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segunda-feira, 26 de outubro de 2009

O tocador do eterno sorriso


Já aqui tínhamos dado destaque ao falecimento dessa grande figura da Viola Campaniça que foi Francisco António, como reconhecimento e homenagem, aliás bem merecida. Tivemos entretanto a agradável surpresa de ver no nosso Blog um comentário de reconhecimento de sua neta, Sophia Vilhena, residente algures no Brasil. Deparando-se-nos agora no Diário do Alentejo um registo magnífico do jornalista João Matias sobre este saudoso alentejano, não resistimos em vir aqui deixá-lo.

Francisco António formou com Manuel Bento e Perpétua Maria o trio responsável pelo ressurgimento da viola campaniça nos anos 80 e 90; conhecedor do reportório tradicional, tocou e deu voz às gravações que José Alberto Sardinha deu a conhecer ao País; foi o primeiro professor de Pedro Mestre
João Matias texto


Com o desaparecimento de Francisco António - que faleceu na semana passada em Ourique-Gare - perdeu-se um dos dois maiores tocadores de viola campaniça da sua geração. O outro é Manuel Bento.

Francisco António, de 81 anos, era natural de Aldeia Nova, Ourique, e lá viveu até 1970, quando a população da localidade se viu obrigada a mudar por causa da barragem do Monte da Rocha, que se encheria no ano seguinte. Era o mais novo de 10 irmãos e herdou do pai o gosto pela música. "Era melhor a cantar do que a tocar", testemunha o seu sobrinho Manuel Bento (mais velho três anos do que o tio), acrescentando que a vontade de tocar só lhe surgiu por volta dos 15 anos: "Um dia, o pai dele, que era meu avô, decidiu oferecer-me a sua viola porque o filho não a usava. Só que pouco depois o Francisco António quis aprender a tocar e o pai foi obrigado a comprar outro instrumento".

Bailes de Aldeia Nova
Os bailes da Aldeia Nova eram famosos, pois havia vários tocadores: "Éramos sete para pouco mais de 120 habitantes", assegura Manuel Bento, e muita gente vinha dos montes em redor para participar.
Francisco António cantava muito bem e, para além da campaniça, também tocava harmónica, ou "flaita", como se diz em alguns lugares. E não se ficava pela sua aldeia, saindo pelos povoados das redondezas. "Estava sempre pronto para a música, tinha uma disposição incrível para tocar e cantar", assegura o sobrinho. E, às vezes, nem era preciso levar instrumentos, pois era comum os montes e tabernas da região possuírem uma viola para que quem chegasse pudesse tocar e, claro, cantar. Nesse tempo muita gente tocava e havia homens que deixaram nome pelas feiras, tais como Norberto "Cego", Francisco Maria Amaro ou "Laranjinha", todos mais velhos que Francisco António.

Tocadores separados
Um dia, porém, Aldeia Nova perdeu os seus habitantes, que tiveram de se mudar por causa da barragem, e os tocadores espalharam-se por diversas localidades. Francisco António foi para Ourique-Gare, Manuel Bento para a Funcheira, outros estabeleceram-se em lugares diferentes. Esta separação, aliada à generalização da harmónica e do harmónio, levaram a campaniça a entrar em decadência. Francisco António não parou de tocar, mas fazia-o apenas para si. Vivia de comprar e vender ovos, fazer pão mas, a par da sua motorizada, não gostava de se separar da viola. Nesse tempo a viola alentejana era, por estas bandas, apenas conhecida pela "viola". Foi Ernesto Veiga de Oliveira que lhe deu o nome de "campaniça", por ser do campo e para a distinguir, por exemplo, da braguesa, que é da região de Braga, e de outras. O nome chegaria ao Alentejo através de José Alberto Sardinha, já nos anos 80 do século XX.

A campaniça é descoberta
Com a morte dos tocadores mais velhos e a paragem dos mais novos, a viola alentejana quase deixa de se ouvir. Até que, em finais da década de 70, o jornalista da RDP, Rafael Correia, a "descobre". Numa das suas notabilíssimas edições do programa "Lugar ao Sul" (que inexplicavelmente cessou em Agosto deste ano), grava com os mestres tocadores. As velhas modas são divulgadas para o País inteiro e pouco depois, no início dos anos 80, o estudioso José Alberto Sardinha encontra Francisco António, Manuel Bento e todos os que pode localizar. Francisco António é fundamental para este trabalho, uma vez que conhece muito bem todo o cancioneiro e demonstra grande disponibilidade para o gravar. "Ele deixava tudo para tocar e cantar", confirma Pedro Mestre - o melhor e mais famoso tocador de campaniça da actualidade. Foi com Francisco António que Pedro Mestre aprendeu os primeiros acordes da viola de arames: "A minha mãe e a minha madrinha levavam-me a casa dele para aprender e ele ensinava-me com muito gosto", lembra.

