
segunda-feira, 17 de maio de 2010
quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010
Lobisomem: Variantes Culturais e Lendas


O Licantropo dos gregos é o mesmo que o Versipélio dos romanos, o Volkodlák dos eslavos, o Werewolf dos saxões, o Wahrwolf dos alemaes, o Óboroten dos russos, o Hamtammr dos nórdicos, o Loup-garou dos franceses, o Lobisomem da Península Ibérica e da América Central e do Sul, com suas modificações fáceis de Lubiszon, Lobisomem, Lubishome; nas lendas destes povos, trata-se sempre da crença na metamorfose humana em lobo, por um castigo divino.
Lenda brasileira
No Brasil existem muitas versões dessa lenda, variando de acordo com a região. Uma versão diz que a sétima criança em uma sequência de filhos do mesmo sexo tornar-se-á um lobisomem. Outra versão diz o mesmo de um menino nascido após uma sucessão de sete mulheres. Outra, ainda, diz que o oitavo filho se tornará a fera.
Em algumas regiões, o Lobisomem se transforma à meia noite de sexta-feira, em uma encruzilhada. Como o nome diz, é metade lobo, metade homem. Depois de transformado, sai à noite procurando sangue, matando ferozmente tudo que se move. Antes do amanhecer, ele procura a mesma encruzilhada para voltar a ser homem.
Em algumas localidades diz-se que eles têm preferência por bebês não batizados. O que faz com que as famílias batizem suas crianças o mais rápido possível. Já em outras diz-se que ele se transforma se espojando onde um jumento se espojou e dizendo algumas palavras do livro de São Cipriano e assim podendo sair transformado comendo porcarias até que quase se amanheça retornando ao local em que se transformou para voltar a ser homem novamente. No interior do estado de Rondônia, o lobisomem após se transformar, tem de atravessar correndo sete cemitérios até o amanhecer para voltar a ser humano. Caso contrário ficará em forma de besta até a morte. O escritor brasileiro João Simões Lopes Neto escreveu assim sobre o lobisomem:"Diziam que eram homens que havendo tido relações impuras com as suas comadres, emagreciam; todas as sextas-feiras, alta noite, saíam de suas casas transformados em cachorro ou em porco, e mordiam as pessoas que a tais desoras encontravam; estas, por sua vez, ficavam sujeitas a transformarem-se em Lobisomens…" [1]
A lenda do lobisomem é muito conhecida no folclore brasileiro, e assim como em todo o mundo, os lobisomens são temidos por quem acredita em sua lenda. Algumas pessoas dizem que além da prata o fogo também mata um lobisomem.
Outras acreditam que eles se transformam totalmente em lobos e não metade lobo metade homem. Mudam de forma a hora que querem e sabem o que estão fazendo quando se transformam.
Lenda portuguesa
Em Portugal, mais concretamente no interior Beirão, existe uma versão um pouco peculiar que se desvia da tradicional lenda do lobisomem. É referido que uma pessoa que padeça desse mal ou estado de espírito, sai pela noite fora, tendo de percorrer sete castelos e voltar ao sítio de onde saiu ainda antes do amanhecer. Diz-se que se transforma nos rastos dos animais que apanhar no seu caminho, ou somente no primeiro rasto que encontrar.
Enquanto o lobisomem estava fora fazendo a sua jornada, a única maneira de o libertar desse mal era colocar a roupa da pessoa do avesso. Pensava-se que quando a pessoa a vestisse, o mal desapareceria, porque a sina era quebrada. Referia-se que existiam muitos lobisomens pela zona do Gavião, (Distrito de Portalegre), região Alentejo e sub-região do Alto Alentejo, e quando se questionava acerca da razão da existência de tal coisa, as respostas eram algo unânimes: "As palavras dos batizados eram outras.." e mencionava-se as razões já ditas na lenda brasileira. Por vezes, quando as pessoas vinham de uma festa ou convívio, ou simplesmente vinham da horta, a pé ou de carroça, e estamos a falar há 30 ou 40 anos atrás (ou mais), não raras vezes era ouvido um som repetitivo, como um trovão constantemente a tronar, de longe e associava-se isso aos lobisomens.
Desde há alguns anos para cá que não se ouve falar de um caso desses, mas ainda perduram na memória as histórias que nos contavam em pequenos, como a do homem que conversava com os seus amigos no café, e deixa escapar: "Como me custa subir a serra da Ladeira de noite, com pés de porco…".
Há referências muito antigas ao lobisomem em Portugal. Aparece no Rifão de Álvaro de Brito (Cancioneiro Geral):
Sois danado lobishomem,Primo d’Isac nafú;Sois por quem disse JesusPreza-me ter feito homem.
(Garcia de Resende, Excertos, por António Feliciano de Castilho, Livraria Garnier, Rio de Janeiro, 1865, p. 24).
É também mencionado no Vocabulario Portuguez e Latino de Rafael Bluteau (tomo V, p. 195) e nos sonetos de Bocage:
Profanador do Aónio santuário,Lobisomem do Pindo, orneia ou brama,Até findar no Inferno o teu fadário!
(Bocage, Obras Escolhidas, primeiro volume, p.122).
No século XIX, Alexandre Herculano escreveu assim sobre o lobisomem português: "Os lubis-homens são aqueles que têm o fado ou sina de se despirem de noite no meio de qualquer caminho, principalmente encruzilhada, darem cinco voltas, espojando-se no chão em lugar onde se espojasse algum animal, e em virtude disso transformarem-se na figura do animal pré-espojado. Esta pobre gente não faz mal a ninguém, e só anda cumprindo a sua sina, no que têm uma cenreira mui galante, porque não passam por caminho ou rua, onde haja luzes, senão dando grandes assopros e assobios para se lhas apaguem, de modo que seria a coisa mais fácil deste mundo apanhar em flagrante um lubis-homem, acendendo luzes por todos os lados por onde ele pudesse sair do sítio em que fosse pressentido. É verdade que nenhum dos que contam semelhantes histórias fez a experiência". (A. Herculano, Opúsculos, Tomo IX, Bertrand, Lisboa, 1909, p. 176-177).
Peeira
Peeira ou fada dos lobos é o nome que se dá às jovens que se tornam nas guardadoras ou companheiras de lobos. Elas são a versão feminina do lobisomem e fazem parte das lendas de Portugal e da Galiza..[2] A peeira tem o dom de comunicar e controlar alcateias de lobos.[3]
Um extenso relato sobre o lobisomem fêmea português encontra-se nas Travels in Portugal de John Latouche (London, [1875], p. 28-36).
Camilo Castelo Branco escreveu nos Mistérios de Lisboa: "A porta em que bateu o padre Diniz comunicava para a sala em que estavam duas criadas da duquesa, cabeceando com sono, depois que se fartaram de anotar as excentricidades de sua ama, que, a acreditá-las, há cinco anos que cumpria fado, espécie de Loba-mulher, ou Lobis-homem fêmea, se os há, como nós sinceramente acreditamos." (Vol.I, Porto, 1864, p. 136).
Corredor
O corredor é a pessoa que tem que correr o fado. O corredor é um ser mutante, pode assumir a forma de lobo de cão ou outro animal. Quando se encontra um para quebrar o fado deve-se fazer sangue, isto é, fazê-lo sangrar. [4]
Tardo
O Tardo é uma espécie de duende, um ser mutante que assume formas de animais mas que pode transformar-se num lobisomem se ao fim de sete anos não lhe quebrarem o fado.
segunda-feira, 14 de dezembro de 2009
À Pesca da Integridade !...

Uma Pescaria Inesquecível
“Instrui o menino no caminho em que deve andar, e até quando envelhecer não se desviará dele.” (Provérbios 22:6 AA)
Ele tinha onze anos e, a cada oportunidade que surgia, ia pescar no cais próximo ao chalé da família, numa ilha que ficava em meio a um lago. A temporada de pesca só começaria no dia seguinte, mas pai e filho saíram no fim da tarde para pegar apenas peixes cuja captura estava autorizada..
O menino amarrou uma isca e começou a praticar arremessos, provocando ondulações coloridas na água. Logo elas se tornaram prateadas pelo efeito da lua nascendo sobre o lago.
Quando o caniço vergou, ele soube que havia algo enorme do outro lado da linha. O pai olhava com admiração, enquanto o garoto habilmente, e com muito cuidado, erguia o peixe exausto da água. Era o maior que já tinha visto, porém sua pesca só era permitida na temporada. O garoto e o pai olharam para o peixe, tão bonito, as guelras movendo para trás e para frente. O pai, então, acendeu um fósforo e olhou para o relógio. Pouco mais de dez da noite… Ainda faltavam quase duas horas para a abertura da temporada. Em seguida, olhou para o peixe e depois para o menino, dizendo:
- Você tem que devolvê-lo, filho!
- Mas, papai, reclamou o menino.
- Vai aparecer outro, insistiu o pai.
- Não tão grande quanto este, choramingou a criança.
O garoto olhou à volta do lago. Não havia outros pescadores ou embarcações à vista. Voltou novamente o olhar para o pai. Mesmo sem ninguém por perto, sabia, pela firmeza da sua voz, que a decisão era inegociável! Devagar, tirou o anzol da boca do enorme peixe e o devolveu à água escura. O peixe movimentou rapidamente o corpo e desapareceu.
Naquele momento, o menino teve certeza de que jamais pegaria um peixe tão grande quanto aquele.
Isso aconteceu há mais de 30 anos…
Hoje, o garoto é um arquitecto bem-sucedido. O chalé continua lá, na ilha no meio do lago, e ele leva seus filhos para pescar no mesmo cais. A sua intuição estava correcta. Nunca mais conseguiu pescar um peixe tão maravilhoso como o daquela noite.
Porém, sempre que recorda tal peixe,se depara com uma questão ética. Porque, como o pai lhe ensinou, a ética é simplesmente uma questão de CERTO e ERRADO.
Agir corretamente, quando se está sendo observado, é uma coisa.
A ética, porém, está em agir corretamente quando ninguém está nos observando.
Esta conduta recta só é possível quando, desde criança, se aprendeu a devolver o PEIXE À ÁGUA.
A boa educação é como uma moeda de ouro. TEM VALOR EM TODA PARTE!-
Extraído de "Histórias para Aquecer o Coração dos Pais", Jack Canfield e Mark Victor Hansen, Editora Sextante.
“Senhor, ajuda-me a ser exemplo para meus filhos e para esta geração que está aí sem referências de integridade.”Vinicios Torres
sábado, 24 de outubro de 2009
Viver Depois dos 60 Anos (2 - final)
Qual é a situação na Europa? Actualmente, atingindo apenas 400 milhões de habitantes, já não é senão uma pequena península de ricos num oceano de pobres. Mas esta península está, a partir de agora, cada vez mais povoada de velhos!
Para o demógrafo, uma população envelhece quando a proporção dos que têm mais de 60 anos aumenta no seio da população global, e simultaneamente a relação entre o número de jovens e o das pessoas com mais de 60 anos cresce igualmente. Verificamos que 60 anos é a idade mágica e «emblemática», que define a passagem sem dor para a categoria das «pessoas de idade».
