepressivo, é preciso consumir entre 2 a 3 gramas por dia de uma mistura de dois ácidos de peixe: o ácido eicosopentaenóico (EPA) e o ácido docosahexainóico (DHA).
Os melhores produtos parecem ser os que contêm a mais alta concentração de EPA em relação ao DHA.
É preferível escolher um produto que contenha também um pouco de Vitamina E para proteger o óleo de uma oxidação, sempre possível, que o tornaria mais ineficaz, e até mesmo nocivo. Vários autores recomendam que se combine a ingestão de óleo de peixe com um suplemento vitamínico que associe a Vitamina E (800 UI por dia), a Vitamina C (1 grama por dia); e o Selénio (200 gramas por dia), para evitar a oxidação dos Ómega 3 no interior do organismo. A ingestão diária de Vitaminas (particularmente B, E, C e D), reduz o risco de todo um conjunto de doenças crónicas e doenças graves.
Curiosamente, os óleos de peixe não só não fazem engordar, como até fazem emagrecer. Num estudo feito com ratos, os que tinham uma dieta rica em Ómega 3 eram 25% mais magros dos que comiam exactamente a mesma quantidade de calorias, mas sem Ómega 3.
Já há 2400 anos Hipócrates dizia: «Deixa a tua alimentação ser o teu remédio e o teu remédio a tua alimentação».
Mas há outra porta de entrada no cérebro emocional que passa inteiramente pelo corpo. Reconhecida, também ela, desde Hipócrates, esta é tão desprezada quanto a nutrição no Ocidente. Trata-se do exercício físico. Mesmo que, em pequenas doses. (Página 151)

10. Prozac ou Adidas ?
Uma em cada cinco pessoas vítima do ataque de ansiedade, ou antes de «pânico», é vista pela primeira vez nas urgências de um Hospital (e quase metade delas chegam lá de ambulância).
O exercício é um tratamento notável da ansiedade. Na Universidade de Miami, a Drª la Perriére debruçou-se sobre o efeito protector do exercício nas situações difíceis. Escolheu um dos momentos mais difíceis da existência: aquele em que é anunciado à pessoa que é seropositiva no que se refere ao vírus da Sida. Na altura em que ela efectuou o estudo, esse diagnóstico equivalia a uma sentença de morte. O que ela constatou foi que os pacientes que faziam exercício regularmente pelo menos há cinco semanas pareciam «protegidos» do medo e do desespero. Além disso, o sistema imunitário, o qual se vai abaixo muitas vezes nos momentos de stress, resistia melhor, também ele, a essa terrível notícia. As células «natural killer» (NK, «as assassinas naturais») são a primeira linha de defesa do organismo, tanto contra as invasões exteriores – como o vírus da Sida – como contra a proliferação de células cancerosas. São muito sensíveis às emoções. Quanto mais nos sentimos bem, mais elas efectuam o seu trabalho com energia. Em contrapartida, nos períodos de stress e de depressão, elas têm tendência para se desactivarem ou para cessarem de se multiplicar.
Estimular o Prazer
Não é preciso ser jovem nem estar de boa saúde para tirar partido do exercício físico. Para pacientes deprimidos entre os 50 e os 77 anos, o simples facto de efectuar 30 minutos de marcha viva, sem correr, três vezes por semana, produzia ao fim de quatro meses exactamente o mesmo efeito que a ingestão de um antidepressivo. A única diferença era que o antidepressivo aliviava os sintomas um pouco mais depressa mas não em maior profundidade.
Por que vias misteriosas o exercício tem um impacto no cérebro emocional? Há, em primeiro lugar, é claro, os efeitos das endorfinas. Trata-se de pequenas moléculas segregadas pelo cérebro e que se parecem muito com o ópio e seus derivados, como a morfina e a heroína.
O cérebro emocional contém múltiplos receptores de endorfina, e essa é a razão de ele ser tão sensível ao ópio, que produz imediatamente uma sensação difusa de bem-estar e de satisfação.
Porém, quando se usa demasiado frequentemente, os derivados do ópio acarretam uma «habituação» por parte dos receptores do cérebro. Nessa altura é preciso aumentar a dose para se obter o mesmo efeito.
É o inverso que se passa com a secreção de endorfinas induzida pelo exercício físico. Quanto mais o mecanismo do prazer é assim estimulado, suavemente, mais ele parece tornar-se sensível. E as pessoas que praticam regularmente exercício têm mais prazer com as pequenas coisas da vida: os amigos, o gato, as refeições, as leituras, o sorriso de alguém a passar na rua. É como se fosse fácil para elas estarem satisfeitas.
Ou, ter prazer é exactamente o contrário da depressão, a qual se define antes de mais pela ausência de prazer, muito mais do que pela tristeza. É sem dúvida por esta razão que a libertação de endorfinas tem um efeito antidepressivo e ansiolítico tão pronunciado.
Quando se estimula desta forma, por vias naturais, o cérebro emocional, isso estimula igualmente a actividade do sistema imunitário, favorecendo a proliferação das células «natural killer», tornando-as mais agressivas contra as infecções e as células cancerosas.
O outro mecanismo possível é igualmente intrigante e prende-se com o que vimos a propósito do ritmo cardíaco: as pessoas que fazem exercício físico regularmente têm uma maior variabilidade do ritmo cardíaco e mais coerência que os sedentários o que quer dizer que o seu sistema «parassimpático», o «travão» fisiológico, que induz períodos de calma é mais são e mais forte. Um bom equilíbrio dos dois ramos do sistema nervoso autónomo é um dos melhores antídotos que há contra a ansiedade e os ataques de pânico. Todos os sintomas de ansiedade têm a sua origem numa actividade excessiva do sistema simpático: boca seca, aceleração do coração, suores, tremores, aumento de tensão arterial, etc. como os sistemas «simpático» e «parassimpático» estão sempre em oposição, quanto mais se estimula o «parassimpático», mais este se reforça como um músculo que se desenvolve, e bloqueia simplesmente as manifestações de ansiedade.
As Chaves do Sucesso
Em primeiro lugar é preciso saber que não é preciso fazer muito exercício. O importante é que seja regular. Segundo os diversos estudos, a quantidade mínima a ter efeito no cérebro emocional é de 20 minutos de exercícios três vezes por semana. Quanto ao esforço, basta que este se mantenha no limiar em que ainda se pode falar sem se poder cantar. É preciso começar devagar e deixar o corpo conduzir-nos. Um bom filme tem um efeito hipnótico que nos faz esquecer o tempo que passa.

Virarmo-nos Para os Outros
Quer seja a coerência do ritmo cardíaco, o EMDR, a simulação da aurora, a acupunctura, a nutrição, ou o exercício, todos estes métodos tomam o indivíduo como medida e como alvo. Porém, o cérebro emocional não tem apenas o papel de controlar a fisiologia interior do corpo. A sua outra função, não menos importante, é vigiar o equilíbrio dos nossos relacionamentos afectivos e assegurar que temos sempre lugar no grupo, na tribo, ou na família. A ansiedade e a depressão são muitas vezes sinais de angústia que o cérebro emocional emite quando detecta uma ameaça ao nosso equilíbrio social. Para acalmar e viver em harmonia com ele, é preciso gerir com a maior elegância os nossos relacionamentos com outrem. De facto, basta utilizar alguns princípios da higiene afectiva. São tão simples e eficazes como geralmente são ignorados. (Página 167)


(Do Livro «Curar» do Dr. David S. Schreiber)

Curar (3)