O disco
Do trabalho de Sardinha nasceu o disco "Viola Campaniça, o outro Alentejo". Nesse vinil também aparece a voz de Perpétua Maria, a esposa de Manuel Bento. O disco junta um trio que se tornaria famoso nos anos seguintes: Francisco António, Manuel Bento e Perpétua Maria. Os três rompem as fronteiras regionais e saem pelo País inteiro a cantar. A campaniça, que chegara à rádio através do programa de Rafael Correia e do disco de José Alberto Sardinha, chegava agora aos palcos. A televisão vem depois, no programa "Cornélia". É então que surge outra pessoa muito importante para a divulgação da campaniça e, consequentemente, para Francisco António: José Francisco Colaço Guerreiro, presidente da Cortiçol e autor do programa "Património" da Rádio Castrense. Partindo do disco, ele vai à procura, não só dos protagonistas da gravação, mas de todos os tocadores que consegue localizar. Encontra-os, grava e divulga as suas músicas na rádio. Com Francisco António tem várias histórias: "Quando o conheci, ele já ia nos 60 anos. Perguntei-lhe se havia outros tocadores e ele disse-me que tinha um sobrinho chamado Manuel Bento que morava na Funcheira. Óptimo, pensei, há alguém mais novo. Meti-me no carro e pus-me a caminho da aldeia. Logo à entrada da povoação dei com um senhor já de uma certa idade e perguntei-lhe se conhecia o tal Manuel Bento. ‘Conheço', respondeu-me, ‘sou eu'. Fiquei surpreendido pois não imaginava que o sobrinho fosse mais velho do que o tio".

O trio desfaz-se

Em 1997 dois golpes duros desfizeram o trio: primeiro morreu Perpétua Maria, esposa de Manuel Bento e cinco meses depois deram-se as terríveis cheias no Alentejo, que expulsaram da Funcheira o mestre que enviuvara há pouco. Os desgostos fizeram com que Manuel Bento parasse de tocar, o que levou Francisco António a encontrar novos parceiros - Mariana Maria, Maria Inácia, Alice Maria, António José Bernardo e Amílcar Silva passam a tocar e cantar com ele, não deixando morrer o "Grupo de Viola Campaniça". Manuel Bento regressará mais tarde, quando Francisco António já dava sinas da doença que lhe consumiria a última dúzia de anos de vida: Alzheimer. O grupo mantêm-se até hoje, renovado com o extraordinário talento de Pedro Mestre e mantendo a participação de Manuel Bento. Lucinda Mestre e Evangelina Torres (mãe e madrinha de Pedro), Ana Valadas e Márcio Isidro são os outros elementos desta formação que equilibra juventude e inovação, experiência e tradição. O legado de Francisco António está vivo.

Eterno sorriso
Regressando à década de 90, o tocador de Ourique-Gare está com Alzheimer mas não perde a disponibilidade e muito menos o prazer de tocar e cantar. Pedro Mestre prossegue a aprendizagem com Manuel Bento mas nunca deixa de visitar o seu primeiro professor: "Francisco António era do melhor que pode haver na natureza humana - quando chegava a casa dele com a viola, largava tudo e arranjava tempo para tocar. E sempre com um sorriso".

Colaço Guerreiro acentua a faceta: "Ele tinha um enorme entusiasmo para tocar. Sempre que eu lhe pedia para ir a algum lado, punha-se logo a contar os dias que faltavam para o espectáculo".

O mestre foi sepultado em Casével, sede da freguesia de Ourique-Gare, a aldeia do concelho de Castro Verde onde passou a última metade da vida. Apesar de não ser natural do município, Castro Verde sempre lhe deu muita atenção e homenageou-o, tendo sido nele que se inspirou quando colocou um tocador de viola campaniça no monumento ao cante que se encontra à entrada do lugar onde agora repousa.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Marvão - Três copinhos com o Licor da Dona Joaquina



O dia-a-dia de Maria Joaquina Ramiro faz-se de muita paciência. Um saber esperar temperado com experiência, persistência e espírito inventivo que resulta, no final, numa multidão de frasquinhos plenos de doçura.