Da Natureza à Cultura
Para o biólogo, o envelhecimento é um fenómeno natural, universal e necessário, e o homem envelhece do mesmo modo que o animal. Mas será que o homem, neste ponto, não difere verdadeiramente dos outros animais?
Não podemos assim limitarmo-nos aos aspectos fisiológicos para estudar o envelhecimento humano. É preciso integrar nele todas as alterações que não são de origem biológica e que surgem ao longo do tempo.
Numerosos factores estranhos à espécie e à idade podem intervir neste envelhecimento. Citemos a título de exemplo o que resulta do acaso ou do acidente. Não se envelhece da mesma maneira se se fica paralisado aos 30 anos na sequência de um acidente rodoviário ou se se conserva o uso dos seus quatro membros. As mudanças de vida que provêm da acção individual têm igualmente um papel a desempenhar no envelhecimento.
Todos os acontecimentos de uma vida, quer sejam históricos, políticos, económicos ou tecnológicos, influenciarão e orientarão o seu desenrolar.
Tendo em conta todos estes elementos, se retomarmos a análise deste fenómeno, uma das primeiras constatações é a seguinte: o envelhecimento é diferencial. O que significa isto? Simplesmente que cada um de nós envelhece de um modo particular, diferente do modo dos outros.
As diferenças aparecem segundo a geografia: não se envelhece da mesma maneira nos pólos e no equador, à beira-mar e na montanha; segundo o nível económico do País: não há nada em comum entre envelhecer num País pobre e um País rico, um País industrializado e um País agrícola; segundo a cultura: o estatuto, dito de outro modo o lugar e o papel reconhecidos à pessoa de idade diferem notavelmente de uma sociedade para outra; segundo o sexo e a classe social à qual se pertence, etc.
Quaisquer que sejam os países, o século e a cultura às quais nos refiramos, a velhice é um mundo em si, com os seus valores, as suas alegrias e os seus sofrimentos.
Teremos a Idade das Nossas Artérias?
De modo ainda mais preciso e individual, o nosso organismo envelhece de modo diferencial; podemos ter um sistema digestivo de 40 anos, e um aparelho circulatório de 80; dito de outro modo e mais banalmente, o estômago de um indivíduo jovem e pernas de velhote. Refinamento supremo, podemos dispor de uma perna de 40 anos e de outra de 80!
Envelhecemos organicamente «na desordem» e sem nenhuma harmonia. Isto leva-nos a verificar que a noção de idade não tem grande sentido, e que é muito aventuroso pretender que tal pessoa é velha em função da sua data de nascimento; porque enfim a que nos referimos para o afirmar? À pernas pouco firmes, ou ao coração que continua sólido apesar dos anos?
A única coisa que podemos permitir-nos avançar é isto: passados os 60 anos, restam menos anos para viver do que anos já vividos.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) esforçou-se por enquadrar e definir as diferentes fases da velhice classificando as idades: idade média de 45 a 59 anos; idade madura dos 60 aos 79 anos; idade avançada dos 80 aos 89 anos; grande idade a partir dos 89 anos.
Qualquer que seja a terminologia utilizada, o grupo das pessoas de idade é um grupo social muito vasto, sem nenhuma homogeneidade, e onde se encontram gerações que não têm nem a mesma história, nem a mesma experiência de vida, nem os mesmos recursos, nem o mesmo futuro.
O Envelhecimento Intelectual
O envelhecimento intelectual é fonte de grandes inquietações nas pessoas que começam a envelhecer. A doença de Alzheimer vagueia nos espíritos, e os números mais sombrios circulam sobre a perda do número de neurónios que sofremos à medida que envelhecemos.
Podemos dizer desde já, para nos sossegar, que se é verdade que existe de facto uma redução do volume cerebral no decorrer dos anos, este processo é tardio e pouco importante, da ordem dos 2 por cento por cada 10 anos a partir dos 50 anos.
O nosso cérebro dá-nos a posse, não só de um instrumento maravilhoso, mas também de um instrumento muito mais resistente ao envelhecimento do que nos acostumámos a considerar. É preciso que nos convençamos desta verdade: o nosso cérebro só se gasta se não nos servirmos dele!
0 essencial é lembramo-nos sempre que, no domínio intelectual, perde-se pelo não uso e não pelo abuso. O exercício intelectual é indispensável à vida mental, e a sua penúria, a falta de estimulação do pensamento, têm efeitos devastadores, qualquer que seja a idade dos indivíduos.
O estudo dos processos cognitivos nas pessoas idosas é provavelmente mais delicado no que nas faixas etárias menos elevadas, porque o peso dos hábitos, dos constrangimentos, dos condicionamentos, das alienações de origem económica e social é mais importante, tendo em conta o tempo durante o qual este imprimiu a sua marca.
A Dinâmica Psíquica do Envelhecimento
A personalidade do indivíduo está submetida no decurso da idade a uma série de grandes perturbações. Como é que se pode pretender que a pessoa idosa se adapta mal, ou não se adapta de modo nenhum às mudanças, quando o seu meio interno e externo sofre profundas modificações? Para ela, a necessidade absoluta é a de se acomodar, e ela fá-lo.
Uma das consequências destas adaptações é uma modificação em profundidade do ideal do eu, esta instância psíquica com a qual mantemos um diálogo interior, confrontando os nossos actos e as nossas ambições com o ideal que gostaríamos de alcançar. Este ideal constituiu-se em referência a modelos reais (parentes, amigos, professores, celebridades) ou imaginárias (personagens de romances ou de filmes), materiais de um ideal do eu que em princípio não era inacessível.
Um segundo factor molda o psiquismo da pessoa de idade e faz com que sofra uma tensão que se exerce a partir de dois pólos opostos e se desenvolve numa linha de força onde se confundem os aspectos fisiológicos, sociais e afectivos: é o eixo «estreitamento do espaço/distanciamento».
Quando falamos de estreitamento do espaço atribuímos a este último diferentes qualidades. Em primeiro lugar, o espaço motor que se reduz por causa dos atentados em relação à motricidade. Os percursos das pessoas de idade diminuem progressivamente: da travessia da cidade passam à volta ao quarteirão, depois ao vai e vem dentro de casa, para terminar nos poucos passos que separam o cadeirão da cama.
Com a chegada da surdez, o espaço auditivo é atingido; numerosos sons escapam à pessoa de idade, perdem-se. O espaço visual torna-se pouco nítido ,quanto ao espaço espaço mental, o campo coberto pelos interesses intelectuais empobrece, é uma das consequências da perda dos papéis. Enfim, o espaço-tempo encurta-se, implacavelmente; a consciência de «não ter já tempo» esvazia o futuro. De facto, os espaços não somente diminuíram, mas também ficaram desertos. Vêem-se menos coisas; escutam-se menos sons; encontram-se menos pessoas; vive-se num território menos extenso.
O segundo processo em movimento com a idade é o distanciamento. Se retomarmos a nossa enumeração precedente, verificamos que as dificuldades motoras alongam as distâncias: o que estava próximo torna-se longínquo, porque o tempo necessário para o percurso aumenta; o enfraquecimento muscular aumenta os pesos e as coisa tornam-se tão pesadas que renunciamos a manuseá-las; o que está no alto torna-se inacessível. O mundo material afasta-se, foge; temos cada vez menos controlo sobre ele.
O distanciamento fisiológico tem ressonâncias sobre o mental e provoca um distanciamento psíquico e afectivo que atinge igualmente a memória. Esta, que tem dificuldade em registar novas aquisições, encontra com facilidade as recordações de acontecimentos distantes. Podemos mesmo dizer que a velhice é a hora da escolha – o que pode parecer paradoxal -, e é esta escolha que dará aos últimos anos de vida sentido e valor.
Se o indivíduo não conseguir mobilizar energia suficiente para ultrapassar as suas deficiências físicas, ir-se-á refugiar na doença e em maleitas de toda a natureza. Alguns encontram nisso um equilíbrio. O seu tempo é de novo pautado por imperativos (os medicamentos a tomar a horas fixas), é preenchido com contactos sociais (visitas do, ou ao médico, ao oculista, ao farmacêutico, etc) e pode mesmo ser entrecortado por viagens (as curas) se o estado geral o permitir.
Outros, convencidos que a sociedade está em dívida para com eles, vão utilizar os recursos da protecção social. São os especialistas dos cartões de todas as espécies e de todas as cores. Fazem com que todos os seus direitos sejam cumpridos, reivindicam com facilidade e recorrem a todas as concessões sociais que a idade lhes dá acesso. Também eles reencontraram um estatuto e um papel, mas dependentes estreitamente do sistema social.
Os últimos, enfim, preocupam-se com o seu destino. Escolheram prosseguir com o seu desenvolvimento e tornando-se assim autores de si próprios, utilizam a energias psíquica para compensar as perdas, conquistar a autonomia e continuar a ser criadores de cultura até ao último sopro.
Uns e outros encontraram o seu caminho, e não cabe a ninguém prodigalizar-lhes louvores ou censuras.
Uma Nova personagem: a Mulher Idosa
Porquê determo-nos a propósito do envelhecimento feminino? Não por razões de militantismo feminista, mas muito simplesmente porque o seu percurso é profundamente diferente do dos homens. Com efeito, a mulher tem um envelhecimento especial. Experimenta, mais do que o homem, o peso das normas ligadas à idade, é sempre considerada velha mais cedo do que os homens.
É certo que as mulheres sofrem as mesmas transformações corporais do que os seus companheiros: embranquecimento dos cabelos, perda dos dentes; diminuição da capacidade respiratória; surdez, etc, numa palavra tudo o que a idade se encarrega de fazer sofrer ao nosso organismo. No entanto, para além destas semelhanças, as mulheres vivem uma série de acontecimentos que fazem do seu envelhecimento uma aventura e um trajecto particulares.
A mulher de idade tornou-se uma personagem da nossa sociedade porque é a primeira vez na história da humanidade que tantas mulheres desafiam os anos.
A Longevidade
«O mundo dos velhos é um mundo de velhas»
é o primeiro elemento que torna específico o envelhecimento feminino. Nos países industrializados as mulheres têm à nascença uma esperança de vida superior em nove anos, em mediam à dos homens. Procurou-se explicar esta diferença, mas todas as razões evocadas, se esclarecem em parte o fenómeno, não o justificam inteiramente.
Ao nascer, há mais meninos que meninas: cento e cinco para os primeiros e cem para as segundas, mas, à medida que os anos passam, esta diferença diminui, e acaba mesmo por se inverter, na grande idade, conta-se correntemente mais mulheres do que homens. Os responsáveis de estabelecimentos para pessoas de idade são confrontados quotidianamente com esta situação, e um dos ditados próprios da gerontologia é o seguinte: «o mundo dos velhos é um mundo de velhas»!.
O facto está aí, e é preciso reconhecê-lo; as condições de vida não chegam para justificar os anos de vida suplementar acordados ao sexo feminino. Podemos perguntarmo-nos porquê, qual a razão profunda desta mortalidade masculina superior.
A menopausa
A menopausa é um acontecimento importante na vida da mulher. Enfrenta-o em geral sozinha, revelando-se o seu companheiro incapaz de compreender o que quer que seja que se passa com ela.