5. A Autocura das grandes Dores. A Integração Neuro-Emocional Através dos Movimentos Oculares (EMDR)

A Cicatriz da Dor
Ao fim de um ano de amor idílico, Pierre, o homem com quem Sara tinha a certeza de se ir casar, abandonou-a abruptamente. Nem uma nuvem ensombrava a relação. Os seus corpos pareciam feitos um para o outro e os seus espíritos vivos e curiosos estavam de acordo em tudo. Ela amava tudo nele, o cheiro, a voz, o riso que irrompia a cada passo. O futuro deles juntos parecia traçado. Mas um dia Pierre bateu à porta com uma carta fria e dura na mão que dizia as palavras que ela não conseguia pronunciar. Tinha reatado com uma antiga companheira, católica praticante como ele, e era com ela que ia casar. A sua decisão, escrevia ele, era definitiva.
Depois disso, Sara não voltou a ser a mesma. Ela que sempre fora forte como uma rocha, começou a ter pequenas crises de ansiedade à mínima recordação do que se havia passado. De vez em quando, sem qualquer razão, tinha «flashes»: via diante dos olhos o momento terrível. De noite, sonhava muitas vezes com Pierre, sobretudo com a partida dele, e acordava muitas vezes sobressaltada. Já não se vestia da mesma maneira, já não andava da mesma maneira, não sorria da mesma maneira. E durante muito tempo foi incapaz de falar no que lhe tinha acontecido. Quer por vergonha – como é que podia ter-se enganado daquela forma? – quer porque à mínima evocação desatava a chorar
Como a história de Sara mostra – e como todos nós sabemos mais ou menos directamente -os acontecimentos muito dolorosos deixam uma marca profunda no nosso coração. Um estudo do Departamento de Psiquiatria da Universidade de Harvard permite ver com o que se parece essa marca. Nesse estudo, pedia-se aos doentes que tivessem sofrido um trauma emocional que ouvissem a descrição do que lhes tinha acontecido enquanto se iam gravando as reacções dos seus cérebros num scanner com emissões de positrões (PET scanner). Tal como Sara, todas aquelas pessoas sofriam daquilo a que os psiquiatras chamam o «estado de stress pós-traumático» (ou ESPT). O scanner permite visualizar as partes do cérebro que se encontram activas ou desactivas durante aqueles minutos de terror reavivado. Os resultados eram elucidativos: a região das amígdalas, o núcleo reptilíneo do medo no centro do cérebro emocional era claramente activada.
Os psiquiatras e os psicanalistas sabem-no bem: as cicatrizes deixadas no cérebro pelos acidentes mais difíceis da vida não se apagam facilmente. Acontece os pacientes continuarem a ter sintomas passados dezenas de anos sobre o trauma inicial. Sobretudo um estudo recente, a maioria das mulheres que sofrem de um ESPT na sequência de uma agressão (a maior parte das vezes uma violação ou então um roubo), continua a preencher os critérios rigorosos deste diagnóstico passados dez anos. O mais intrigante é que a maior parte destes pacientes sabe perfeitamente que não se deviam sentir tão mal. Eles têm consciência, é claro, de que a guerra acabou, de que a violação é apenas uma recordação, mesmo que essa recordação seja horrível. Eles sabem que já não correm perigo. Sabem-no, mas não o sentem.
Uma Marca Indelével
Mesmo sem ter sofrido esses traumas «com T maiúsculo» aos quais se aplica o diagnóstico de ESPT, conhecemos o fenómeno por inteiro por termos vivido múltiplos traumas com «t minúsculo». Quem não foi humilhado por um professor com mau feitio? Quem é que um dia não foi abandonado (a) pelo (a) namorado (a) ?. Num registo um pouco mais sombrio, muitas mulheres sofrem abortos naturais, muita gente fica sem emprego de forma brutal, sem falar nas inúmeras pessoas que têm dificuldade em ultrapassar o divórcio ou a morte de uma pessoa de família.
Situações destas, pensamos e voltamos a pensar nelas; ouvimos os conselhos dos amigos e dos pais; lemos artigos nos jornais; até talvez cheguemos ao ponto de comprar um livro sobre o assunto. Tudo isso ajuda, muitas vezes bastante, a pensar sobre a situação e sabemos perfeitamente o que devíamos sentir agora que ela já ficou para trás. No entretanto, estamos como que encurralados: andamos a reboque das nossas emoções; elas agarram-se ao passado muito depois de a nossa visão racional da situação ter evoluído. O homem que teve um acidente de automóvel continua a sentir-se desconfortável e tenso quando circula na estrada, apesar de saber que há anos que conduz por ali para regressar a casa sem problemas. A mulher que foi violada continua a sentir-se bloqueada quando se encontra na cama com um homem de quem gosta, apesar de a afeição que sente por ele e do seu desejo de intimidade física não suscitar qualquer dúvida no seu espírito. Tudo acontece como se as partes do cérebro cognitivo que contêm todo o conhecimento apropriado não conseguissem entrar em contacto com as partes do cérebro emocional marcadas pelo trauma, as quais continuam a evocar as emoções dolorosas.
E o recordar das emoções dolorosas, fazem a pessoa sentir-se, ainda que passados alguns anos, pior do que pouco à vontade...
De facto, as cicatrizes emocionais do cérebro límbico parecem sempre prontas a manifestar-se desde que a vigilância do nosso cérebro cognitivo e a sua capacidade de controlo enfraqueçam, mesmo temporariamente. O álcool, por exemplo, impede o córtex pré-frontal de funcionar normalmente. É por isso que nos sentimos desinibidos assim que bebemos de mais. Mas é precisamente por essa mesma razão que quando nos magoam ou somos traumatizados pela vida, corremos o risco, sob o efeito do álcool, de interpretar uma situação benigna como se fossemos agredidos, uma vez mais e de reagir violentamente o que pode igualmente acontecer quando estamos simplesmente cansados ou demasiado distraídos com outras preocupações para manter sob controlo o medo impresso no nosso cérebro emocional.
O Movimento dos Olhos Quando Sonhamos
Os psiquiatras conhecem bem este aspecto do ESPT. Sabem que há uma desconexão entre os conhecimentos apropriados do presente e as emoções impróprias, resíduos do trauma passado... eles sabem que é isso que torna o síndroma tão difícil de tratar. A experiência ensinou-lhes que não basta simplesmente falar para estabelecer uma conexão entre as velhas emoções e uma perspectiva mais fixada no presente. Eles sabem que até o facto de contar com o trauma vezes sem conta, só serve para agravar os sintomas. Sabem, enfim, que os medicamentos também não são muito eficazes.
Um Mecanismo de Auto-Cura no Cérebro
Todos nós passamos pela experiência de traumas com «t minúsculo» ao longo da vida. Contudo, a maior parte das vezes não desenvolvemos uma síndrome pós-traumática. Tal como o sistema digestivo retira dos alimentos o que é útil e necessita ao organismo e rejeita o resto, o sistema nervoso extrai informação útil - «a lição» - e desembaraça-se em poucos dias das emoções, dos pensamentos e da activação psicológica que já não são necessários uma vez passado o acontecimento.
Quer seja em função de intensidade do trauma ou da situação de fragilidade da vítima, um acontecimento doloroso torna-se então «traumatizante» no verdadeiro sentido do termo. Segundo a teoria do EMDR, em vez de ser digerida, a informação respeitante ao traumatismo vê-se então bloqueada, no sistema nervoso, gravada na sua forma inicial. As imagens, os pensamentos, os sons, os odores, as emoções, as sensações corporais e as convicções que se tiram sobre si próprio (não posso fazer nada, ele vai deixar-me) são armazenadas numa rede de neurónios que têm vida própria. Radicada no cérebro emocional, desligada dos conhecimentos racionais, esta rede transforma-se numa massa de informação não tratada e disfuncional que a mínima recordação, do traumatismo inicial é suficiente para reactivar.
As Recordações do Corpo
Uma recordação gravada no cérebro pode ser estimulada a partir de qualquer dos seus constituintes. Um computador necessita de uma morada exacta para encontrar o que está na sua memória. Ao invés, o acesso a uma recordação no cérebro faz-se por analogia: qualquer situação que nos lembra um aspecto de uma coisa qualquer que vivemos pode bastar para evocar a recordação completa.
A força do EMDR advém do facto de ele evocar em primeiro lugar a recordação traumática com os diferentes componentes – visual, emocional, cognitivo e físico (as sensações do corpo) - estimulando depois o «sistema adaptativo de tratamento da informação», que não conseguiu, até aí, digerir a marca disfuncional.
Os movimentos oculares comparáveis aos que têm lugar espontaneamente durante o sono dos sonhos são supostos fornecer a assistência necessária ao sistema natural de cura do cérebro para que este termine o que não pôde fazer sem ajuda externa. Do mesmo modo que certos remédios naturais e plantas conhecidos há séculos pela sua capacidade no activar dos mecanismos naturais de cura do corpo na sequência de um traumatismo físico – os movimentos oculares do EMDR são supostos ser um mecanismo natural que acelera a cura após um traumatismo psicológico. (Pág. 79)

6. O EMDR em Acção
(Neste capítulo o autor relata o caso de uma actriz que se encontrava aterrorizada ao ser-lhe diagnosticado um cancro num rim. Na sua primeira série de movimentos oculares, ela reviveu com emoção o terror dos seus seis anos de idade. – em que tinha sido violada pelo pai.
Na série de movimentos oculares seguinte, foi a emoção que se transformou. O medo transformou-se numa cólera justificada. Sessenta minutos passados ela havia passado do terror de uma criança violada à aceitação e até à compaixão para com o agressor. Uma vez resolvido este trauma, bem como alguns outros, ela descobriu uma força interior de cuja existência nunca tinha suspeitado, nem pensado que um dia poderia vir a dispor dela. Enfrentou a doença, e a possibilidade da morte, com a maior serenidade. Passou a colaborar totalmente com os médicos. Três anos depois daquelas poucas sessões, ela está mais viça do que nunca.)