A mesa que Joaquina montou com todo o esmero na mostra de doçaria que decorreu em Setembro de 2009 em Marvão expõe os seus licores e compotas. Estes servem pretexto para uma conversa que corre todo o caminho que vai da fruta ao produto final. Uma conversa entrecortada por copinhos de prova.

A doceira Joaquina não deixa morrer apenas nas palavras o seu mundo de alquimia que junta frutas, aguardentes e açúcar. Um equilíbrio de ingredientes que esta alentejana do concelho de Marvão testa há mais de 12 anos. «Comecei no restaurante onde trabalho. Fazia a ginja para adoçar a boca aos clientes quando iam almoçar ou jantar».

Um adoçar que agradava. Maria Joaquina chegou a fazer mais de 500 litros de ginja por ano, tudo distribuído em copinhos.

«Nem tenho conta os copinhos que saíram. As pessoas perguntavam se lhes vendia uma garrafinha». A resposta, invariável era um «não», como nos relata a doceira. Ficava, no entanto, uma vontade de agradar, de entregar a mais destinatários o resultado de muitas horas com o olho fixo na panela em busca do ponto perfeito para o xarope; de meses de atenção sobre a maceração da fruta em aguardente; a alegria do produto final.

«Percebi que as câmaras municipais nestas coisas, em pequenas dimensões, autorizam o fabrico. Nem pensei duas vezes. Candidatei-me e agora trago os meus licores às feiras».

Joaquina fala, sobrepondo palavras ao burburinho que invade a mostra de doces. Distraidamente enche mais um copinho, um pouco acima da medida que garante uma certa lucidez final.

«Este é de amora. Ora prove». «Excelente», compete dizer, sem exagero no adjectivo.

«Sabe como o arranjei?», pergunta Maria Joaquina: «frente à minha casa há uma amoreira muito antiga. Todos os dias passo por ela. Certa vez reparo com outros olhos. Fico a mirar aquelas amoras maduras quase a cair. Apanhei-as e saiu esse licor. Já reparou na cor? Limpinha». Joaquina não guarda segredo. «A única coisa que ainda não faço é o vidro da garrafa».

A doceira sorri sobre as palavras que acaba de lançar. A receita para os licores de Joaquina faz-se da experiência, testando combinações, conversando com outras doceiras, adaptando à sua maneira de confeccionar. O resultado desdobra-se em licores de ginja, café, amora, café com canela, alperce. Com este fruto, diz-nos Maria Joaquina, «fiz um doce. Depois, sequei as cascas e os caroços e pus a macerar. O resultado final é esta cor bonita». Enche-se mais um copinho, um bojo de líquido de cor leve.
Palavra - chave: alentejo

O Carnaval de Alpalhão – Nisa – Alto Alentejo



Numa época em que os antigos costumes do Carnaval português vão dando lugar a ritmos e tradições importados do Brasil, existem ainda algumas localidades que vão resistindo, mantendo as suas tradições.
Em Alpalhão, no concelho de Nisa, a tradição ainda se mantém. Os seu trajos, outrora utilizados apenas no Carnaval, ainda hoje se mantêm vivos graças aos grupos de Contradanças.
Em Alpalhão, é o traje garrido e vistoso, são saias e xailes ricamente bordados, a par da grande quantidade de ouro reluzente, que desperta a atenção do visitante.

Quem faz, de quem são as mãos que tecem este autêntico festival de cor e deslumbramento, que se passeiam pelas ruas da vila nestes dias de festa?

Na rua da Carreira encontrámos as respostas para estas questões, Maria Virgínia Rijo: “Comecei a fazer estes trabalhos há cerca de 20 anos e fui-me aperfeiçoando. Dantes faziam-se poucos fatos de Carnaval, dependendo doas épocas, mas de há cinco anos para cá, com o regresso das marchas têm-se feito muitos mais.” “ Estava tudo a perder-se, as nossas tradições. Dantes fazia-se um fato por ano e noutros não se fazia nenhum. A professora Zézinha deu um grande impulso às marchas e à Contradança, indo ao encontro das pessoas de Alpalhão que sempre gostaram muito de se vestir e do traje, embora fosse só para ir ao baile.”
“As saias têm duas partes de feltro. Os desenhos são feitos em papel vegetal, que depois é cozido na saia, retira-se o papel e recortam-se os desenhos.”
Uma técnica igual àquela que é empregue em Nisa, no entanto, “enquanto que em Nisa preferem o vermelho com os recortes em preto, em Alpalhão, o vermelho é mais utilizado com os bordados em branco. As saias amarelas que se usam também muito têm os bordados em azul-escuro.