A menopausa é o fim de um ciclo e, apesar da evolução da ginecologia, dos costumes, do estatuto feminino, pode provocar perturbações físicas e psíquicas. Se a medicina atenua algumas destas perturbações, os estados depressivos que exprimem outros mal-estar, são raramente objecto de um cuidado especial.
A menopausa que liberta definitivamente a mulher dos constrangimentos ligados à maternidade, dá um novo significado ao tempo, e deixa-lhe uma quantidade de energia que não tem o hábito de utilizar para si própria.
Poucas mulheres no século precedente conheceram a menopausa: morriam antes. Hoje em dia, a contracepção, a longevidade, trazem consigo uma redução do tempo de vida consagrado à maternidade. As mulheres não são unicamente mães, daí, talvez, esta tendência para querer fazer delas avós.
Que a menopausa seja vivida como uma libertação ou que provoque uma crise excessiva, atinge de qualquer modo a mulher na força da idade, e informa-a que o seu tempo muda de natureza. Qualquer coisa morre nela; cada célula do seu corpo é disso informada; ei-la entrada na época do «nunca mais»; ela nunca mais terá filhos é um acontecimento de longo alcance psicológico que não pode senão modificar o modo de encarar a sua própria vida.
A Vida Solitária:
«Viúva és, viúva ficarás»
Esta terceira transformação do envelhecimento feminino é uma realidade à qual é difícil escapar. Com efeito, enquanto o viúvo se casa facilmente, a penúria dos homens de idade madura, junto à tendência masculina em interessar-se por uma parceira mais jovem, faz perder à mulher, que se tornou viúva à voltas dos 60 anos, qualquer esperança razoável de vida comum.
«Viúva és, viúva ficarás.» As estatísticas precisam-nos que, se entre os 60 e os 64 anos 21 por cento das mulheres são viúvas, esta percentagem atinge perto de 57 por cento nos 75/79 anos e 83% a partir dos 90 anos.
Contudo, a viuvez não é a única fonte de solidão. O desgaste dos anos faz-se sentir na vida conjugal, e numerosas mulheres, passados os 50 anos, encontram-se num lar de que o cônjuge desertou. Ao número de viúvas é preciso juntar o das divorciadas e das celibatárias, das quais nem todas o serão por gosto. Chega-se então a esta verificação: 33 por cento das mulheres de 75/79 anos e 96 por cento das mais de 90 anos vivem sós.
A penúria monetária é uma outra consequência da solidão feminina. Metade das pessoas idosas e sós vivem com um rendimento inferior ao salário mínimo.
A diferença de idade entre os sexos «em proveito» do homem está de tal modo arreigada nos nossos modelos sociais que uma diferença de dez anos entre um homem e a sua companheira não choca ninguém.
Finalmente, a melhor maneira de remediar estas dificuldades seria que os biólogos encontrassem a maneira de prolongar a vida dos homens. Todos os estudos demonstraram que o casamento «conserva», não somente por causa da sua rede de trocas afectivas, mas também porque permite fazer face mais facilmente às dificuldades materiais, graças, entre outras coisas, aos recursos mais importantes de que dispõe um casal.
Envelhecer... e as Suas Consequências
A Reforma
Os anos que se seguiram ao final da Segunda Guerra Mundial assistiram à emergência de uma nova classe social: os reformados. Esta parte da população não cessa de aumentar por causa do alongamento do tempo de reforma.
Com o contributo do aumento da longevidade, pode-se prever que uma pessoa na pré-reforma passará um terço da sua vida sem actividade profissional.
Dantes trabalhava-se, morria-se, era a lei habitual; viver sem trabalhar era um sonho inacessível antes de 1930.
Fixar numa idade arbitrariamente determinada a paragem de toda a actividade produtiva, não faz senão mascarar, sob o pretexto da natureza (a fadiga devido à idade) o que é um facto de cultura. O indivíduo é assim posto fora do circuito e, na lógica fundada sobre a produção, não é reconhecido quem já não é produtor.
Quais poderão ser as consequências deste afastamento? O vazio social criado pela perda do estatuto profissional provoca uma perturbação do equilíbrio psíquico que necessita de uma nova estruturação da personalidade, a busca de um novo centro de gravidade, de uma nova ancoragem.
No início, o reformado esgotado pelos trabalhos pesados não tinha uma grande esperança de vida; isto é cada vez menos verdade. O reformado está bem de saúde, mesmo muito bem.
Que fazer então? Espontaneamente os reformados procuram ocupar-se e aos poucos interessaram-se por outras actividades para além das lúdicas. Primeiro foram os cuidados consagrados ao corpo com a ginástica da terceira idade, depois, como isso não chegava para ocupar o tempo, floresceram as actividades manuais (modelagem, tecelagem, esmalte em cobre, etc), e por fim as actividades intelectuais com as universidades da terceira idade (criadas em França em 1973).
No entanto a saudade da vida profissional importunava numerosos reformados, particularmente os que tinham tido responsabilidades. No meio dos antigos quadros surgiu a ideia de pôr benevolamente os seus conhecimentos e as suas competências ao serviço dos países em vias de desenvolvimento, que não podiam, por não ter os meios, recorrer a peritos.
O trabalho não remunerado nasceu (em França) em 1974, e surgiram diversas associações para assegurar a ligação entre as ofertas dos reformados e as necessidades dos países em questão. Pouco a pouco abriu-se o leque, acolhendo engenheiros, professores, empregados e trabalhadores manuais. Os reformados organizaram assim uma forma de trabalho completamente original, inimaginável há alguns anos.
«Trabalho quando quero; como quero; com quem me convém e sem relação de autoridade», pode o reformado dizer. Qual seria o utopista que ousaria imaginar uma tal organização de trabalho!
Nem todos os reformados estão satisfeitos com esta possibilidade que não atinge, evidentemente, senão um número reduzido de indivíduos. Nem toda a gente tem o desejo de partir para o terceiro mundo, temendo a falta de conforto, a falta de serviços médicos e as perturbações políticas.
O movimento não tardou a ultrapassar o domínio do auxílio ao terceiro mundo. As iniciativas dos reformados investiram o território francês, no seio de redes de parentesco e de proximidade, a favor de populações com dificuldades: desempregados, deficientes, crianças.
A Família
Com uma esperança de vida de 45 anos no princípio do nosso século, um filho perdia ou o pai ou a mãe, em média, com a idade de 14 anos. Agora é aos 44 anos que se dá este primeiro luto e os orfanatos foram substituídos por lares de reformados. Temos todas as razões para nos alegrar com isto. Certamente que sempre existiram pessoas idosas e mesmo muito idosas, mas eram minoritárias.
O envelhecimento da população levou efectivamente a uma mudança na estrutura das famílias. Passou-se de uma «família horizontal», quer dizer com gerações que se sucedem, para uma «família vertical», na qual as gerações coexistem e se empilham.
Foram poucas as pessoas nascidas no primeiro quarto do nosso século, que conheceram os seus avós. Estes pertenciam, lembremo-nos, a gerações que desapareciam entre os 45 e os 50 anos, e as famílias com três gerações eram raras e fugazes; hoje em dia as que contam quatro estão em vias de se tornarem correntes. As crianças, quando nascem, têm quase todas avós, e numerosos anos para viver em conjunto. Certas crianças muito novas têm mesmo os bisavós (os supervovôs e vovós, como um deles os nomeou) e esta configuração está destinada a manter-se. Começa mesmo a ver-se famílias com cinco gerações. Num inquérito recente, demonstrou-se que aos 59 anos um em cada quatro homens pertencia a uma família de quatro gerações; do lado feminino a proporção é ainda mais importante.
A crise económica imprime também a sua marca transformando as pessoas de 60 e mais anos, em «bengalas da juventude» dos seus próprios filhos chegados aos 40 anos, e que enfrentam o desemprego, e/ou dos seus netos, já jovens adultos que ficam à margem da vida activa. Daí decorre que esta geração pivô esteja ameaçada de naufrágio, sob o peso de encargos, tratando-se aqui de um dos numerosos problemas que a nossa sociedade tem o dever de abordar.
No entanto, se todos estão ameaçados, nem todos são atingidos pelo peso dos anos, e o recurso aos avós tornou-se um recurso das mulheres jovens que trabalham. Numerosas obras tratam da questão; são editados manuais sobre a «arte de ser avós»; são-lhe consagradas emissões. Os avós estão na moda ! As mulheres ocupam facilmente esta nova função, sobretudo se as crianças são bebés. Reencontram as alegrias de acarinhar, repetem a classe e passam de mãe a avó sem grande esforço.
Grandeza e Servidão da Idade
Preparar a Velhice
Qual a responsabilidade das pessoas idosas? Em que campos podem agir? No seu próprio envelhecimento? No seu meio ambiente? No futuro da sociedade?
A consciencialização da importância e da qualidade singular do seu papel, é o único trunfo de que dispõem para deixarem de ser considerados como «objectos incómodos». Que fazer dos vivos? São eles que têm de responder, se responderem.
Prevenção ou Precaução?
O envelhecimento no homem não é somente sofrido; cada qual procura conduzi-lo segundo as normas da sociedade a que pertence, e segundo o seu próprio sistema de valores. Envelhecer é um sistema muito complexo. Para bem o viver, é preciso praticar uma defesa elástica, quer dizer, descobrir os pontos sobre os quais é preferível ceder, a fim de empenhar as suas forças noutro lado; encontrar estratégias de compensação, procurar o que resiste e o que ainda é possível desenvolver, sem esquecer o que é possível adquirir.
Começa-se agora a evitar empregar a noção de «prevenção do envelhecimento», e evoca-se a do «bom envelhecimento». Mas o que é «bem envelhecer»? Existe um modelo de «bem envelhecer»?
Que medidas de precaução será razoável tomar? Elas dizem respeito em primeiro lugar ao arranjo da habitação e à vigilância da saúde, é claro. Para as mulheres, é importante ter tido uma actividade profissional; é igualmente essencial ter ocupações para além do trabalho; mantê-las se já existem, ou encontrá-las; empenhar-se numa nova actividade; enfim, preparar-se para a solidão.
Velhos das Cidades; Velhos dos Campos
Os citadinos não compreendem o que significa para um agricultor o início da reforma. Enquanto um assalariado se limita a abandonar o seu post de trabalho e as relações que lhe estão aferentes, para um agricultor a reforma significa muitas vezes o abandono da casa, e sempre o abandono dos animais. As referências que constituíam a sua vida quotidiana desaparecem de repente.
Um segundo factor agrava a sua situação: o envelhecimento da população. Foi calculado que, num cantão envelhecido – quer dizer onde a população tenha um número superior de pessoas com 75, e mais anos de idade, do que pessoas com menos de 20 anos – a população jovem desse cantão, apesar do seu ardor no trabalho, não pode compensar só assim a deterioração da situação. As escolas fecham, os comerciantes deixam a freguesia, os transportes desaparecem, o médico e o farmacêutico ficam cada vez mais afastados, e o mesmo acontece com os serviços administrativos. Não há mais casamentos e só subsistem os enterros.
quinta-feira, 22 de outubro de 2009
Viver Depois dos 60 Anos (1)
Apreciação prévia:
Gerontologia:
A GERONTOLOGIA, do grego geron, gerontos, «velho», e lógia, «teoria», constitui-se no século XX como um estudo específico dos processos de envelhecimento.