As Crianças do Kosovo
(O autor refere que o trabalho do sistema adaptativo de tratamento da informação é ainda mais rápido nas crianças. Apresenta o seu comprovativo com crianças da guerra do Kosovo, onde as mesmas assistiram à morte dos pais, violações, etc, e entretanto reagiram rapidamente após a aplicação do EMDR).
A Batalha do EMDR
Uma das coisas mais curiosas na história do desenvolvimento do EMDR é a resistência que lhe opõem a psiquiatria e a psicanálise. Os resultados obtidos com o EMDR eram de tal forma impressionantes que três «mega-estudos» - isto é, estudos de todos os estudos publicados – concluíram que o EMDR era pelo menos tão eficaz como o melhor tratamento existente, mas que parecia ser também o método mais bem tolerado e mais rápido de todos.
No entanto o EMDR continua a ser descrito como um método controverso na maior parte dos círculos universais Americanos.
O EMDR e o Sono dos Sonhos
É um facto que continuamos sem compreender de que modo o EMDR produz estes resultados que tanto impressionam quem os utiliza. É evidente que há muitas coisas a descobrir sobre o sistema adaptativo de tratamento da informação e sobre as diferentes maneiras de o ajudar a fazer o seu trabalho de digestão, ou de acelerá-lo. Entretanto, o EMDR ganha terreno rapidamente graças à acumulação de estudos científicos que demonstram a sua utilidade. Actualmente, o EMDR é oficialmente reconhecido como um tratamento eficaz para o ESP1 nos Estados Unidos. (Pág. 95)

7. A Energia da Luz: Regular o Relógio Biológico
A aurora põe o homem em marcha,
e põe-nos também a trabalhar
Hesíodo


Todos os Ritmos do Corpo
O ciclo do sono não é o único a ser controlado pela alternância do dia e da noite. Vários outros ritmos biológicos seguem este ciclo de vinte e quatro horas. A temperatura do corpo, no ponto mais baixo de manhã, sobe por volta do fim do dia de actividade (18h ou 19h), antes de voltar a baixar. A secreção de diferentes hormonas como o cortisol, a hormona principal do stress, obedece a um ritmo de vinte e quatro horas. Os sucos gástricos e a actividade do sistema digestivo seguem, também eles, um ritmo ao longo do dia. Normalmente, todos estes ritmos estão alinhados uns em relação aos outros: a temperatura e o cortisol começam a aumentar de manhã, com o acordar, e as funções intestinais correspondem ao ritmo de três refeições diárias, ficando depois em descanso durante o sono.
Mesmo a tendência para sonhar tem o seu próprio ritmo – que é independente do ritmo do sono. Sonhamos sobretudo na segunda parte da noite, algumas horas antes da hora habitual de acordar. O hipotálamo é extremamente sensível à luz. Ele é biologicamente feito para aceitar o corpo e o cérebro ao ritmo das estações, vigiando de perto o alongar ou o encurtar dos dias. Quando ele está orientado correctamente, o controlo do hipotálamo na secreção das hormonas e dos seus neurotransmissores é extremamente preciso. Por exemplo: a melatonina (a hormona do sono), começa à noite alguns minutos antes do apagar das luzes se este ocorrer à hora habitual. Continua durante a noite e, de manhã, interrompe-se em poucos segundos à mínima exposição da luz. O cérebro recebe o sinal da aurora matinal, mesmo com as pálpebras fechadas.
Simular Uma Aurora Natural
São sete horas e é noite cerrada. O toque do despertador rasga a tranquilidade e interrompe o sonho. Com as pálpebras pesadas, você dirige a mão para o intruso a fim de o obrigar a calar-se. O dia começa mal. Mas que fazer? Pois bem, ligar um aparelho muito simples ao seu candeeiro da sua mesa de cabeceira. Quer levantar-se às sete horas da manhã? A partir das seis horas e um quarto, o aparelho começa a iluminar o quarto. Suavemente, ele simula a aparição – primeiro muito lentamente e depois um pouco mais depressa – da luz do seu novo dia. Os seus olhos, mesmo fechados, são muito sensíveis a esse sinal, que é o desencadeador do despertar para todas as espécies animais desde a noite dos tempos. Foi este sinal que o cérebro emocional aprendeu a reconhecer ao longo de milhões de anos de evolução. O nosso cérebro e o nosso corpo estão completamente adaptados a este sinal de alvorada. Assim que surgem os primeiros raios de luz através das nossas pálpebras fechadas, por mais fraca que ela seja, o hipotálamo (porção da parte central do «Encéfalo» que regula a temperatura do corpo, e, em certa medida, as funções dos órgãos internos. «Encéfalo», é a massa de tecido nervoso mole contida pelo crânio que constitui o centro do sistema nervoso. É formado por biliões de células, sendo o seu peso total cerca de 1,3kg ) recebe a mensagem de que é tempo de organizar uma transição para fora do sono. Deste modo, o despertar faz-se naturalmente e com suavidade, sem interromper um sonho, que terá compreendido que tem de terminar por si próprio. A secreção matinal de cortisol desencadeia-se, a temperatura do corpo inicia a sua ascensão diária. Quando a intensidade de luz aumenta mais um pouco, a actividade eléctrica do cérebro que caracteriza o sono profundo inicia também ela a transição para o modo de sono leve e depois do despertar completo.
Um dos aspectos mais fascinantes da simulação da aurora é sem dúvida o facto de ela poder ser benéfica para todos nós, quer se esteja deprimido ou não, stressado ou não. E até é possível que esta nova tecnologia – praticamente transparente uma vez que não necessita de nenhuma modificação dos nossos hábitos de vida – influa em muitos outros sintomas para além das variações sazonais do humor e dos despertares difíceis.
A luz é capaz de influenciar todos os nossos ritmos biológicos, incluindo os do cérebro emocional. Mas existem outras maneiras de agir sobre a troca de energia entre o corpo e o cérebro, métodos cujos efeitos na depressão e na ansiedade se verificam há perto de cinco mil anos na medicina tradicional chinesa e tibetana. Apesar da sua incrível simplicidade e elegância, estes sistemas de intervenção no equilíbrio emocional só agora começam a ser reconhecidos pela ciência ocidental. Há no entanto muitíssimo a aprender sobre a sua misteriosa eficácia. (Pág.107)

Nota: Paul MacLean, em seu livro “The Triune Brain in evolution: Role in paleocerebral functions”, discute o fato de que nós, humanos/primatas, temos o cérebro dividido em três unidades funcionais diferentes. Cada uma dessas unidades representa um extrato evolutivo do sistema nervoso dos vertebrados. (in Wikipédia)


(Do Livro «Curar» do Dr. David Schreiber)

Curar (2)


O Fluxo e o Sorriso de Buda
Para se viver em harmonia na convivência dos homens, é preciso alcançar e manter um equilíbrio entre as nossas reacções emocionais imediatas – instintivas – e as respostas racionais que preservam os laços sociais de longa data...
Curiosamente há uma marca fisiológica muito simples dessa harmonia cerebral cujos fundamentos biológicos Darwin estudou há mais de um século: o sorriso. Um sorriso «falso» - aquele a que nos obrigam por razões de ordem social - mobiliza apenas os músculos zigomáticos do rosto, aqueles que, arrepanhando os lábios, deixam ver os dentes. Um sorriso «verdadeiro», em compensação, mobiliza além disso os músculos à volta dos olhos. Ora estes não podem ser contraídos voluntariamente, isto é, por meio do cérebro cognitivo. A ordem tem de vir das regiões límbicas, primitivas e profundas. É por isso que os olhos não mentem nunca: é o franzir deles que atesta ou não a autenticidade de um sorriso. Um sorriso caloroso, um sorriso verdadeiro, faz-nos compreender intuitivamente que o nosso interlocutor está, nesse preciso momento, num estado de harmonia entre o que ele pensa e o que ele sente, entre cognição e emoção. O cérebro tem uma capacidade inata para alcançar o estado de fluxo. O seu símbolo mais universal é o sorriso no rosto de Buda.
Nota: na figura acima poderemos ver: As quatro câmaras (dois ventrículos e dois átrios) do coração humano.
3. O Coração e a Razão