Os xailes em Nisa são bordados à mão e aqui, a maior parte, os de terylene, são bordados à máquina, a matiz. Os xailes mais antigos de Alpalhão são os merinos, muito bonitos e vistosos.

O traje de Alpalhão inclui a camisa, que era de linho, antigamente, o corpete, que é um colete mais curto, bordado à frente e atrás e debruado com uma fita branca e o avental, feito de cetim e bordado como o xaile, com dois bolsos.”
Três semanas é o tempo que demora, até ficar pronto, um traje para adulto (menina ou senhora). O de criança, demora menos.
Por enquanto vai tendo algumas encomendas e o seu trabalho começa a ser mais conhecido, não apenas pelos desfiles de Carnaval, mas pela sua presença nalguns eventos organizados pela Junta de Freguesia, como é o caso da Feira dos Enchidos.

Quanto à popularidade do Carnaval de Alpalhão, Virgínia Rijo não tem dúvidas. “Oxalá que nunca acabe e seja cada vez mais divulgado. É bom para toda a gente, anima o comércio, diverte as pessoas e movimenta a terra. E os nossos trajes são mesmo bonitos, não são?”
Fonte: Vila de Alpalhão

Camponesa - Montargil - Alentejo



A freguesia de Montargil situa-se numa zona de transição Alentejo/Ribatejo, mas o seu folclore reflecte ainda o facto de durante muitos anos, embora sazonalmente, aqui terem trabalhado pessoas vindas de outras terras, caso dos “tiradores de cortiça” do Algarve, e dos “ratinhos” vindos das Beiras em “tempo de ceifa”.

É a aculturação, é o encontro de culturas, é o moldar de uma cultura muito específica.É essencialmente uma “comunidade rural”, com a sua identidade não quer abdicar e maneira de ser, que o Rancho Folclórico de Montargil (na imagem acima), tenta preservar e divulgar.

O traje ou a “Copa”, era noutros tempos um factor que muito caracterizava quem o vestia, e o Rancho Folclórico de Montargil apresenta o mais fiel possível a “copa” que os seus antepassados usaram.Vestia-se pobre em Montargil, o que não significa que em especial a mulher não vestisse “bonito “.

O fato de “camponesa” era sempre igual, com uma ou outra pequena alteração em função da actividade que ia desempenhar, e a natural mudança de utensílio de trabalho.Tanto quanto sabemos, este trajo de camponesa é característico unicamente desta região de transição entre o Alentejo e o Ribatejo, o que demonstra bem como localmente se criou uma cultura muito própria. Era constituído pelas seguintes peças:Blusa com abas e” mangos (estes de meia velha ou do riscado da saia); Saia de riscado escuro, arregaçada e atada no cós.” Podendo no entanto usar uma saia mais curta, que não seria arregaçada”. Ceroulas de ganga atadas nos tornozelos com fitas de nastro; Chapéu sobre o lenço, e este, consoante o trabalho, atado atrás, em cima sobre o chapéu ou à frente; Meias escuras de cordão; Sapato de atanado e sola, sendo que, dependendo do trabalho executado, podiam andar descalças.

Refira-se ainda, que quando a caminho do trabalho, algumas camponesas levavam um curto avental que tiravam ao chegar lá.

Era também nessa altura que, e se disso fosse caso a saia era arregaçada e presa no cós.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

RAFAEL CORREIA: «O EREMITA DA RÁDIO »


«LUGAR AO SUL»: UMA OBRA DE ARTE E UM PATRIMONIO QUE EM QUALQUER PAÍS QUE SE PREOCUPA COM A SUA IDENTIDADE E O SEU POVO É UM OBJECTO DE CULTO, DEFENDIDO, PROMOVIDO, APOIADO E AMADO.

Aqui fica o depoimento de uma jornalista.«Durante quase 30 anos, fez na RDP o programa "Lugar ao Sul". Ganhou uma legião de fiéis e um lugar único na história da rádio portuguesa, que chegou este Verão ao fim. Retrato difícil de um homem secreto com um talento precioso, o de ouvir e fazer falar. E o de perder tempo.