Ciência de múltiplas facetas, a gerontologia é o local de encontro de disciplinas tão diversas como a sociologia, a psicologia, a filosofia, a economia e a biologia, para não citar senão as mais correntes. Ciência da encruzilhada é frequentemente infiltrada de ideologia, e deu lugar a múltiplas teorias das quais nenhuma, até agora, pôde abranger o conjunto dos processos que estão em acção no processo do envelhecimento humano.
Confrontada com a pluralidade de disciplinas, métodos e teorias, a gerontologia reflecte deste modo a complexidade do envelhecimento, teatro de contradições múltiplas e profundas. No entanto, não podemos senão constatar e deplorar que a conotação geral dessas teorias seja pessimista, e que privilegie a expressão da relação pessoa idosa-sociedade, unicamente através da lupa económica do sistema de produção. Os valores de reflexão, de meditação, de sabedoria, e as potencialidades que se vão forjando com o avanço da idade, não são tomadas em consideração; pior que isso – a maior parte das vezes não são mesmo reconhecidas.
Costumamos dizer que o espaço é a grande conquista do nosso século, esquecendo que há uma segunda, muito mais importante a nosso ver, a do tempo. Esta conquista é superior porque diz respeito a cada um de nós no seu percurso nesta terra, na sua vida quotidiana, profissional, afectiva, familiar ou social.
Com efeito, desde o início do século, a nossa esperança de vida passou de 45/50 anos para 75/80 anos em média, tomando em consideração os dois sexos. Isto permitiu avançar com a ideia de que o homem idoso é uma invenção do século XX, porque, mesmo se houve idosos em todas as épocas, o seu número era restrito. Agora, todos sabemos, ou deveríamos saber, que temos todas as hipóteses de viver velhos, ou mesmo muito velhos, e que é preciso tomar isso em linha de conta nos nossos projectos, nas nossas escolhas, na própria concepção que temos do nosso ser no mundo.
Paralelamente a este envelhecimento cronológico produz-se um rejuvenescimento fisiológico. O velho decrépito está em vias de desaparição e as caricaturas de velhos torcidos e deformados pelos anos já não têm razão de ser. Em breve mais ninguém se lembrar destes velhos de dorso arqueado cuja cabeça olhava obstinadamente a terra que os esperava. A velhice da maior parte de entre nós não corresponderá mais a este lugar-comum, e isto até ao seu termo.
No entanto, a organização social não consegue integrar este duplo movimento, longevidade-rejuvenescimento. A sociedade responde com lentidão, atrasada na sua concepção de envelhecimento, com programas que calcam somente os terrenos da ajuda e do apoio – que não são certamente de esquecer, mas que não permitem ter em consideração as potencialidades do fenómeno e da sua riqueza, potencialidades que não pedem senão ocasião para se exprimirem.
Envelhecer não é nenhuma doença nem uma tara. Nada justifica a rejeição do velho, mesmo se a velhice anuncia o fim da vida, esta aventura de alto risco que termina sempre mal. Certamente que a morte é inevitável, mas alegremo-nos de a ver recuar no tempo.
O Mundo dos Velhos
«Eles correm, correm, os segundos... Para os jovens, o tempo não existe,
mas para os velhos este relógio que conta os segundos que nos separam
Centro Georges-Pompidou, Paris
Quem São as «Pessoas Idosas» ?
Qual o momento, qual a idade em que a gerontologia se baseia para se dedicar ao seu objecto, para utilizar os seus métodos, apresentar os seus resultados?
A questão é importante. Com efeito, um simples esvoaçar pelos séculos permite ilustrar o maior ou o menor interesse dedicado às pessoas de idade na sociedade, e explicar a chagada tardia da gerontologia entre as ciências humanas.
Alguns elementos de história:
Já na época dos Romanos marcavam o começo da velhice e é interessante notar que não evoluímos nada nas nossas avaliações: para nós, 60 anos, idade da reforma, assinala a entrada na velhice social.
Na Idade Média, as etapas da existência não eram fixadas pela idade. Não se conhecia senão a criança e o adulto, cuja vida terminava quando as suas forças já não lhe permitiam guerrear ou trabalhar. Até ao século XII, o indivíduo ignorava mesmo a sua idade.
No século XVII, a imagem da velhice muda de novo de maneira radical e carrega-se de qualidades tais como a sabedoria, bondade, justiça. A velhice é mesmo enaltecida durante a Revolução Francesa e organiza-se uma festa em sua honra. Apesar disso, é a juventude que reina em todos os órgãos do Estado.
O poder político é maioritariamente exercido pelos mais idosos no fim do século XIX.
Explosão de jovens, explosão de velhos:
A população do planeta duplicou desde 1950, passando de 2,5 mil milhões para 5 mil milhões em 1987. Nos próximos trinta anos ela não deverá aumentar senão 50 por cento, atingindo assim mais de 8 mil milhões em 2025.
Prosseguindo os seus prognósticos, os demógrafos avançam com números de 10 a 11 mil milhões, e talvez 14 mil milhões de habitantes terrestres para o fim do século XXI, número em que, pensam eles, nós estabilizaremos.
Diante desta explosão, a questão da penúria dos recursos não pode ser escamoteada. De facto, uma minoria – os países industrializados - é sobrealimentada, e a maioria – os países em vias de desenvolvimento – é subalimentada. Calculou-se que uma família de quatro pessoas nos Estados Unidos consumia tanto como dezoito pessoas na Índia. Note-se igualmente que 2 mil milhões de habitantes dos países em vias de desenvolvimento não têm água potável, 1,5 mil milhões não têm acesso aos cuidados médicos e 1,2 mil milhões vivem abaixo do limiar da pobreza. Em resumo, 23 por cento da população mundial apropria-se de 84 por cento dos proventos do planeta e da energia disponível (números publicados no Le Monde dês debates, Dezembro de 1993).
Poderá este desequilíbrio persistir?
Esta progressão numérica é acompanhada de um aumento de esperança de vida, que era na Europa à volta de 25 anos no século XVII, chega, nos nossos dias, e nos países desenvolvidos, a 72 anos para os homens e a 82 anos para as mulheres. Este aumento de duração de vida não parece prestes a parar, e os biologistas fazem-nos entrever a possibilidade de atingir os 120 anos de vida anunciados na Bíblia.
A gerontologia é um campo de estudos interdisciplinar que investiga os fenômenos fisiológicos, psicológicos e sociais e culturais relacionados com o envelhecimento do ser humano. É um campo multiprofissional e multidisciplinar. Embora a Gerontologia envolva muitas disciplinas, a pesquisa repousa sobre um eixo formado pela Biologia, pela Psicologia e pelas Ciências Sociais.
O aumento da expectativa de vida (ou esperança de vida) e o envelhecimento da população mundial têm preocupado cada vez mais cientistas, intelectuais e formuladores de políticas públicas. O crescimento da gerontologia nos últimos anos é um reflexo dessas transformações.
quarta-feira, 21 de outubro de 2009
«A Saga de um Pensador»
Um Preço a Pagar
«Há sempre um preço a pagar, para os que querem pensar»
- Aula de faculdade de Medicina: imagens de corpos nus, dissecados; a foto de um cérebro, saturado de reentrâncias, como riachos que sulcam a terra;
- Novos alunos, ansiosos (1ª Aula de Anatomia): para desvendar os segredos do objecto mais complexo da ciência: o Corpo Humano;
Chegam os professores e Técnicos de Anatomia – um silêncio gélido invade o grupo. Os Professores convidam os 60 alunos a acompanhá-los. Vêm 12 cadáveres completamente nus, deitados erectos com o peito e a cara voltados para o tecto, cada um estendido sobre uma alva mesa de mármore branco. O cheiro a formol usado para conservar os corpos, é quase insuportável.
Cada grupo de 5 alunos é encarregado de dissecar e estudar um cadáver ao longo do ano. Teriam de rebater a pele, separar os músculos, encontrar o trajecto dos nervos e das artérias. Teriam de abrir o tórax e o abdómen e vasculhar com precisão a cor, o tamanho, a localização e a disposição de cada órgão interno.
- O Dr. George, especialista em Harvard, reconhecido internacionalmente, com mais de 50 artigos publicados em revistas científicas, um cientista notável na sua área, escondendo-se atrás do seu curriculum de apresentador, apresentou o programa da sua disciplina.
Após a introdução, começou desde logo a revelar algumas técnicas de dissecação da pele, músculos, artérias e nervos. Tudo decorria normalmente como em todos os anos, até que um aluno subitamente levantou a mão. O seu nome era Marco Pólo.
O Dr. George não gostava de ser interrompido. Não era um amante dos debates. Cada aluno teria que ruminar as suas dúvidas até ao fim da aula, para depois lhe fazer as perguntas, ou aos outros três Professores e Técnicos que o auxiliavam. Desprezou o gesto de Marco Pólo. Para não fazer papel de parvo, o jovem baixou a mão.
Marco Pólo era intrépido e determinado. Cinco minutos depois de ouvir falar sobre técnicas e peças anatómicas, não suportou o calor da sua ansiedade. Novamente, levantou a mão. O Professor irritado com a sua ousadia, explicou que as dúvidas deveriam ser colocadas sempre no final de cada aula. E disse que abriria uma única excepção. Fez um gesto com as mãos para que Marco Pólo falasse, como se lhe prestasse um enorme favor;
Com sinceridade cristalina, Marco Pólo perguntou:
» Qual é o nome das pessoas que vamos dissecar?
O Dr. George recebeu a pergunta como um golpe. Olhou para os Professores que o auxiliavam, meneou a cabeça e balbuciou: «Há sempre algum estúpido na turma». Com voz solene respondeu:
« Estes corpos não têm nome!
Marco Pólo passou os olhos pelos cadáveres e comentou: «Como não têm nome? Eles não choraram, não sonharam, não amaram, não tiveram amigos, não construíram uma história?»
A plateia ficou muda. O Professor mostrou-se intrigado. Sentiu-se desafiado. Então troçou do aluno publicamente:
» Olha rapaz, aqui só há corpos sem vida, sem história, sem nada. Ninguém respira, ninguém fala. E você está aqui para estudar Anatomia. Sabe que há muitos médicos medíocres na sociedade porque não se dedicara, a esta matéria? Se não quer ser mais um deles, deixe -se de filosofias e não interrompa a minha aula ».
Mas Marco Pólo teve fôlego para retorquir:
» Com o vamos penetrar no corpo de alguém sem saber nada sobre a sua personalidade? Isso é uma invasão !
E, para picar o Professor, resolveu filosofar. Emendou.
» Um homem sem história é um livro sem letras.
Interrompendo-o, o Dr. George foi directo e agressivo:
» Vamos parar com essa filosofia barata! Se você quer ser um detective que investiga a identidade dos mortos, escolheu a faculdade errada. Siga a carreira policial.