«Adeus, disse a raposa. Eis o meu segredo.
É muito simples: só se vê bem com o coração.
O essencial é invisível aos olhos»
Antoine de Saint Exupery – Le Petit Prince
Quem não ouviu falar de um vizinho de idade que morre alguns meses depois da mulher ? ou de um tio-avô que morre após a morte do filho? A sabedoria popular diz que eles ficaram «com o coração partido». Durante muito tempo a ciência médica tratou este tipo de incidentes com desprezo, pondo-os na conta de simples coincidências. É apenas desde há cerca de vinte anos que várias equipas de cardiologistas e psiquiatras se têm debruçado sobre estas «histórias». Descobriram que o stress é um factor de risco mais importante do que o tabaco no que refere às doenças de coração. Também se ficou a saber que uma depressão na sequência de um enfarte anuncia a morte do doente nos seis meses seguintes com mais precisão do que qualquer outra medição da função cardíaca.
Quando o cérebro emocional se desregula, o coração sofre e acaba por se cansar. Mas a descoberta mais espantosa é que esta relação é recíproca. A cada instante, o equilíbrio do nosso coração, influencia o nosso cérebro. Certos cardiologistas e neurologistas chegam mesmo a falar de um «sistema coração - cérebro» indissociável.
Se existisse um medicamento capaz de harmonizar esta relação íntima entre o coração e o cérebro, ele teria efeitos benéficos na totalidade do organismo. Atrasando o envelhecimento, reduziria o stress e o cansaço, estrangularia a ansiedade e manter-nos-ia ao abrigo da depressão; de noite ajudar-nos-ia a dormir melhor, e, de dia, a funcionar o melhor possível com a nossa capacidade de concentração e de precisão. Sobretudo, equilibrando a relação entre o cérebro e o corpo, permitir-nos-ia estabelecer mais facilmente este estado de «fluxo» sinónimo de bem-estar. Seria um anti-hipertensor, um ansiolítico e um anti-depressivo, «tudo num só». Se existisse, nem um só médico deixaria de receitar um medicamento destes. Como o flúor para os dentes, talvez os governos acabassem até por pô-lo na água.
Infelizmente este remédio milagroso não existe. Em contrapartida, dispomos desde há algum tempo de um método simples e eficaz, que parece criar, precisamente, as condições de harmonia entre o coração e o cérebro. Apesar deste método ser de invenção recente, diversos estudos mostraram já os seus efeitos benéficos no corpo e nas emoções daqueles que o dominam, incluindo um rejuvenescimento da sua fisiologia. Para compreender como é possível, temos de analisar em primeiro lugar com brevidade o funcionamento do sistema coração – cérebro.
O Coração das Emoções
Sentimos as emoções no corpo, não na cabeça: isto, pelo menos, parece consensual. Não se diz, com efeito, que temos «o medo na barriga» ou o «coração leve»? seria errado ver nestas expressões simples figuras de estilo. Tratam-se de representações bastante precisas do que sentimos quando nos encontramos em diferentes estados emocionais. De facto, só há pouco tempo se sabe que os intestinos e o coração tem as suas próprias redes com algumas dezenas de milhares de neurónios que são como «pequenos cérebros» no interior do corpo. Estes cérebros locais são capazes de ter as suas próprias percepções, de modificar o seu comportamento em função delas, e até de se transformar na sequência das suas experiências, isto é, de certa forma, de formar as suas próprias recordações.
Além de dispor de uma rede própria de memórias semi-autónomas, o coração é também uma pequena fábrica de hormonas. Ele segrega a sua própria reserva de adrenalina, que liberta quando precisa de funcionar no máximo das suas capacidades. Segrega também e controla a libertação de outra hormona, o ANF, que regula a tensão arterial. E segrega enfim, a sua própria reserva de ocitocina - a hormona do amor -, (produzida pela «glândula Pituitária ou hipófise»,- ligada ao «hipotálamo» - que também provoca as contracções do útero durante o parto e estimula a secreção do leite no período de amamentação). Esta é libertada no sangue, por exemplo, quando uma mãe amamenta o filho, quando dois seres namoram, e durante o orgasmo. Estas hormonas actuam todas directamente no cérebro. Enfim, o coração faz com que a totalidade do organismo participe nas variações do seu vasto campo electromagnético, que pode ser detectado a vários metros do corpo, mas cuja significação ainda se desconhece. Como se vê, a importância do coração na linguagem das emoções não é apenas uma imagem. O coração vê e sente. Quando se exprime, influencia a fisiologia do nosso organismo a começar pelo cérebro. A relação entre o cérebro emocional e o «pequeno cérebro» do coração é uma das chaves da inteligência emocional. Ao aprendermos literalmente a controlar o nosso coração, aprendemos a domesticar o nosso cérebro emocional, e vice-versa. Porque a relação mais forte entre o coração e o cérebro emocional é aquela que é estabelecida pelo chamado «sistema nervoso periférico autónomo», isto é, a parte do sistema nervoso que regula o funcionamento de todos os nossos órgãos, o qual escapa tanto a uma vontade como a nossa consciência.
O sistema nervoso autónomo é constituído por dois ramos que inervam (acção das actividades dos nervos nas funções orgânicas) cada um dos órgãos do corpo a partir do cérebro emocional. Ora no dito «simpático» (termo que vem do latim e que quer dizer «estar em relação», porque os ramos destes nervos estão em relação com a medula espinhal ao longo da coluna vertebral), liberta adrenalina e noradrenalina. É ele que controla as reacções de combate e fuga. A sua actividade acelera o ritmo cardíaco. O outro ramo, dito «parassimpático», liberta um neurotransmissor diferente que acompanha os estados de relaxação e de tranquilidade (o neurotransmissor do sistema parassimpático é o acetilcolino). A sua actividade faz o coração bater mais devagar. Mas o coração não se contenta em sofrer a influência do sistema nervoso central: ele envia para a base do crânio fibras nervosas que controlam a actividade do cérebro. Além da via hormonal, da tensão arterial e do campo magnético do nosso corpo, o pequeno cérebro do coração pode pois agir no cérebro emocional através de conexões nervosas directas. E quando o coração se desregula, arrasta consigo o cérebro emocional.
O reflexo directo deste vai-vem entre o cérebro emocional e o coração é a variabilidade normal das batidas do coração. Uma vez que os dois ramos do sistema nervoso autónomo não estão sempre em equilíbrio, estão constantemente a acelerar e a desacelerar o coração. Assim, o intervalo entre duas pulsações sucessivas nunca é idêntico. Esta variabilidade é em si mesma muito saudável dado que é sinal de bom funcionamento do travão e do acelerador, e por conseguinte de toda a nossa fisiologia.
Nada tem a ver com as arritmias de que sofrem alguns doentes. Os súbitos galopes de «taquicardia» (essas acelerações brutais do coração que duram vários minutos) ou os que acompanham as crises de ansiedade, são sintomas de uma situação anormal em que o coração deixa de estar submetido ao efeito regulador do travão parassimpático. No pólo oposto, quando o coração bate com a regularidade de um metrónomo, sem a mínima variabilidade, é sinal de grande gravidade. Os obstetras foram os primeiros a reconhecê-lo: no feto, durante o parto, isso reflecte um sofrimento possível não mortal que eles vigiam minuciosamente.
No adulto também, dado que já está estabelecido que o coração só começa a bater com tão grande regularidade alguns meses antes da morte.
Caos e Coerência
Nos últimos dez anos a existência de programas informáticos permitiu descrever dois modos característicos de variação do ritmo cardíaco: o caos e a coerência. A maior parte das vezes, as variações são fracas e caóticas: guinadas de aceleração e travagem sucedem-se sem pés nem cabeça, de maneira dispersa e irregular. Em contrapartida, quando a variação do bater do coração é forte e sadia, as fases de aceleração e de abrandamento mostram uma alternância rápida e regular. É isso que produz a imagem de uma onda harmoniosa, que descreve perfeitamente o termo «coerência» do ritmo cardíaco. Entre o nascimento, quando a variabilidade é mais forte, e a aproximação da morte, onde ele é mais baixa perdemos cerca de 3% de variabilidade por ano. É sinal de que a nossa fisiologia perde progressivamente flexibilidade, que tem cada vez mais dificuldade em adaptar-se à variação do meio físico e emocional que nos rodeia. É um sinal de envelhecimento. Se a variabilidade baixa, é porque em parte não há uma manutenção do nosso travão fisiológico, ou seja, do tónus do sistema parassimpático. Como um músculo do qual não nos servimos, este vai-se atrofiando progressivamente ao longo dos anos. Além disso, não paramos de nos servir do nosso acelerador – o sistema simpático. Assim, após dezenas de anos deste regime, a nossa fisiologia está como um automóvel que pode avançar em roda livre ou acelerar abruptamente, mas que se tornou incapaz de abrandar a uma ordem nossa. A baixa de variabilidade do bater do coração está associada a um conjunto de problemas de saúde ligados ao stress e ao envelhecimento: a hipertensão, a insuficiência cardíaca, as complicações de diabetes, o enfarte, a morte súbita e até o cancro. Resumindo: nos estados de stress e de ansiedade, de depressão ou de cólera, a variabilidade do ritmo cardíaco entre dois batimentos torna-se irregular ou «caótica». Nos estados de bem-estar, de compaixão ou de gratidão, esta variação torna-se «coerente»: a alternância de aceleração e de abrandamentos do ritmo cardíaco é regular. A «coerência» maximiza a variação durante um dado intervalo de tempo e leva a uma maior – e mais saudável – variabilidade cardíaca.
A Gestão do Stress
Nas experiências de laboratório, a coerência permite ao cérebro ser mais rápido e mais preciso. A noção de coerência do coração e o facto de ser possível aprender a controlá-lo facilmente contrariam todas as ideias feitas sobre a maneira de gerir o stress. Um stress crónico provoca ansiedade e depressão. Tem também consequências negativas bem conhecidas no corpo: insónias, rugas, hipertensão, palpitações, dores nas costas, problemas de pele, digestão, infecções recorrentes (gripes, constipações), infertilidade, impotência sexual. Afecta, enfim, os relacionamentos sociais e o desempenho profissional: irritabilidade, perda de capacidade de ouvir os outros, baixa de concentração, ensimesmamento e perda de espírito de equipa. Estes sintomas são típicos daquilo a que chamamos «surmenage» (cansaço) que tanto pode referir-se ao trabalho que fazemos como ao facto de nos sentirmos bloqueados numa relação afectiva que nos esvazia de toda a nossa energia. A conclusão que se pode tirar sobre os benefícios da coerência contínua situa-se nos antípodas: é preciso pegar no problema ao contrário. Em vez de tentar perpetuamente obter circunstâncias exteriores ideais, é preciso começar por controlar o interior: a nossa fisiologia. Controlando o caos fisiológico e maximizando a coerência, sentimo-nos automaticamente melhor, imediatamente, e melhoramos a nossa relação com os outros, a nossa concentração, o nosso desempenho e os nossos resultados. E as circunstâncias favoráveis atrás das quais não paramos de correr acabam por se produzir, mas trata-se praticamente de um efeito derivado, de um benefício secundário da coerência: a partir do momento em que domesticámos o nosso interior, o que nos pode acontecer no mundo exterior tem – impacto sobre nós. O programa informático que mede a coerência do ritmo cardíaco é utilizado na investigação do sistema coração-cérebro. Pode também servir para demonstrar a quem duvidar que o coração reage imediatamente ao estado emocional. Todavia, é perfeitamente possível uma pessoa estar sozinha em coerência, sem computador, e sentir imediatamente os benefícios disso na sua vida diária. Para tal, basta aprender a viver em coerência. (Pág. 63)