(Rafael Correia, na imagem segundo o traço de André Carrilho)


Com a devida vénia à jornalista Fernanda Câncio, aqui se transcreve o seu artigo publicado no "Diário de Notícias", de sábado passado:

«Durante quase 30 anos, fez na RDP o programa "Lugar ao Sul". Ganhou uma legião de fiéis e um lugar único na história da rádio portuguesa, que chegou este Verão ao fim. Retrato difícil de um homem secreto com um talento precioso, o de ouvir e fazer falar. E o de perder tempo.Passou décadas a percorrer o país à procura de pessoas, vozes, histórias, canções, usos e ofícios. A maior parte das vezes só, só ele e o seu gravador, só ele e o equipamento de som. Fez da solidão uma espécie de missão, talvez mesmo de fé. Dizem os colegas e os que o chefiaram que também no estúdio, a montar o programa, se fechava horas, só ele e o seu material, "numa espécie de missa"."Fazia tudo sozinho, desde conduzir o carro ao resto. Era um trabalho de paixão, chegou a meter dinheiro dele para fazer aquilo".

Noel Cardoso, chefe de produção da RDP Sul, não se poupa no retrato. "Tinha uma aptidão extraordinária para descobrir assuntos e pessoas. E era incrível a pôr gente a falar, mesmo a mais rural e fechada. Tinha essa habilidade. Nunca queria falar com os ‘conhecidos’, perdia muito tempo a procurar. Era o ‘Portugal profundo’ – a gente do artesanato, das lendas, das canções de trabalho... E fazia três horas de gravação para aproveitar vinte minutos".

A ideia do "Lugar ao Sul" ter-lhe-ia surgido, diz Noel Cardoso, depois de uma estada em França, a partir de algo de semelhante que lá ouviu. Verdade é que programas parecidos chegaram a existir em Portugal, antes e durante, mas ninguém contesta a superioridade do de Rafael.

"Ganhou quase tudo o que havia para ganhar em rádio, em termos de prémios e galardões", garante o director de produção da RDP. Apesar de tantas distinções, recusava quase sempre entrevistas. Fotos, impossível: o mais que se encontra é uma coisa tipo passe, de há muito tempo. O telefone de casa toca, sem ninguém atender; de telemóvel ninguém lhe ouviu falar. A vida fora da rádio e do programa é um mistério: autodidacta como sétimo ano "antigo" (actual 11.°); uma mulher e uma filha, talvez; uma casa em Faro; a passagem por um banco e por explicações de inglês, a entrada na Emissora Nacional como jornalista, a passagem a realizador, a ida para França, alguns dizem que "por causa de uma paixão", o regresso e o início, há 29 anos, do "Lugar ao Sul".

"Ele não fala com ninguém, o problema é esse", lamenta Noel Cardoso. "E não fala do programa dele: ‘Quem quiser falar do programa oiça e fale, eu não falo’". O programa, de duas horas, era semanal, ao sábado. Ouvintes referiam-se, em cartas para a RDP, ao autor como "parte da família" e quando o "Lugar ao Sul" passou, recentemente, para metade do tempo choveram protestos e temores, o de que fosse a antecâmara do fim. Um temor de que o próprio, adianta João Coelho, director da Antena 1 da RDP, de 1996 a 2002, padecia.

"Passava a vida a achar que lhe iam acabar com o programa. De cada vez que eu pedia para falar com ele, vinha convencido que era dessa. É preciso perceber que quando o conheci, nos anos 80, era o tempo da rádio do ‘disc jockey’ e ele era tudo ao contrário disso: levava muito tempo a fazer as coisas, e fazia-as de uma certa maneira. Sofria muito com a mediania dos quadros intermédios, o que terá criado nele um bocado o sentido da perseguição.

"Que terá nascido primeiro, o isolamento ou a solidão? Que terá feito de Rafael Correia o "bicho-do-mato", na expressão de João Coelho, que tantos sublinham?

"Aquilo que lhe posso dizer do Rafael Correia é que é uma pessoa muito tímida, muito introvertida, muito individualista. Mas conseguia-se sempre colocar no patamar sintáctico, cultural, dos seus interlocutores, fossem quem fossem. Tem um talento muito invulgar. E recolheu um mosaico interessantíssimo do País", diz José Manuel Nunes, director da RDP, de 1984 a 1991, e presidente do respectivo Conselho de Administração, de 1995 a 2002. Um colega da RDP de Faro prossegue o desenho: "É uma pessoa de poucas falas, muito fechada, de feitio um pouco difícil. Recusava até os contactos dos ouvintes e das pessoas que entrevistara. Elas ligavam para a RDP e ele não as atendia.