Em seguida o professor encerrou o assunto, dizendo:
» Esses cadáveres não têm história. São mendigos, indigentes, sem identidade e sem família. Morrem pelas ruas e nos hospitais e ninguém reclama a existência deles. Não seremos nós que a reclamaremos.
Além de humilhar publicamente o seu intrépido aluno, ele desafiou-o com sarcasmo. Fitou-o e disse-lhe:
» Se você quiser identificá-los, procure informações na Secretaria do departamento. Ah! E se, por acaso encontrar uma história interessante sobre alguns destes indigentes, por favor, traga-nos para que possamos ouvi-la.
Com isto Marco Pólo calou-se.
Marco Pólo saiu daquela aula com a impressão de que «há um preço a pagar para os que querem pensar».
(in Livro «A Saga de um Pensador» de Augusto Cury)
quinta-feira, 15 de outubro de 2009
Curar (5) - último

11. O Amor é Uma Necessidade Biológica
O Desafio Emocional
Nada faz ranger tanto os dentes do nosso cérebro como os pequenos conflitos com aqueles e aquelas que fazem parte dos nossos relacionamentos próximos. Quer queiramos quer não, mesmo os conflitos com os vizinhos – que são, apesar de tudo, «estranhos» - podem afectar-nos tanto como uma arranhadela numa ardósia.
Em contrapartida, o nosso coração derrete-se diante do espectáculo de uma criança que sorri ao pegar na mão do pai para lhe dizer, olhos nos olhos: «Gosto de ti, pai» (e outras situações semelhantes).
Nestes casos reagimos à relação afectiva entre os seres. Quando as pessoas se agridem emocionalmente, sofrem com isso, mesmo que sejamos apenas meros espectadores.
A Fisiologia do Afecto
No nosso caso, como no dos outros mamíferos, a evolução criou pois estruturas límbicas do cérebro que nos tornam particularmente sensíveis às necessidades das crianças. A evolução introduziu no nosso cérebro o instinto, que nos faz responder às suas necessidades: alimentá-los, aquecê-los, fazer-lhes festas, protegê-los, mostrar-lhes como colher, como caçar, como defender-se.
Uma região específica do nosso cérebro emocional é até responsável pelos gritos de aflição que emitimos – bebés –logo que somos separados daqueles a quem estamos ligados. O cérebro emocional está pois construído de maneira a emitir e receber no canal do afecto. O contacto emocional é, para os mamíferos, uma verdadeira necessidade biológica, tal como a comida e o oxigénio.
O Amor é Uma Necessidade Biológica
Nos humanos, estabeleceu-se que a qualidade de relação entre os pais e a criança, definida pelo grau de empatia dos pais e a respectiva resposta às suas necessidades emocionais, determina, muitos anos depois, a tonicidade do seu sistema parassimpático, isto é, o factor preciso que favorece a coerência do ritmo cardíaco e permite resistir melhor ao stress e à depressão.
A Sua Mulher Diz Que o Ama ?
Está pois actualmente estabelecido que em todos os mamíferos, incluindo os homens, o equilíbrio fisiológico dos bebés depende da afeição que lhes é dedicada. Será realmente de admirar que isso seja verdade também no caso dos adultos?
Um estudo publicado no British Medical Journal veio mostrar que a sobrevivência média de homens de idade que perderam a mulher era de longe inferior à dos homens da mesma idade cuja mulher ainda estava viva. Segundo outro artigo, os homens com doenças cárdio-vasculares que responderam «sim» à pergunta: « A sua mulher diz que o ama ?» apresentavam duas vezes menos sintomas do que os outros. E quanto mais estes homens acumulavam factores de risco (colesterol, hipertensão, stress), mais o amor da mulher parecia ter um efeito protector. Fenómeno inverso: oito mil e quinhentos homens de boa saúde foram seguidos durante cinco anos. Os que, no início do inquérito, se reconheciam na afirmação: «A minha mulher não me ama», desenvolveram o triplo das úlceras em relação aos outros. Nas mulheres, os benefícios do apoio emocional são igualmente importantes. Em mil mulheres a quem foi diagnosticado um cancro da mama, foram registados duas vezes mais óbitos ao fim de cinco anos entre as que diziam ter falta de afecto nas suas vidas.
Três psiquiatras da Universidade de S. Francisco deram um nome a este fenómeno: «a regulação límbica». Nas suas palavras: «A relação afectiva é um conceito tão real e tão determinante como qualquer medicamento ou intervenção cirúrgica». Mas é evidente que se trata de uma ideia que ainda tem dificuldade em abrir caminho. Apesar estar perfeitamente estabelecida cientificamente, talvez por não ser propícia à venda de medicamentos. (Pág. 167)
12. A Comunicação Emocional
Aqueles que dominam a palavra exacta
não ofendem ninguém, no entanto, dizem
a verdade. As suas palavras são claras
mas nunca violentas... Jamais se dedicam
a humilhar, e jamais humilham alguém.
Buda
O Love Lab de Seattle
Na Universidade de Seattle, um lugar chamado o «Love Lab» (o laboratório do amor), pares casados aceitam passar pelo microscópico emocional do Professor Gottman. Esta analisa a natureza das suas interacções. Câmaras de vídeo filmam os casais e permitem detectar a menor careta nos seus rostos, mesmo que esta só dura uns décimos de segundo. Captadores controlam as variações do ritmo cardíaco e da tensão arterial. Desde que inventaram o Love Lab muitos casais aceitaram discutir ali os seus assuntos crónicos de conflito: a repartição das tarefas domésticas, as relações com os sogros, os conflitos por causa do tabaco, da bebida, etc.
A primeira descoberta do Professor é a de que não há casal feliz – de facto, não há uma relação afectiva duradoura – sem, conflito crónico. É até o inverso: os casais que não têm motivo de discussão crónica, deviam preocupar-se. A ausência de conflitos é sinal de uma distância emocional de tal ordem que ela exclui uma verdadeira relação.
A segunda descoberta – perplexizante – é que basta ao Professor analisar cinco minutos – cinco minutos ! – de uma discussão entre marido e mulher para dizer com uma precisão de mais de 90% quem é que vai permanecer casado e quem se vai divorciar nos próximos anos – mesmo tratando-se de um casal ainda em plena lua de mel.
Nada afecta tanto o nosso cérebro emocional e a nossa fisiologia como quando nos sentimos emocionalmente afastados daqueles a quem estamos mais ligados: o nosso cônjuge, os nossos filhos, os nossos pais. No Love Lab, uma palavra a mais, um minúsculo ricto de desprezo ou de nojo – dificilmente visível para um observador – bastam para provocar uma aceleração do ritmo cardíaco naquele a quem são destinados. Os homens, em particular, são muito sensíveis ao que o Professor chama : «a inundação afectiva»: uma vez activada a sua fisiologia, são «afogados» pelas emoções e só pensam em termos de defesa e de ataque. Deixam de procurar encontrar uma solução ou uma resposta que acalme a situação.
O Apocalipse da Comunicação
O Professor Gottman define aquilo a que chama «os quatro cavaleiros do Apocalipse» nos diálogos conflituosos.
O primeiro cavaleiro é a «critica». Criticar o outro em vez de lhe apresentar simplesmente uma queixa ou um pedido. Exemplo de crítica: «Outra vez atrasado. És um egoísta». Exemplo de queixa: «São nove horas. Tinhas dito que vinhas ás oito. É a segunda vez esta semana. Sinto-me sozinha e é aborrecido ficar assim à tua espera».
O que estas observações têm de prodigiosamente espantoso é o facto de parecerem o mais naturais possível! Sabemos todos perfeitamente «como não gostamos de ser tratados». Em contrapartida, é-nos mais difícil especificar «como gostaríamos de sê-lo», apesar de nos sentirmos instantaneamente reconhecidos quando alguém se dirige a nós de forma emocionalmente inteligente.
O segundo cavaleiro, o mais violento e o mais perigoso para o nosso equilíbrio límbico, é o «desprezo». O desprezo manifesta-se evidentemente por meio de insultos, desde os mais suaves até aos mais clássicos e violentos do género: «minha filha, és mesmo uma parva», ou «coitado», ou simplesmente, mas não menos terrível, «não sejas ridículo».
O sarcasmo também pode magoar imenso. O sarcasmo pode ser divertido no cinema mas não o é na vida corrente. Porém, Sá precisamente esses sarcasmos que procuramos muitas vezes, por vezes até com deleite.
As expressões faciais bastam muitas vezes para comunicar o desprezo; os olhos que olham para cima em resposta a qualquer coisa acabada de dizer, os cantos da boca que se baixam com os olhos que se cerram em relação ao outro. Quando se trata de alguém com quem vivemos ou trabalhamos que nos dirige estes sinais, eles vão-nos direitos ao coração como uma seta e tornam qualquer resolução pacífica da situação praticamente impossível: como raciocinar ou falar calmamente quando a mensagem que se recebe é a de que não provocamos senão desdém ?
O terceiro e o quarto cavaleiros são o «contra-ataque» e o «recuo total». Quando somos atacados as duas soluções imediatamente avançadas pelo cérebro emocional são o combate e a fuga. Elas foram gravadas nos nossos genes por milhões de anos de evolução. E são efectivamente as duas escolhas mais eficazes para um insecto ou um réptil… Ora, qualquer que seja o conflito o problema do contra-ataque é que este só conhece duas saídas: no pior dos casos leva direitinho a uma escalada de violência: ferido pelo meu contra-ataque o outro vai mais longe. No melhor dos casos, o contra-ataque «resulta», o outro é vencido pela nossa verve ou – como acontece muitas vezes com os pais em relação aos filhos, e com os homens em relação às mulheres, - com uma bofetada! Falou a lei do mais forte, e o réptil em nós ficou satisfeito. Mas esta vitória deixa forçosamente o vencido ferido ou magoado. E essa ferida só serve para aumentar o abismo emocional e agravar a dificuldade em viver com outra pessoa. Um contra-ataque violento jamais deu vontade ao outro de se desfazer em desculpas sinceras e de nos abraçar…
A outra opção é o «recuo total», é uma especialidade masculina que tem o condão de irritar particularmente as mulheres. Ela prefigura muitas vezes a derradeira desintegração de uma relação, quer se trate de um casamento ou de uma colaboração profissional. Após semanas ou meses de críticas, de ataques e contra-ataques, um dos protagonistas acaba por abandonar o campo de batalha, pelo menos emocionalmente, enquanto o outro tenta contactar com ele, procura falar-lhe, ele fecha-se, olha os pés ou esconde-se por detrás do jornal «à espera que passe». O outro, exasperado com esta atitude que pretende ignorá-lo por completo, levanta cada vez mais a voz e acaba por desatar aos gritos. Como é óbvio, é tempo perdido.
Dizer Tudo Mas Sem Violência
Mas quais são então os princípios da comunicação eficaz, da comunicação que faz passar a mensagem sem alienar o destinatário, daquela que, pelo contrário, lhe inspira o respeito e lhe dá vontade de nos ajudar?
O primeiro princípio da comunicação não violenta é substituir tudo e qualquer juízo – isto é, toda e qualquer crítica – por uma observação objectiva. Quanto mais se é preciso e objectivo, mais aquilo que se diz é interpretado pelo outro como uma tentativa legítima de comunicação e não como uma crítica potencial.