4. Viver a Coerência Cardíaca
Há alguns anos fiquei sinceramente desolado quando um colega que tinha solicitado o meu apoio a um doente seu, me disse seis meses depois que ele tinha morrido de um segundo enfarte, desta vez sem ter tido tempo de chegar ao hospital, e sem ter tido tempo de se abrir à sua própria sensibilidade. Estava desolado também por não ter podido ajudá-lo. Nem o meu colega nem eu sabíamos, naquela época, que havia um método ao mesmo tempo simples e eficaz para aumentar a variabilidade das pulsações cardíacas e fazê-las entrar em coerência. As diferentes etapas deste método foram desenvolvidas e testadas pelo HeartMath Institute na Califórnia, um centro que se dedica ao estudo e à aplicação da coerência cardíaca. Como na tradição do yoga, de meditação e de todos os métodos de relaxação, a primeira etapa do exercício consiste em voltar a atenção para o interior de si próprio.
A primeira vez que este exercício é praticado, é preciso em primeiro lugar que a pessoa se subtraia ao mundo exterior e aceite pôr de lado todas as preocupações durante alguns minutos. Aceitar que as nossas preocupações possam esperar um pouco, o tempo necessário para que o coração e o cérebro recuperem o equilíbrio, a sua intimidade. A melhor maneira de o conseguir, é começar por respirar duas vezes lenta e profundamente. Isto estimula imediatamente o sistema parassimpático e faz pender um pouco a balança para o lado do «travão» fisiológico. Para que o efeito seja o maior possível, é preciso deixar a atenção acompanhar a respiração, até ao fim da expiração e deixá-la fazer uma pausa de alguns segundos antes da segunda inspiração se desencadear por si mesma. Na realidade, é preciso deixarmo-nos levar pela expiração até ao ponto em que esta se transforma naturalmente numa espécie de suavidade e beleza (a paz interior está no fim da expiração).
Os exercícios mentais de meditação sugerem que se continue esta prática centrada na respiração o mais tempo possível e que se mantenha o espírito vazio. Mas para maximizar a coerência cardíaca, é preciso, após dez ou quinze segundos desta estabilização, fazer incidir conscientemente a atenção, na zona do coração dentro do nosso peito. Para esta segunda etapa, o mais simples é imaginar que estamos a respirar através do coração (ou da região central do peito se ainda não sentimos directamente o coração). Continuando sempre a respirar lenta e profundamente (mas naturalmente, sem forçar), é preciso visualizar – sentir mesmo – cada inspiração e cada expiração a atravessar essa parte tão importante do nosso corpo. Imagine que a inspiração lhe traz, à passagem, o oxigénio de que ela tanto necessita, e que a expiração a deixa desfazer-se de todos os dejectos de que já não necessita. Imagine os movimentos lentos e leves da inspiração e da expiração que deixam o coração lavar-se nesse banho de ar puro, clarificador e calmante. Elas que o deixem beneficiar da sua oferta. Pode imaginar o seu coração como uma criança num banho de água morna onde ele flutua a chapinhar com prazer, ao seu próprio ritmo, sem constrangimentos nem obrigações. Como uma criança de que você gosta e que está a brincar, você apenas pede ao seu coração que seja ele próprio, no seu elemento natural, e está a vê-lo simplesmente movimentar-se à maneira dele continuando a dar-lhe um ar suave e terno..
A terceira etapa consiste em ligar-se à sensação de calor ou de expansão, que se desenvolve no seu peito, em acompanhá-la e em encorajá-la com o pensamento e a respiração. Ela é muitas vexes tímida no início, e manifesta-se muito discretamente. Após anos de maus tratos emocionais, o coração é por vezes como um animal em hibernação há muito tempo, a olhar para os primeiros raios de sol da Primavera. Sonolento e hesitante, abre um olho, depois o outro, e só começa a mover-se quando tem a certeza que a clemência do tempo não é um acidente temporário. Um método eficaz para encorajar o coração é evocar directamente um sentimento de reconhecimento ou de gratidão e deixá-lo invadir o peito. O coração é particularmente sensível à gratidão, a todo o sentimento de amor, quer este seja para com uma pessoa, uma coisa ou até para com a ideia de um universo benfazejo.
Para muitas pessoas, basta evocar o rosto de uma criança de que se gosta e que gosta de nós, ou o focinho de um animal familiar. Para outras será uma cena de paz na Natureza a trazer consigo a gratidão interior. Enfim, para outras ainda, esta virá com uma recordação de felicidade na acção, com uma descida de ski, um swing de golfe perfeito, uma corrida de barco à vela... Durante este exercício, verifica-se às vezes que um sorriso surge suavemente nos lábios como se tivesse nascido no peito e vindo desabrochar no rosto. É um sinal muito simples de que a coerência foi estabelecida. Os estudos demonstraram que o simples facto de evocar uma emoção positiva graças a uma recordação ou mesmo a uma cena imaginada, induz muito rapidamente uma transição da variabilidade cardíaca para uma fase de coerência. Esta coerência do ritmo das pulsações do coração repercute-se rapidamente no cérebro emocional, ao qual ela faz saber, ao dar-lhe estabilidade, que tudo está em ordem na fisiologia. O cérebro emocional responde a essa mensagem reforçando a coerência do coração. Este vai-vem produz um círculo virtuoso que permite, com um pouco de treino, manter este estado de coerência máxima durante trinta minutos ou mais. Esta coerência entre o coração e o cérebro emocional estabiliza o sistema nervoso autónomo – o equilíbrio simpático/parassimpático (acelerador/travão).
Uma vez chegados a este estado de equilíbrio, sentimo-nos numa situação óptima para enfrentar todas as eventualidades. Podemos, aceder simultaneamente à sensatez do cérebro emocional – à sua intuição – e às funções de reflexão, de raciocínio abstracto, e de planificação do cérebro cognitivo. Quanto mais uma pessoa se exercita na utilização desta prática, tanto mais fácil para ela se tornará entrar em coerência. Uma vez familiarizados com este estado interior, tornamo-nos capazes de comunicar por assim dizer, directamente com o nosso coração.
O programa de computador que mede a variabilidade do coração permite visualizar praticamente a influência dos nossos pensamentos na coerência e no caos. Quando se focaliza a atenção no coração e no bem-estar interior, vemos efectuar-se a mudança de fase e a coerência subir em força sob a forma de ondas regulares e suaves. Em contrapartida, assim que nos deixamos distrair por pensamentos negativos, por preocupações – o que é a tendência normal do cérebro entregue a si próprio -, em poucos segundos a coerência diminui e o caos substitui-a. Se nos enfurecermos, o caos aumenta então de forma imediata e explosiva, e a linha do ecrã desenha um horizonte montanhoso quase ameaçador. Este programa de biofeedback (resposta biológica), permite visualizar instantaneamente o nível da coerência e portanto acelerar a aprendizagem.
Um dia que estive a fazer uma demonstração deste método a um amigo cuja vida espiritual é muito intensa, ele tinha dificuldade em ir além dos 35% de coerência óptima. Perguntou-me então, se em vez de seguir as minhas instruções, poderia simplesmente rezar como era seu hábito. Ele sabia que, quando rezava, sentia um calor e um bem-estar no peito que pareciam corresponder àquilo que eu lhe descrevia. Em poucos instantes a coerência subiu para 80%. Era evidente que o meu amigo tinha encontrado pelos seus próprios meios a forma de equilibrar a sua fisiologia ao emergir no sentimento de estar ligado a um universo todo poderoso e benfazejo. Para outros, em contrapartida, a oração não induz qualquer coerência. Por vezes acontece até o contrário. É aqui que a imagem do biofeedback pode ser útil: ela permite calibrar para cada pessoa a passagem mais eficaz para a coerência da fisiologia, sobretudo no início.
Resumindo :
O coração facilita o funcionamento do cérebro. Segundo diversos estudos preliminares, a coerência do ritmo cardíaco afecta directamente o desempenho do cérebro. Dir-se-ia que as fases de caos interferem com a sincronização das funções cerebrais, ao passo que a coerência facilita o agenciamento das operações do cérebro. O que se traduz por respostas mais rápidas e mais precisas, e um desempenho superior debaixo do stress.
Os Benefícios da Coerência
Há poucas maneiras mais eficazes de nos persuadirmos de que podemos facilmente aprender a controlar a nossa fisiologia do que ver num ecrã de computador o nosso próprio coração a entrar em coerência.
Pela minha parte, foram os estudos experimentais de utilidade clínica desta abordagem, tanto para a psiquiatria como para a cardiologia, que me convenceram.
Na Universidade de Stanford, por exemplo, o Dr Luskin recebeu fundos do National Institute of Health para formar em coerência um grupo de doentes que sofriam de insuficiência cardíaca aguda. Como acontece com frequência, os sintomas físicos – dificuldades respiratórias, cansaço, edema – eram acompanhados de ansiedade e de depressão. Ao fim de seis semanas de tratamento, o grupo que aprendera a dominar a coerência tinha feito baixar consideravelmente o nível de stress (22%) e de depressa (34%).o seu estado físico – a capacidade para andar sem ficar sem fôlego – tinha também melhorado nitidamente (14%). Ao invés, no grupo – testemunha que apenas recebera os tratamentos habituais de insuficiência cardíaca, todos estes indicadores se tinham deteriorado em relação ao nível de partida.
O sistema imunitário beneficia também ele da prática da coerência cardíaca. As imonoglobulinas A (IgA) são a primeira linha de defesa do organismo contra os agentes infecciosos (vírus, bactérias e fungos). As IgA são constantemente renovadas à superfície das mucosas, como o nariz, a garganta, os brônquios, o intestino e a vagina, onde as infecções ameaçam em permanência. Numa experiência foi pedido aos voluntários que evocassem uma cena vivida que lhes tivesse provocado uma fúria. A simples recordação induziu um período de vários minutos de caos no ritmo cardíaco. Na sequência deste período de caos, a segregação de IgA caiu durante seis horas em média, reduzindo assim a resistência aos agentes infecciosos. No mesmo estudo, uma recordação positiva induziu vários minutos de coerência e estes eram acompanhados de um aumento de produção de IgA durante as seis horas seguintes.
Noutro estudo, alguns investigadores mostraram que o nível de stress ao qual cada um de nós está submetido, anuncia directamente a probabilidade de uma pessoa apanhar uma constipação.
Num, grande hospital da região de Chicago, onde os enfermeiros tinham seguido um curso de formação, o nível de satisfação no trabalho tinha aumentado nitidamente. Ao mesmo tempo, os doentes que elas tinham a seu cargo, declararam-se mais satisfeitos com os cuidados prestados. A taxa de despedimento das enfermeiras no ano seguinte à formação baixou de 20% para 4%.
Viver a Coerência
François Dolto sabia falar melhor que ninguém as crianças que sofrem. Perante uma criança perdida, incapaz de dizer o que lhe doía e incapaz de se consolar, ele fazia a pergunta mágica para a ajudar a reorientar-se: «O que sente o teu coração?». Com estas palavrinhas, ele sabia que abria directamente a porta das emoções, cortando o direito na confusão das construções mentais, das ideias sobre si próprio, dos «eu devia» e dos «eu não devia». Ele ajudava quem sofria a entrar em contacto com os motores interiores, os desejos profundos, com aquelas coisas que, afinal, acabavam sempre por determinar o bem-estar ou o mal-estar.
A mesma observação serve para adultos. Sobretudo para os mais racionais que têm tendência para só captar e reagir por intermédio do cérebro cognitivo. É um mundo inédito de sensação e de emoção que se abre a essas pessoas no dia em que dirigem o olhar interior para as reacções do seu coração. Frequentemente, uma vez estabelecida a coerência, essas pessoas compreendem que têm um eu intuitivo interior que sempre as guiou ao longo da vida, e nutrem a sensação de compaixão, de ternura quase, pelo seu interior. Como sugerem as tradições, espirituais orientais, é desta compaixão pelo seu interior que nasce a compaixão pelo mundo exterior: a sabedoria está em nós, o facto de se ter consciência dela permite que a pessoa se abra aos outros.
A coerência induz uma calma interior, mas não se trata de um método de relaxação: trata-se de um método de acção. A coerência pratica-se em todas as situações da vida corrente. É possível entrar em coerência tanto quanto o nosso coração bate a 120 como quando bate a 55. É esse até o objectivo último: estar em coerência durante a excitação da luta ou da corrida, durante o prazer da vitória, mas igualmente permite a dor da derrota; e até mesmo perante o êxtase do amor.
Os resultados obtidos pelos homens e mulheres que descobriram a coerência e a praticam regularmente são quase demasiado bons para serem credíveis. O controlo da ansiedade e da depressão, o abaixamento da tensão arterial, o aumento da taxa de DHEA, a estimulação do sistema imunitário não é apenas do abrandamento do envelhecimento que se trata, mas de um verdadeiro rejuvenescimento da fisiologia.
Contudo, a amplitude dos resultados corresponde à amplitude dos danos físicos e psicológicos ligados ao stress: se o stress pode fazer tanto mal, não me espanta muito que o seu domínio interior possa fazer tanto bem.
Mas, para aqueles de nós que foram feridos pela vida e cujas feridas ainda não cicatrizaram, pode ser doloroso o gerador de ansiedade voltar-se para o interior. Neste caso é o próprio acesso à nossa fonte interna de coerência que está bloqueado. A maior parte das vezes isso ocorre na sequência de um traumatismo durante o qual as emoções foram de tal forma fortes que o cérebro emocional e portanto o coração deixam de funcionar como antes. Deixam então de ser uma bússola para passarem a ser uma bandeira que se agita no meio da tempestade. Neste caso, existe um método para reencontrar o equilíbrio, um método tão surpreendente como eficaz, e que tem a sua origem no mecanismo dos sonhos: a integração neuro-emocional através dos movimentos oculares (EMDR). (Pág. 63)