"Confere com o testemunho de Álvaro José Ferreira, um dos maiores admiradores do programa "Lugar ao Sul" e do seu autor. "Quando o e-mail dele da RDP estava activo, o que sucedeu até Junho passado, cheguei a enviar-lhe várias mensagens, quer para pedir informações sobre temas musicais que passava no programa quer para lhe sugerir pessoas a visitar, mas nunca tive a sorte de obter uma resposta, apesar de saber que teve em consideração algumas das sugestões que lhe fiz." Criador de um "grupo de amigos do LUGAR AO SUL" no MySpace (http://www.myspace.com/lugaraosul) e detentor de um blogue sobre rádio (http://nossaradio.blogspot.com/), Álvaro Ferreira reproduziu neste último uma longa exortação a várias entidades (a começar pelo Presidente da República e a acabar no Provedor do Ouvinte da RDP) na qual, com o título "Lugar ao Sul": um programa-património, enumera não só as qualidades do mesmo e os prémios e distinções de que foi alvo como cita vários elogios de académicos e ouvintes para, finalmente, secundar Adelino Gomes, actual Provedor da RDP, no repto à administração da RDP para a edição discográfica "do melhor desse inestimável acervo", sugerindo também a colocação on-line do espólio do programa.

Mas não fica por aqui: propõe a realização de uma homenagem nacional a Rafael Correia, "talvez no Coliseu dos Recreios". João Coelho pega na ideia. "Fazia-me sentido que ele recebesse uma condecoração no 10 de Junho. Se alguém merece, é ele." À falta, claro, do que fazia sentido a toda a gente que não passava sem o "Lugar ao Sul" — que continuasse. Aos 72 anos, porém, dois após a reforma obrigatória e já com contratos a termo certo (um expediente que a RDP utiliza para manter ao serviço aqueles que assim o desejam) Rafael Correia terá desistido. A explicação que mais colhe é a de ter sido convocado para uma nova formação tecnológica – é a justificação que Feliciano Estêvão, o director da RDP Sul, adianta.

"Ele não gostava nada de ter de lidar com novos equipamentos, resistia sempre muito", lembra José Manuel Nunes. João Coelho encolhe os ombros: "Às vezes isso é não saber lidar com as pessoas. Não que eu defenda um registo de excepção, mas...

Enfim, presumo que ele tenha resolvido fazer um real manguito."» (Fernanda Câncio, in "Diário de Notícias", 26.09.2009)


Nota de rodapé: De acordo com informações facultadas por fontes internas da própria RDP (insuspeitas), Rafael Correia foi empurrado para a reforma, contra sua vontade, sendo que a sua alegada "desistência" em meados de 2009 se prende, entre outras desconsiderações, com o abstruso vínculo contratual – à margem da lei – que Rui Pêgo, com o assentimento da administração da RDP/RTP, lhe apresentou como condição ‘sine qua non’ para a continuação do programa. Os ouvintes do "Lugar ao Sul" e contribuintes do serviço público de rádio prometem que não vão deixar cair a questão e clamam que seja feita justiça ao emérito Rafael das Neves Correia!

FRANCISCO ANTÓNIO DEIXA MUITA SAUDADE



FRANCISCO ANTÓNIO É UMA FIGURA INCONTORNÁVEL NA HISTÓRIA DA VIOLA CAMPANIÇA.

O NOSSO BLOGUE PRESTIGIA A SUA MEMÓRIA E A SUA ARTE QUE JAMAIS SERÁ ESQUECIDA.
FRANCISCO ANTÓNIO, AQUI COM MESTRE MANUEL BENTO E PERPÉTUA MARIA


Faleceu ontem de madrugada, Francisco António, Mestre de Viola Campaniça, residente na Estação de Ourique. O tocador foi um dos grandes responsáveis pela salvaguarda e divulgação da Viola Campaniça, quando, no âmbito da actividade da Cortiçol – Cooperativa de informação de Castro Verde,.

Integrou o trio Manuel Bento, Francisco António e Perpétua Maria, trio este que gravou em 1991, na Basílica Real de Castro Verde, um memorável disco que marcou para sempre a história da música na tradição.

Francisco António, enquanto a saúde lhe permitiu, partilhou connosco num saber profundo, a mestria do dedilhar da Campaniça e das modas que lhe estão associadas, tendo sido o grande mestre na aprendizagem do jovem Pedro Mestre.