O segundo princípio é evitar qualquer juízo sobre o outro a fim de nos concentramos inteiramente naquilo que sentimos. É a chave mestra da comunicação emocional. Se eu falar do que sinto, ninguém pode discutir comigo. Se eu disser: «Estás atrasado, mas que egoísta…» o outro só pode responder torto à minha afirmação. Em contrapartida, se eu disser: «Tínhamos ficado de nos encontrar às oito e são nove. É a segunda vez este mês; quando isto acontece sinto-me frustrada e às vezes até um pouco humilhada», ele não poderá pôr em causa os meus sentimentos. Estes pertencem-me totalmente !.
O esforço consiste em descrever a situação com frases que comecem por «eu» em vez de «tu» ou em vez de «o senhor ou a senhora». Ao falar de mim, e só de mim, já não estou a criticar o meu interlocutor, não o ataco, estou no campo da emoção e por conseguinte no campo da autenticidade e da abertura.
Se souber fazer as coisas e se for verdadeiramente honesto comigo próprio, sou até capaz de me tornar vulnerável indicando-lhe como ele me magoou. Vulnerável porque lhe terei desvendado uma das minhas fraquezas. Mas, a maior parte das vezes, é justamente esta candura que vai desarmar o adversário e dar-lhe vontade de cooperar – na medida em que também ele deseja preservar a nossa relação.
É ainda mais eficaz não só dizer o que se sente, mas também dar a conhecer ao outro a esperança partilhada que foi desiludida.
A Ficha dos Seis Pontos
Seis Pontos-chave de Abordagem Não Violenta (O.L.A. – C.E.E.)
A ficha de que me sirvo e costumo dar aos jovens médicos tem a seguinte sigla: «O.L.A. – C.E.E.». Estas iniciais resumem os seis pontos-chave de uma abordagem não violenta, que vos dá mais hipóteses de obterem o que desejam, quer seja em vossa casa, no emprego, com a polícia, e até com o mecânico da garagem. Vejamos o que significam estas iniciais:
O – Origem:
Em primeiro lugar, é preciso ter a certeza de que estamos de facto a dirigir-nos à pessoa que constitui a origem do problema e de que ela dispõe dos meios para resolvê-lo. Por mais que isto pareça evidente, em geral não costuma ser este o nosso primeiro reflexo. É preciso a pessoa dirigir-se à fonte do problema (não serve de nada queixar-se depois aos seus colegas ou à sua mãe).
L – Lugar e Momento:
É preciso que a discussão decorra num sítio protegido e privado, num momento propício (certificar-se da disponibilidade daquele a quem dirige a palavra). Geralmente, não é boa ideia enfrentar o agressor, mesmo que a nossa queixa seja não violenta. Também não se deve entabular essa conversa imediatamente, «a quente», nem quando ele se encontra numa situação de stress.
A – Abordagem Amigável:
Para sermos ouvidos, precisamos primeiro de ter a certeza de que vamos ser ouvidos. Haverá melhor maneira de falhar a nossa tentativa do que arvorar uma atitude agressiva ou um tom de voz demasiado peremptório ? como provou o Professor Gittman no seu Love Lab, se um dos protagonistas se sente agredido, tem tendência para se deixar «afogar» nas suas emoções antes mesmo que a conversa tenha tido início. O que fará com que tudo quanto venha a seguir seja completamente inútil.
Começar a conversa usando o nome da pessoa (técnica do «cocktail»). Somos mais receptivos ao nosso nome do que a qualquer outra palavra. O fenómeno do «cocktail» em que você está num cocktail, toda a gente fala à sua volta e pouco se ouve, eis que, de súbito, noutro grupo, alguém pronuncia o seu nome. Ouve-o e volta de imediato a cabeça. O seu nome: essa palavra, mais do que qualquer outra, parece feita de propósito para atrair a sua atenção.
Portanto, seja o que for que tenha a dizer a quem o ofendeu, comece por tratá-lo pelo nome, e a seguir diga qualquer coisa simpática, desde que seja verdade.
C – Comportamento Objectivo:
Refira o comportamento que motivou o descontentamento, limitando-se a uma descrição do que se passou e mais nada, sem a mínima alusão a um juízo moral.
E – Emoção:
A descrição dos factos deve ser imediatamente seguida da emoção sentida. Nesse momento é preciso não cair na ratoeira de falar na nossa fúria, que é muitas vezes a emoção mais manifesta. Fale de si próprio: «Sinto-me magoado» ou, «Considerei isto uma humilha
E – Esperança Desiludida:
Prosseguir mencionando a esperança desiludida, ou a necessidade que sentimos e que não foi satisfeita. «Preciso de me sentir ligado a ti, de sentir que sou importante para ti, mesmo quando estamos com amigos».
Eu sei perfeitamente que esta atitude tem qualquer coisa de surrealista, sobretudo quando há poucos modelos à nossa volta em que nos possamos inspirar. A pessoa pensa: «Pois, era bestial se eu conseguisse falar assim, se eu tivesse a coragem de falar assim. Mas é impossível».
O problema é contudo simples: só existem três maneiras de reagir numa situação de conflito: a «passividade», a reacção mais recorrente e menos satisfatória; a «agressividade» que também não é verdadeiramente mais eficaz e muitíssimo mais perigosa; ou então a «assertividade», isto é, a comunicação emocional não violenta.
O outro aspecto geralmente menosprezado na comunicação, quando ele é quase tão importante, é saber aproveitar as ocasiões de aprofundar a nossa relação com outrem. Uma das maneiras mais simples de conseguir isto, é saber estar totalmente presente quando ele (ou ela) sofre e precisa de nós. (Pág. 183)
13. Escutar Com O Coração
Melhorando a nossa capacidade de escutar – e portanto a nossa relação com os outros – isto permite que nos aproximemos das pessoas para nós mais importantes, dos nossos cônjuges, pais, filhos, de um modo nunca antes feito. Ora, ao proceder desse modo, ao aprofundar as nossas relações, também nos estamos a tratar a nós próprios.
As Perguntas QEOFE
A técnica resume-se a cinco perguntas sucessivas e rápidas. Um bom meio mnemotécnico para nos lembramos é fazer as «Perguntas QEOFE»:
Q – Que aconteceu?
Para se estabelecer uma relação com uma pessoa que sofre, é evidentemente preciso que ela relate em primeiro lugar o que lhe aconteceu na vida e que a magoou. É o que ela fará respondendo à pergunta: «Que aconteceu ?». Não é necessário entrar em detalhes, mas pelo contrário.
O que importa é ouvir a pessoa durante três minutos (não mais que este tempo, após o que a pessoa se começa a dispersar), interrompendo o mínimo possível. Se isto lhe parecer pouco, ficará sem dúvida surpreendido por saber que, em média, um médico interrompe o doente ao fim de dezoito segundos. Passados três minutos, se deixar o interlocutor perder-se em pormenores, arrisca-se a nunca alcançar o essencial. E o essencial no fundo, nunca são os factos, mas as emoções. É preciso passar rapidamente à segunda pergunta bem mais importante.
E - Emoção:
Rapidamente, a pergunta que deve fazer é: - «E que emoção sentiste?». Isto pode parecer-lhe muito mais supérfluo (mas não é).
O – O mais Difícil:
Trata-se de novo de uma pergunta que parece inconveniente, ou «indecente», tendo em conta o que quer dizer viver uma situação dessas. É contudo a mais eficaz das perguntas.
Perguntar: - «O que foi mais difícil para si?». A pergunta «O» é mágica porque na resposta será indicado em torno de quê, em quem se centram as emoções, focalizando o espírito de quem sofre.
F – Fazer Face:
Após ter permitido à emoção exprimir-se, é preciso aproveitar de seguida o facto da energia estar concentrada na origem principal do problema: - «O que o ajuda mais a fazer face ao problema?». Com esta pergunta, desvia-se a atenção da pessoa com quem estamos a falar para os recursos já existentes à sua volta e que a podem ajudar a enfrentar o problema, a recuperar. É preciso não subestimar a capacidade das pessoas para resolverem as situações mais difíceis. Aquilo que mais necessitam frequentemente, é que os ajudem a pôr-se de pé; não que lhe resolvam os problemas em seu lugar.
Todos nós temos dificuldades em compreender e em admitir que os homens e as mulheres que nos rodeiam são mais fortes, mais resistentes, do que geralmente se imagina. Que nós próprios somos mais fortes e mais resistentes do que julgamos. O que tive de ensinar com dificuldade aos meus alunos médicos, temos de aprendê-lo também nas nossas relações afectivas. Em vez de pensarmos «Não fiques assim», quando alguém exprime a sua emoção e a sua dor, devemos pensar: «Não faças nada! Continua assim!». Porque é de facto o papel mais benéfico que podemos desempenhar: continuar simplesmente ali a acompanhar, em vez de propor soluções atrás umas das outras ou passar a acarretar aos ombros problemas que não nos pertencem.
E – Empatia:
Para concluir a interacção, é sempre útil exprimir com palavras sinceras o que sentimos ao ouvir o outro, para lhe comunicar simplesmente que, durante alguns minutos, partilhámos o seu fardo. Exemplo: - «Deve ser duro para si» ou, «Lamento imenso o que aconteceu, também eu me senti desolado ao ouvi-lo».
As crianças que correm para a mãe quando fizeram «dói-dói» percebem isso muito bem, melhor que até alguns adultos.
É assim, nos intercâmbios bem sucedidos, mesmo quando estes não nos «curam» instantaneamente, que o nosso cérebro emocional se desenvolve; que ele se torna mais confiante na nossa capacidade em entrar em relação com os outros, e portanto em ser «acertado» por eles, como necessitamos. É essa confiança que nos protege da ansiedade e da depressão. (Pág.199)
14. A Relação Com os Outros
Se eu não tratar de mim, então quem é que trata?
E se eu só tratar de mim, então sou o quê?
E se eu não me preocupar com isso agora, preocupo-me quando?
Hillel – O Tratado dos Pais
O psicólogo humanista Abraham Maslow está na viragem do grande movimento de «desenvolvimento pessoal». No final do seu estudo sobre as pessoas felizes e psicologicamente equilibradas, concluía que o estado último do desenvolvimento pessoal é aquele em que o ser humano «actualizado» pode começar a voltar-se para ao outros. Ele falava mesmo da pessoa se tornar um «servidor», ao mesmo tempo que insistia na importância da realização pessoal: «A melhor maneira de nos tornarmos melhores servidores dos outros é tornarmo-nos nós próprios pessoas melhores. Mas para sermos pessoas melhores, é necessário servir os outros. É pois possível, necessário até, fazer as duas coisas simultaneamente».
Quando se mede a «coerência cardíaca» por meio do Computador, verifica-se que a maneira mais simples e mais rápida para que o corpo entre em coerência é fazer a experiência de sentimentos e de ternura para com outrem. Quando nos sentimos visceralmente, emocionalmente, em relação com aqueles que nos rodeiam, a nossa fisiologia entra espontaneamente em coerência. Simultaneamente, quando ajudamos a nossa fisiologia a entrar em coerência, abrimos a porta a novas maneiras de apreender o mundo à nossa volta. É a porta para a realização do eu. (Pág. 211)
quinta-feira, 8 de outubro de 2009
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Encontros Falhados (A Acupunctura)
O meu encontro com a acupunctura foi o primeiro encontro falhado, como o de dois amigos destinados a amar-se mas que não se apercebem disso nas primeiras vezes que se encontram.