(Do Livro «Curar» de DR. S. Schreiber)


Nota: como informação complementar ao exposto, sugere-se a consulta do que se segue, obtido da «Wikipédia», uma página de que se aconselha a visita.




O coração é um órgão muscular oco que bombeia o sangue de forma que circule no corpo. Ocorre nos anelídeos, artropodes, moluscos e cordados. A partir dos répteis crocodilianos surge o septo de sabatier', uma barreira fisíca ventricular que impossibilita a mistura de sangue venoso com o arterial, dividindo o coração em duas cavidades, direita e esquerda, cada qual com outras duas cavidades, átrio e ventrículo, separadas por valvas, sendo tricúspide do lado direito e bicúspide, ou mitral, do lado esquerdo. Por esse motivo esses animais possuem circulação dupla e completa

Curar (1)


1. Uma Nova Medicina das Emoções
Uma vida é vida única – e essa vida é difícil. Muitas vezes, damos por nós a invejar a outrem. Nestes casos, não teríamos os mesmos problemas, ou pelo menos não os nossos. Mas teríamos os outros: os deles.
Nem o talento, nem a glória, nem o poder, nem o dinheiro, nem a adoração das mulheres ou dos homens tornam a vida fundamentalmente mais fácil.
Contudo existem pessoas felizes que levam uma vida equilibrada. Estas pessoas não fazem parte de nenhuma seita nem de nenhuma religião particular. Encontramo-los em qualquer parte do mundo. O que permite alcançar este estádio? Não se trata de medicamentos nem de psicanálise.

A constatação
A importância nas sociedades ocidentais das perturbações ligadas ao stress – entre elas a depressão e a ansiedade – é bem conhecida. Os números são alarmantes:
* Os estudos clínicos sugerem que 50 a 75% de todas as idas ao médico são motivadas antes de mais pelo stress, e que, em termos de mortalidade o stress é um factor de risco mais grave do que o do tabaco.
* De facto, entre os medicamentos mais utilizados nos países ocidentais, a maioria visa tratar dos problemas directamente ligados ao stress:
são antidepressivos, ansiolíticos e soníferos, anti-ácidos, anti-hipertensores e anti-colesterol.

Outra Abordagem:
Ora uma nova medicação das emoções está a nascer hoje um pouco por todo o mundo. Uma medicina sem psicanálise e sem Prozac.
Os grandes princípios podem ser resumidos assim:
· No interior do cérebro existe um cérebro emocional, um verdadeiro «cérebro dentro do cérebro». Este tem uma arquitectura diferente, uma organização celular diferente, e até propriedades bioquímicas diferentes do resto do «neocórtex».
· O
cérebro emocional, por seu turno, controla tudo quanto reage, o bem-estar psicológico e a grande parte da fisiologia do corpo: o funcionamento do coração, a tensão arterial, as hormonas, o sistema digestivo e mesmo o sistema imunitário.
· As desordens emocionais, são consequências do disfuncionamento do cérebro emocional. Para muitos, esses disfuncionamentos não têm como origem experiências dolorosas vividas no passado, sem relação com o presente, mas que se imprimiram de forma indelével no cérebro emocional.
· A tarefa principal do psicoterapeuta é «reprogramar» o cérebro emocional de forma a que este se adapte ao presente em vez de continuar a reagir a situações do passado.
· O cérebro emocional possui mecanismos naturais de auto-cura: trata-se de capacidades inatas para encontrar o equilíbrio e o bem-estar comparáveis a outros mecanismos de auto-cura do corpo, como a cicatrização de uma ferida ou a eliminação de uma infecção.

Alguns métodos de tratamento são muito recentes e fazem apelos a tecnologias de ponta, como por exemplo o método dito de «dessensibilização e de retratamento pelos movimentos oculares (mais conhecido pelas iniciais americanas EMDR)», ou o método da «coerência do ritmo cardíaco» ou ainda o da «sincronização dos ritmos cronobiológicos pela aurora artificial».
Outras técnicas, como a acupunctura, a nutrição, a comunicação afectiva e os métodos de integração social, são oriundos de tradições médicas plurimilenares, mas sejam quais forem as suas origens, tudo começa com as emoções. (Página 13)
«Cerebro límbico»
No interior do cérebro humano encontra-se o «cérebro emocional». Estas estruturas, chamadas «límbicas», são as mesmas em todos os mamíferos. São compostos de um tecido neuronal diferente do tecido do cérebro cortical responsável, esse, pela linguagem e pelo pensamento. As estruturas límbicas, essas, têm a seu cargo as emoções e as reacções da sobrevivência. No mais fundo do cérebro situa-se a amígdala, um núcleo de neurónios que está na origem de todas as reacções do medo.

2. Mal-estar na Neurobiologia: O Difícil Casamento de Dois Cérebros
Devemos ter cuidado em não fazer do intelecto o nosso deus;
Ele tem, evidentemente músculos fortes, mas não personalidade.
Ele não pode mandar, apenas servir.
Albert Einstein

Sem emoção a vida não tem sentido. O que dá sol à nossa existência senão o amor, a beleza, a justiça, a verdade, a dignidade, a honra, e as gratificações que elas nos trazem. Estes sentimentos, e as emoções que os acompanham, são como bússolas que nos guiam a cada passo. Privados de emoções, perdemos os pontos de referência mais fundamentais e tornamo-nos incapazes de escolher em função do que nos importa verdadeiramente.
Certas doenças mentais traduzem-se por essa perda de contacto. Por outro lado, as emoções entregues a si mesmas também não contribuem para uma vida de sonho. Devem imperativamente ser moduladas pela análise racional a cargo do cérebro cognitivo, pois qualquer decisão tomada «a quente» pode pôr em perigo o equilíbrio complexo dos nossos relacionamentos com os outros. Sem concentração, sem reflexão, sem planificação; oscilamos ao sabor do prazer e da frustração. Se nos tornarmos incapazes de controlar a nossa existência, esta perde rapidamente sentido.

A Inteligência Emocional
O termo que melhor define este equilíbrio entre a emoção e a razão é a «inteligência emocional»
O que é a inteligência ? A inteligência é o conjunto das capacidades mentais que permitem prever o sucesso de um indivíduo.
A «inteligência emocional» é largamente independente do quociente intelectual.
A partir da ideia de inteligência emocional os investigadores de Yale e de New Hampshire definiram um «quociente emocional» que permite medi-la, em torno de quatro funções essenciais:
1) A aptidão para identificar o estado emocional próprio e o dos outros.
2) A aptidão para compreender o desenrolar natural das emoções (o medo, a cólera, por exemplo, evoluem de uma forma diferente no tempo).
3) A aptidão para raciocinar sobre as próprias emoções e as dos outros.
4) A aptidão para gerir as suas emoções e as dos outros.

Estas quatro aptidões são os fundamentos do auto-domínio e do sucesso social. Elas estão na base do auto conhecimento, do comedimento, da compaixão, da cooperação, e da capacidade para resolver os conflitos.
O problema é que as pessoas estão mesmo convencidas de que são exímias nestes quatro domínios. E todavia, o caso está longe de ser esse.
O comportamento das crianças ilustra perfeitamente até que ponto pode ser difícil distinguir os estados emocionais. A maior parte do tempo, uma criança que chora, não sabe exactamente se chora porque tem calor, porque tem fome, porque está triste, ou simplesmente porque está cansada de um longo dia de brincadeiras.

Os Dois Cérebros: Cognitivo e Emocional
Para Damásio, a vida psíquica é o resultado de um esforço permanente de simbiose entre dois cérebros. De um lado um cérebro cognitivo, consciente, racional e voltado para o mundo exterior. Do outro, um cérebro emocional, inconsciente, preocupado em primeiro lugar com a sobrevivência e antes de mais conectado com o corpo. Estes dois cérebros são relativamente independentes um do outro, e cada um deles contribui de forma diferente para a nossa experiência de vida e o nosso comportamento.
O cérebro límbico controla as emoções e a fisiologia do corpo
O cérebro límbico é constituído pelas camadas mais profundas do cérebro humano. É, de facto, «um cérebro dentro do cérebro». O cérebro límbico é um posto de comando que recebe continuamente informações de diferentes partes do corpo e a elas responde de forma apropriada controlando o equilíbrio fisiológico: a respiração, o ritmo cardíaco, a tensão arterial, o sono, o libido, a secreção das hormonas, e mesmo o funcionamento do sistema imunitário, estão sob as suas ordens. O papel do cérebro límbico parece ser o de manter as diferentes partes em equilíbrio.
O cérebro cortical controla a cognição, a linguagem e o raciocínio.
O neocórtex, a «nova casca», é a superfície plissada que dá ao cérebro a sua aparência tão característica. É também o invólucro que envolve o cérebro emocional. Atenção, concentração, reflexão, planificação, comportamento moral: o neocórtex – o nosso cérebro cognitivo – é um componente essencial da nossa humanidade..
Quando os dois cérebros não se entendem:
Os dois cérebros, emocional e cognitivo, captam a informação proveniente do mundo exterior mais ou menos ao mesmo tempo. A partir daí, podem cooperar ou disputar entre si o controlo do pensamento, das emoções e do comportamento. É o resultado desta interacção – cooperação ou competição – que determina o que sentimos, a nossa relação com o mundo, e a nossa relação com os outros. As diferentes formas de competição tornam-nos infelizes. Inversamente, quando o cérebro emocional e o cérebro cognitivo se completam, um para dar uma direcção àquilo que queremos viver (emocional), e o outro para nos fazer avançar nessa via o mais inteligentemente possível (o cognitivo), sentimos uma harmonia interior – um «estou onde quero estar na vida» - que sustém todas as experiências duradouras de bem-estar.
O curto - circuito emocional
Na prática clínica encontramos dois exemplos deste curto-circuito emocional:
· O primeiro é aquilo que chamamos de «stress pós-traumático» (ESPT): após um traumatismo grave – por exemplo, uma violação ou um tremor de terra – o cérebro emocional comporta-se como uma sentinela leal e conscienciosa que tivesse sido apanhada desprevenida. Ela dá o alarme demasiadas vezes, como se fosse incapaz de ter a certeza da ausência do perigo. Foi o que aconteceu, nomeadamente, a um sobrevivente do 11 de Setembro que veio tratar-se ao nosso centro de Pitsburg: meses depois do atentado o seu corpo ficou paralisado cada vez que entrava num arranha-céus.