Visitei o Instituto de Medicina Tibetana e conversei com um médico sobre a maneira como ele encarava a depressão e a ansiedade. «Vocês ocidentais têm uma visão ao contrário dos problemas emocionais» - disse-me ele. «Ficam surpreendidos por verificar que aquilo a que chamamos a depressão ou a ansiedade, e o stress têm sintomas físicos. Falam de cansaço, de perda ou de excesso de peso, do coração a bater de forma irregular, como se se tratasse de manifestação física de um problema mental. Para nós é o contrário: a tristeza, a perda de auto-estima, o sentimento de culpa, a ausência de prazer são manifestações mentais de um problema físico». Efectivamente, eu nunca tinha pensado nisto desta forma. Era tão plausível como a visão ocidental de depressão.
Ele continuou: «De facto, não é verdadeiramente nem uma coisa nem outra. Para nós não há diferença entre as duas. Os sintomas emocionais e físicos são apenas dois aspectos de um desequilíbrio subjacente na circulação de energia, o QI». Aí fiquei baralhado. Radicado desde sempre na tradição cartesiana que estabelece uma distinção muito nítida entre o «mental» e o «físico», ainda não estava preparado para falar de QI, nem imaginar «uma energia reguladora subjacente» que afectasse quer o físico, quer o mental. Sobretudo não podendo medi-la. Mas eu já não o estava a ouvir. Ele falava de medicação, de ervas e de agulhas: não estávamos no mesmo comprimento de onda. Foi o meu segundo encontro falhado. Mas que deixou um rasto na minha memória.
O terceiro teve lugar em Pittsburg, pouco tempo depois. Num sábado à tarde encontrei na rua uma doente que eu vira uma única vez na consulta do hospital. Ela tinha uma depressão bastante grave mas recusara os antidepressivos que eu lhe propusera. Mas com tínhamos tido um bom contacto, perguntei-lhe como se sentia, se estava melhor. Olhou para mim sorrindo, não sabendo se podia falar comigo com franqueza ou não, e acabou por me dizer que tinha escolhido ver uma acupunctora que a tinha posto boa nalgumas sessões ao longo de quatro semanas e que estava agora em plena forma.
Um pouco vexado, confesso, por um tratamento diferente daquele em que sou especialista ter sido mais útil – decidi informar-me sobre o que se sabia a respeito da prática de acupunctura. O que vim a saber ainda agora me deixa confuso pela extensão das consequências na natureza do corpo e do cérebro.
A Palavra da Ciência
Em primeiro lugar, com cinco mil anos de história comprovada, a acupunctura é provavelmente a mais velha técnica médica praticada de forma contínua no planeta.
Enfim, encontram-se na literatura científica internacional estudos que confirmam a eficácia da acupunctura em relação a toda uma gama de problemas, como a depressão, a ansiedade, a insónia, mas também a perturbação intestinal, a infertilidade feminina e, até um estudo do Journal of the American Medical Association a mostrar que é possível virar um feto no ventre materno quando ele se encontra sentado, com uma taxa de êxito de oitenta por cento.
A Acupunctura e o Cérebro
Os acupunctores, tanto ocidentais como asiáticos, sabem perfeitamente que a sua arte é particularmente útil para o alívio do stress, da ansiedade e da depressão. A estimulação da superfície da pele, como o EMDR quando nos servimos da pele e não dos movimentos oculares, parece pois capaz de «falar» muito directamente com o cérebro emocional e agir sobre ele.
Diversos estudos controlados demonstram os benefícios da acupunctura no controlo da dor pós-operatória. Em média, uma sessão diária de acupunctura nos primeiros dias a seguir à operação permite reduzir as doses de narcóticos para um terço das doses habituais e portanto limitar consideravelmente os efeitos secundários.
A acupunctura é apenas um dos três pilares da medicina tradicional chinesa. Os outros dois são, por um lado, o controlo da fisiologia através da atitude mental – quer seja a meditação ou os exercícios de coerência cardíaca já referidos – e, por outro, a nutrição. Para os praticantes desta medicina, cuja sabedoria se vai tornando cada vez mais clara aos olhos do ocidente, não teria qualquer sentido utilizar a acupunctura ou cultivar o equilíbrio mental e fisiológico sem prestar uma atenção especial aos constituintes que renovam constantemente o nosso corpo, isto é, os alimentos que ingerimos.
9. A revolução dos Ómega-3. Como Alimentar o Cérebro Emocional
Um Nascimento Triste
Patrícia tinha trinta anos quando nasceu o seu segundo filho, um ano depois do primeiro. Jacques, o companheiro estava feliz e orgulhoso. Aquele ano com o primeiro filho tinha sido uma sucessão de momentos felizes diários e ambos tinham desejado ardentemente este Paul que vinha completar a jovem família. Mas Jacques estava admirado: Patrícia não parecia lá muito feliz. Tinha mesmo um ar acabrunhado. Prestava pouca atenção a Paul, queria que a deixasse sozinha, enervava-se facilmente, chorava por vezes sem razão. Mesmo a amamentação que ela tanto apreciara com o primeiro bebé, parecia-lhe agora um frete.
Como cerca de uma em cada dez jovens mães, Patrícia sofria de baby blues, tanto mais embaraçante quanto esta tristeza substitui a alegria que envolve habitualmente o nascimento de um novo ser proveniente da própria carne. Como o bebé era esplêndido, tudo corria bem no casal e o restaurante de Jacques tinha cada vez mais sucesso, nem ele nem Patrícia conseguiam perceber aquela tristeza repentina. Os médicos tinham tentado tranquilizá-los falando-lhes das «alterações das hormonas» que acompanham a gravidez e sobretudo o parto, mas isso não lhes tinha proporcionado grande alívio.
Há uma dezena de anos que existem novas perspectivas a propósito do problema de Patrícia: esta vivia em Nova Iorque, uma cidade onde o consumo diário de um dos alimentos mais importantes para o cérebro, os ácidos gordos essenciais ditos «ómega-3», é particularmente baixo, aliás como em França e na Alemanha. Estes ácidos gordos que o corpo não pode fabricar (daí o termo «essenciais») são tão cruciais para a construção e o equilíbrio do cérebro que o feto absorve-os prioritariamente através da placenta. Por essa razão, as reservas da mãe, já fracas na nossa sociedade ocidental, caem dramaticamente nas últimas semanas de gravidez. Após o nascimento, os ómega-3 continuam a ser passados em prioridade ao bebé no leite materno de que são um dos constituintes mais importantes. O que agrava ainda mais o défice da mãe. Se um segundo nascimento segue de perto o primeiro, como neste caso, e se entretanto a sua alimentação continua pobre em peixe e em crustáceos, a fonte principal desses ácidos gordos, a perda do ómega-3 depois da segunda gravidez é tal que o risco de depressão para a mãe se torna grande. Segundo o Lancet estes números correspondem à diferença entre estes países no que se refere ao consumo de peixe e de crustáceos e não podem ser explicados pela simples tendência dos asiáticos para esconder os sintomas de depressão. Se Jacques e Patrícia se tivesse instalado na Ásia em vez da América, ela talvez não tivesse vivido o segundo parto da mesma forma… É indispensável compreender porquê.
O Óleo Que Faz Funcionar o Cérebro
O cérebro faz parte do corpo. Como as células de todos os outros órgãos, as do cérebro renovam os seus constituintes em permanência. As células de amanhã são pois feitas do que comemos hoje. Ora, dois terços do cérebro é constituído por ácidos gordos. Estes são os constituintes de base da membrana das células nervosas, o seu «envelope», através do qual se efectuam todas as comunicações entre todas as células do cérebro e do corpo. O que comemos é directamente integrado nessas membranas e forma a trama destas. Se consumimos sobretudo gorduras «saturadas» - aquelas que, como a manteiga ou a gordura animal, são sólidas à temperatura ambiente -, a sua rigidez reflecte-se numa rigidez das células do cérebro. Se, pelo contrário, comemos sobretudo gorduras «polinsaturadas» - que são líquidas à temperatura ambiente -, os invólucros das células do cérebro são mais fluidos, mais flexíveis, e a comunicação entre elas faz-se de forma mais estável sobretudo quando se trata de ácidos gordos Ómega-3.
Os efeitos no comportamento não são subtis. Quando se suprimem os Ómegas-3 da alimentação dos ratos do laboratório, o comportamento destes muda completamente em poucas semanas: tornam-se ansiosos, deixam de aprender novas tarefas e entram em pânico em situações de stress. Talvez mais grave ainda, uma alimentação pobre em Ómega-3 reduz a experiência do prazer.
Ao invés, uma equipa de investigadores franceses demonstrou que um regime rico em Ómega-3 – como o dos esquimós, que chegam a assimilar 16 gramas por dia de óleo de peixe – aumenta, a longo prazo, a produção dos neurotransmissores da energia e da boa disposição no cérebro emocional (trata-se sobretudo da «dopamina», que é o neurotransmissor responsável pelos efeitos energizantes e euforizantes das anfetaminas e da cocaína).
O feto e o recém-nascido, cujo cérebro está em pleno desenvolvimento, têm a maior necessidade de Ácidos Ómega-3 (estudos Dinamarqueses demonstram que as crianças alimentadas ao peito da mãe, pelo menos nos nove meses a seguir ao parto - têm qualidades intelectuais superiores às outras, 20 e 30 anos mais tarde).
A Dieta dos Primeiros Homens
Segundo diversos investigadores, para compreender o misterioso efeito dos Ómega 3 no cérebro e na disposição, é preciso ir às origens da humanidade.
Ácidos Gordos Essenciais
Há dois tipos de ácidos gordos essenciais: os Ómega 3 que estão contidos nas algas e em algumas plantas terrestres entre as quais a erva - e os Ómega 6, que se encontra em quase todos os óleos vegetais e na carne. Se bem que importantes para o organismo, os Ómega 6 não têm as mesmas propriedades benéficas para o cérebro.
O excesso de Ómega 6 no organismo produz reacções de oxidação e induz respostas inflamatórias um pouco por todo o corpo. Todas as grandes doenças crónicas em plena expansão no mundo ocidental são agravadas por essas reacções inflamatórias: as doenças cárdio-vasculares – como os enfartes e os acidentes vasculares cerebrais – mas também o cancro, a artrite e até mesmo a doença de Azheimer.
Os Ómega 3 têm efeitos benéficos muito importantes nas afecções cardíacas conhecidas há mais tempo do que os resultados no campo da depressão. Diversos estudos provam também que um dos efeitos do Ómega 3 no coração é reforçar a variabilidade do ritmo cardíaco e protegê-lo das arritmias. Como o reforço da variabilidade do ritmo cardíaco protege da depressão, é pois lógico pensar que a depressão e as doenças cardíacas evoluam da mesma maneira nas sociedades que consomem poucos ácidos gordos de peixe na alimentação quotidiana.
Os estudos recentes mostram que toda a gama dos sintomas de depressão pode ser melhorada pelos ácidos gordos Ómega 3: tanto a tristeza como a falta de energia, a ansiedade e a insónia, a baixa da libido, bem como as tendências suicidas. Provavelmente, será necessário esperar vários anos antes que um número suficiente de estudos deste tipo seja realizado. Com efeito, os ácidos gordos Ómega 3 sendo um produto da Natureza, não é possível registar-lhes a patente. Não interessam às grandes companhias farmacêuticas que financiam a maioria dos estudos sobre a depressão.
Para alcançar a verdadeira paz interior, é muitas vezes essencial encontrar um sentido mais profundo no papel que desempenhamos na nossa comunidade, fora da nossa família imediata. Aqueles que têm a sorte de descobrir essa fonte de sentido são em geral propulsados mais longe do que um simples regresso ao bem-estar: têm a sensação de retirar a energia daquilo que dá sentido à própria vida.
Flutuamos ao sabor da existência, tropeçamos em desconhecidos que estão tão desorientados como nós, enveredamos por escolhas arbitrárias que determinam o curso da nossa vida, e acabamos por morrer sem ter tido tempo de compreender o que deveríamos ter feito de outro modo...
Onde Encontrar os Ácidos Gordos essenciais do Tipo Ómega 3 ?
As principais fontes de ácidos gordos essenciais Ómega 3, são as algas e o plâncton. Estes chegam até nós por intermédio dos peixes e dos crustáceos que os acumulam nos seus tecidos gordos. São sobretudo os peixes de água fria – mais ricos em gordura – a melhor fonte de Ómega 3: o salmão selvagem, as cavalas, as anchovas (inteiras), as sardinhas e os arenques. Outros peixes ricos em Ómega 3 são o atum e a truta – 100g de cavala contêm 2,5g de Ómega 3; 100g de arenque, 1,7g; 100g de atum (mesmo em lata) 1,5g (desde que lhe não tenha sido retirada a gordura); 100g de anchovas inteiras 1,5g; 100g de salmão 1,4g; 100g de sardinha 1g.
Existem também fontes vegetais de Ómega 3, mas estas necessitam de uma etapa suplementar no metabolismo para serem transformadas nos ácidos gordos que são os constituintes das membranas neuronais. Trata-se das sementes de linhaça (uma colher de sopa contém 2,8g – e pode ser comida tal e qual, ou sob a forma de azeite – uma colher de sopa 7,5g); do óleo de colza (uma colher de sopa 2,5g); do óleo de cânhamo, das nozes (2,3g em 100g).
Todos os legumes verdes contêm o percursor dos ácidos gordos Ómega 3, se bem que em menos quantidade. As fontes mais ricas são as folhas de beldroega, os espinafres, as algas marinhas e a espirulina (um elemento tradicional dos Aztecas). A caça, como o cabrito montês ou o javali é a mais rica em Ómega 3.
Todos os óleos vegetais são ricos em Ómega 6 e não contêm Ómega 3, excepto os atrás indicados, sendo particularmente indispensável eliminar o óleo de fritar que, além disso, pelos radicais livres que liberta, é particularmente oxidante para os tecidos.
A manteiga, as natas e os lacticínios não desnatados são ricos em ácidos gordos saturados e devem pois ser consumidos com moderação porque limitam a integração dos ácidos gordos Ómega 3 nas células.
O queijo e os iogurtes, mesmo fabricados a partir do leite completo, são menos nocivos que os outros produtos leiteiros: o alto teor em cálcio e em magnésio reduz a absorção dos ácidos gordos saturados pelo organismo.
Na prática, para estar seguro de receber uma quantidade suficiente de Ómega 3 da maior pureza e qualidade, é muitas vezes mais prático tomá-lo sob a forma de suplemento alimentar. Os estudos existentes sugerem que, para obter um efeito antidepressivo, é preciso consumir entre 2 a 3 gramas por dia de uma mistura de dois ácidos de peixe: o ácido eicosopentaenóico (EPA) e o ácido docosahexainóico (DHA).
Os melhores produtos parecem ser os que contêm a mais alta concentração de EPA em relação ao DHA.
É preferível escolher um produto que contenha também um pouco de Vitamina E para proteger o óleo de uma oxidação, sempre possível, que o tornaria mais ineficaz, e até mesmo nocivo. Vários autores recomendam que se combine a ingestão de óleo de peixe com um suplemento vitamínico que associe a Vitamina E (800 UI por dia), a Vitamina C (1 grama por dia); e o Selénio (200 gramas por dia), para evitar a oxidação dos Ómega 3 no interior do organismo. A ingestão diária de Vitaminas (particularmente B, E, C e D), reduz o risco de todo um conjunto de doenças crónicas e doenças graves.
Curiosamente, os óleos de peixe não só não fazem engordar, como até fazem emagrecer. Num estudo feito com ratos, os que tinham uma dieta rica em Ómega 3 eram 25% mais magros dos que comiam exactamente a mesma quantidade de calorias, mas sem Ómega 3.
Já há 2400 anos Hipócrates dizia: «Deixa a tua alimentação ser o teu remédio e o teu remédio a tua alimentação».
Mas há outra porta de entrada no cérebro emocional que passa inteiramente pelo corpo. Reconhecida, também ela, desde Hipócrates, esta é tão desprezada quanto a nutrição no Ocidente. Trata-se do exercício físico. Mesmo que, em pequenas doses. (Página 151)
10. Prozac ou Adidas ?
Uma em cada cinco pessoas vítima do ataque de ansiedade, ou antes de «pânico», é vista pela primeira vez nas urgências de um Hospital (e quase metade delas chegam lá de ambulância).
O exercício é um tratamento notável da ansiedade. Na Universidade de Miami, a Drª la Perriére debruçou-se sobre o efeito protector do exercício nas situações difíceis. Escolheu um dos momentos mais difíceis da existência: aquele em que é anunciado à pessoa que é seropositiva no que se refere ao vírus da Sida. Na altura em que ela efectuou o estudo, esse diagnóstico equivalia a uma sentença de morte. O que ela constatou foi que os pacientes que faziam exercício regularmente pelo menos há cinco semanas pareciam «protegidos» do medo e do desespero. Além disso, o sistema imunitário, o qual se vai abaixo muitas vezes nos momentos de stress, resistia melhor, também ele, a essa terrível notícia. As células «natural killer» (NK, «as assassinas naturais») são a primeira linha de defesa do organismo, tanto contra as invasões exteriores – como o vírus da Sida – como contra a proliferação de células cancerosas. São muito sensíveis às emoções. Quanto mais nos sentimos bem, mais elas efectuam o seu trabalho com energia. Em contrapartida, nos períodos de stress e de depressão, elas têm tendência para se desactivarem ou para cessarem de se multiplicar.
Estimular o Prazer
Não é preciso ser jovem nem estar de boa saúde para tirar partido do exercício físico. Para pacientes deprimidos entre os 50 e os 77 anos, o simples facto de efectuar 30 minutos de marcha viva, sem correr, três vezes por semana, produzia ao fim de quatro meses exactamente o mesmo efeito que a ingestão de um antidepressivo. A única diferença era que o antidepressivo aliviava os sintomas um pouco mais depressa mas não em maior profundidade.
Por que vias misteriosas o exercício tem um impacto no cérebro emocional? Há, em primeiro lugar, é claro, os efeitos das endorfinas. Trata-se de pequenas moléculas segregadas pelo cérebro e que se parecem muito com o ópio e seus derivados, como a morfina e a heroína.
O cérebro emocional contém múltiplos receptores de endorfina, e essa é a razão de ele ser tão sensível ao ópio, que produz imediatamente uma sensação difusa de bem-estar e de satisfação.
Porém, quando se usa demasiado frequentemente, os derivados do ópio acarretam uma «habituação» por parte dos receptores do cérebro. Nessa altura é preciso aumentar a dose para se obter o mesmo efeito.
É o inverso que se passa com a secreção de endorfinas induzida pelo exercício físico. Quanto mais o mecanismo do prazer é assim estimulado, suavemente, mais ele parece tornar-se sensível. E as pessoas que praticam regularmente exercício têm mais prazer com as pequenas coisas da vida: os amigos, o gato, as refeições, as leituras, o sorriso de alguém a passar na rua. É como se fosse fácil para elas estarem satisfeitas.
Ou, ter prazer é exactamente o contrário da depressão, a qual se define antes de mais pela ausência de prazer, muito mais do que pela tristeza. É sem dúvida por esta razão que a libertação de endorfinas tem um efeito antidepressivo e ansiolítico tão pronunciado.
Quando se estimula desta forma, por vias naturais, o cérebro emocional, isso estimula igualmente a actividade do sistema imunitário, favorecendo a proliferação das células «natural killer», tornando-as mais agressivas contra as infecções e as células cancerosas.
O outro mecanismo possível é igualmente intrigante e prende-se com o que vimos a propósito do ritmo cardíaco: as pessoas que fazem exercício físico regularmente têm uma maior variabilidade do ritmo cardíaco e mais coerência que os sedentários o que quer dizer que o seu sistema «parassimpático», o «travão» fisiológico, que induz períodos de calma é mais são e mais forte. Um bom equilíbrio dos dois ramos do sistema nervoso autónomo é um dos melhores antídotos que há contra a ansiedade e os ataques de pânico. Todos os sintomas de ansiedade têm a sua origem numa actividade excessiva do sistema simpático: boca seca, aceleração do coração, suores, tremores, aumento de tensão arterial, etc. como os sistemas «simpático» e «parassimpático» estão sempre em oposição, quanto mais se estimula o «parassimpático», mais este se reforça como um músculo que se desenvolve, e bloqueia simplesmente as manifestações de ansiedade.
As Chaves do Sucesso
Em primeiro lugar é preciso saber que não é preciso fazer muito exercício. O importante é que seja regular. Segundo os diversos estudos, a quantidade mínima a ter efeito no cérebro emocional é de 20 minutos de exercícios três vezes por semana. Quanto ao esforço, basta que este se mantenha no limiar em que ainda se pode falar sem se poder cantar. É preciso começar devagar e deixar o corpo conduzir-nos. Um bom filme tem um efeito hipnótico que nos faz esquecer o tempo que passa.
Quer seja a coerência do ritmo cardíaco, o EMDR, a simulação da aurora, a acupunctura, a nutrição, ou o exercício, todos estes métodos tomam o indivíduo como medida e como alvo. Porém, o cérebro emocional não tem apenas o papel de controlar a fisiologia interior do corpo. A sua outra função, não menos importante, é vigiar o equilíbrio dos nossos relacionamentos afectivos e assegurar que temos sempre lugar no grupo, na tribo, ou na família. A ansiedade e a depressão são muitas vezes sinais de angústia que o cérebro emocional emite quando detecta uma ameaça ao nosso equilíbrio social. Para acalmar e viver em harmonia com ele, é preciso gerir com a maior elegância os nossos relacionamentos com outrem. De facto, basta utilizar alguns princípios da higiene afectiva. São tão simples e eficazes como geralmente são ignorados. (Página 167)