· O segundo exemplo corrente é o das crises de ansiedade, também chamadas em psiquiatria ataques de pânico. Nos países desenvolvidos cerca de uma pessoa em cada vinte sofreu crises de pânico. Muitas vezes as vítimas têm a sensação de que vão ter um enfarte, de tal forma as manifestações físicas são impressionantes. O cérebro límbico assume subitamente o controlo de todas as funções do corpo: o coração bate a toda a velocidade, o estômago revolve-se, as pernas e as mãos tremem, a pessoa transpira por todos os poros. No mesmo momento as funções cognitivas são enfraquecidas pela descarga de adrenalina: por mais que o cérebro cognitivo não entenda a razão de tal estado de alarme, enquanto ele se mantiver desligado pela adrenalina, será incapaz de organizar uma resposta coerente à situação. As pessoas que sofreram crises destas descrevem-nas muito bem: «era como se o meu cérebro estivesse vazio; não conseguia pensar».
A asfixia cognitiva
Ao invés, o cérebro cognitivo controla a atenção consciente e a capacidade de moderar as reacções emocionais antes que estas se tornem desproporcionadas. Mas não é por sermos cegos a um determinado mal-estar subjacente que este desaparece. Dado que o corpo é o principal campo de acção do cérebro emocional, este impasse traduz-se em problemas físicos. Os sintomas acabam por ser as clássicas doenças de stress: cansaço inexplicável, a hipertensão arterial, as constipações e outras infecções de carácter repetitivo, as doenças cardíacas, as perturbações intestinais e os problemas de pele. (Página 25)


(Do Livro «Curar» de Dr. David S. Schreiber)

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

O Bem Estar da Solidão


«Nenhum servo pode servir a 2 senhores;

ou há-de aborrecer a um e amar o outro,

ou dedicar-se a um e desprezar o outro.

Não podeis servir a Deus e ao dinheiro»

Lucas 16:13


A solidão é uma realidade. A realidade. A vida é uma série de separações, de pequenas mortes.
A maioria das pessoas confunde solidão com isolamento.
O isolamento consiste em se estar fisicamente só – pertence ao mundo externo.
A solidão vem de dentro de nós.
Ninguém pode substituir o colo da Mãe.
Eu amo os velhos.
Um ancião consciente vive para afastar-se das coisas do mundo.
Muitos seres humanos vivem para diminuir o sofrimento.. Não para crescer.
O que é o tempo? Existe verdadeiramente?
A capacidade de estar só conquista-se tomando consciência dos estados de alma, das suas sensações e dos seus sentimentos.
Estar só desenvolve a fantasia. A fantasia torna-se o refúgio para a infelicidade.
Em todos nós existem a fantasia e a imaginação. A fantasia é terapia.

Moura - Onde se fazia azeite, mulher não entrava


«Azeitona,

que o sustento nos vens dar

os alegres passarinhos

com os seus biquinhos

a querem levar»

(Da Moda Alentejana: «Levantou-se o Povo inteiro»)


A casa grande é de um só compartimento. Um longo corredor. Ao fundo duas enormes alavancas, criadas com traves de madeira. Correndo todo o corredor, as tulhas, pequenos compartimentos de alvenaria, para armazenar a azeitona. O Lagar de Varas do Fojo, em Moura, hoje museu, conta uma história antiga. No decurso de um século ganhou vida a cada Outono, na época da apanha da azeitona.

As oliveiras salpicam a extensa planície do baixo Alentejo. A árvore de pequeno porte oferece sombra sob o quente verão; um repouso entre uma tarefa e outra na manutenção do campo. As oliveiras resistem a mais um estio. Nas ramadas o seu fruto, a azeitona, amadurece lentamente. Por agora os lagares estão vazios. O dia-a-dia no campo faz-se, entre outras actividades, com a apanha do melão. Quando o Outono começar a despertar, então os campos de oliveiras enchem-se de gente na apanha da azeitona. Então, com a lua ainda reinante, ruma-se ao olival. O dia vai ser longo e duro. Estendem-se as redes sob as oliveiras. Bate-se com varas nos ramos para o fruto, que dá origem ao azeite, ir ao chão. Pausas só mesmo para saciar a fome com o farnel preparado no serão anterior. Quando a noite voltar a cair, faz-se o regresso a casa. O processo repete-se dia após dia. Embora a mecanização seja já uma presença significativa nas produções olivícolas, há muitos produtores que continuam a recorrer à mão humana. O cenário descrito continua, pois, a ser uma realidade em terras do Alentejo, permitindo a subsistência de muitas famílias. Ao labor no campo seguir-se-á a actividade no lagar, etapa que concretiza a azeitona no fio de ouro que é o azeite.

Um processo que, em Moura, é explicado no Lagar de Varas de Fojo, convertido em museu desde 2001. A vida no lagare entre 1810 e 1941 cada Outono trazia um sopro de agitação ao Lagar de Varas de Fojo. Actualmente, o imóvel considerado de Interesse Público, guarda intactos os artefactos que contam histórias antigas. Estes falam-nos de trabalho árduo; um lugar onde as mulheres não tinham entrada. A aldeia de outrora cresceu e o Lagar de Varas do Fojo, antes em meio rural, localiza-se hoje numa avenida movimentada, dando acesso ao centro da cidade de Moura.

Recuemos no tempo até ao lagar do século XIX, início do século XX. Com os primeiros carregamentos de azeitona desde os campos, a actividade passa a fazer-se entre paredes, no lagar. Cada produtor de azeitona tinha uma tulha, identificada com o seu nome e um número, para armazenar a azeitona. O Lagar era espaço comunitário, tendo o dono, direito a uma percentagem da produção como meio de pagamento pela utilização da estrutura.

Das tulhas onde eram depositadas, as azeitonas passavam para a moenda. Esta fase servia para pisar a azeitona até se transformar numa pasta. O fruto da oliveira era depositado numa estrutura redonda, fazendo lembrar um poço, mas com fundo à vista. Três grandes pedras cilíndricas, como as rodas de um veículo, giravam, moendo a azeitona, puxadas pela força no burro. Este era o único processo onde o esforço não saía de braço humano.

Da moenda, a pasta de azeitona passava para a enseirada, onde se encontram as varas que dão nome ao lagar. As imponentes varas funcionam como alavancas, quando os homens fazem girar os parafusos que se encontram numa das extremidades. «Após o enchimento das seiras, ou enseiramento, com a massa de azeitona, o lagareiro sobrepunha um conjunto de seiras sobre o estrado da prensa a que se dá o nome de algués. Sobre as seiras ainda se colocava a porta e os malhais, sobre os quais iria assentar a extremidade mais pesada da vara», explica Isabel Costa, guia do museu.

Conta-nos a mesma responsável: «quando a extremidade oposta ao fuso baixa, exerce pressão sobre as seiras, fazendo-as libertar azeite e água-ruça.Depois de escorridas as seiras, a vara subia novamente para que se pudesse proceder à caldeação».

Deitava sobre as seiras água aquecida na caldeira. O azeite e a água-ruça tinham caído para as tarefas. Aqui, ao entrar a água, ia permitir que o azeite se separasse da água-ruça. O processo era de extrema importância, pois era nesta fase que se definia grande parte da qualidade do produto.

«À tarefa para onde vai só o azeite dá-se o nome de tesoiro, ou pilão. O azeite era retirado daí para outros recipientes, pelo lagareiro, com o auxílio de uma concha», comenta Isabel Costa.

No Lagar de Varas do Fojo a viagem no tempo em torno do azeite faz-se não só pela presença dos instrumentos de transformação da azeitona, mas também pela mostra dos utensílios utilizados no campo, como as cestas de transporte do fruto. O núcleo museulógico expõe fotografias antigas que revelam expressões inseridas em momentos de trabalho de uma vida rural que, em certa medida, ainda podemos encontrar nos dias de hoje.


Nota: para mais detalhes numa «viagem» pelo nosso Alentejo, veja aqui: alentejo