segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Diálogo Com a Morte


«Os que vão morrer ensinam-nos a viver»

A morte foi sempre um tema que, não sei bem porquê, desde muito jovem, me fascinou.
Tendo lido recentemente o livro «Diálogo Com a Morte», onde a sua autora Maria de Hennezel, de nacionalidade francesa, procura transmitir-nos a sua mensagem de que «Os que vão morrer ensinam-nos a viver», acicatou ainda mais o meu interesse por este assunto. Em boa hora, diga-se, o fiz, pela relação que o mesmo tem com a minha actual função no Hospital Garcia de Orta e pelos conhecimentos que me permitiu adquirir sobre este assunto tão importante.
Foi assim que, após a sua leitura e uma reflexão sobre as mui importantes ideias e conceitos nele expostos, achei que deveria partilhá-los, ainda que num breve resumo, fazendo dele a minha base de trabalho que entretanto me foi requerido...
Aponta a autora como razão principal que a levou a escrever este livro, fruto da sua experiência como psicóloga junto dos doentes terminais que, «a sociedade ocidental precisa de rever as suas atitudes perante a morte, abandonando o medo e aceitando-a como uma fase do processo de vida».
É na verdade muito importante respeitar a dignidade daqueles que se aproximam da morte, fazendo-os sentir seres humanos até ao fim, evitando que, por desespero, «queiram abreviar os últimos momentos que têm para partilhar a sua experiência e exigir um encontro significativo com o outro».
Questões muito importantes se levantaram então na minha mente:
·É a forma de relacionamento com os que vão partir importante?
·Que dizer?
·Como escutar?
·Que transformações profundas nos ocorrem na eminência da morte?
·Durante a nossa última caminhada espiritual deve-se recorrer a mentiras piedosas?
·A morte é triste?
·Como morrer?

Medito e questiono-me:
- Porque vivemos num mundo aterrado por estas interrogações, e que lhe vira as costas? Com que medo ou receio? Se é um facto reconhecido que, antes da nossa, houveram civilizações que encararam a morte de frente, traçando para a comunidade e para cada um caminho de passagem?!
Nunca, no meu entender, a relação com a morte terá sido tão pobre como nestes tempos de aridez espiritual em que os homens, na pressa de existir, parecem sofismar o mistério, ignorando que desse modo, secam uma fonte essencial do gosto de viver. Pois se até é a única certeza que temos!...
Embarcar nesta aventura quotidiana da descoberta do outro, o compromisso do amor e da compaixão, a coragem dos gestos de ternura para com esses corpos alterados (como amanhã serão os nossos), nesse poder de eliminar a angústia, de instaurar a paz, sobre a transformação profunda que se observa em certos seres à beira da morte, é na verdade, uma tarefa gigantesca!
É nesse momento de maior solidão, em que o corpo se encontra debruçado à beira do infinito, que se estabelece um outro tempo fora das medidas habituais. Por vezes, no espaço de dias, graças à ajuda de uma presença que permite que o desespero e a dor se exprimam, os doentes entendem a sua própria vida, apropriam-se dela, manifestam a sua verdade. Descobrem a liberdade de aderir a si próprios. É como se, na altura em que tudo finda, tudo se libertasse por fim, do amontoado das penas e das ilusões que impedem de nos pertencermos. O mistério de existir e de morrer não fica de modo algum esclarecido, mas é plenamente vida.
E outras perguntas me ocorrem à mente:
* Será que a proximidade da morte pode fazer com que uma pessoa se torne naquilo para que foi chamada a ser, isto é, uma realização?
* Não haverá no homem uma parte de eternidade, algo que a morte gera, faz nascer algures?
Quando, com a certa altura nos é referido pela autora, um doente, no seu lado de paralítico, imobilizado, nos transmite a sua «última mensagem» dizendo: «Não creio nem num Deus de justiça, nem num Deus de amor. É demasiado humano para ser verdadeiro. Que falta de imaginação! Mas isso não me leva a crer que sejamos apenas reduzíveis a uma faixa de átomos. O que implica que existe algo além da matéria, chamemos-lhe alma ou espírito ou consciência, o que se quiser. Eu creio nessa eternidade. Reencarnação ou o acesso a um outro nível totalmente diferente…

Quem morrer verá!» - que lição procura deixar-nos?


Que sente o corpo dominado pelo espírito, a angústia vencida pela confiança, a plenitude do destino cumprido?


Que bela lição de vida! Que fortíssima densidade humana está nele contida!
Como morrer?

Se existe uma resposta, poucos testemunhos a poderão inspirar com tanta energia como os que encontrei descritos nesta obra. A morte não deve ser escondida, como se fosse vergonhosa e suja. Vemos nela apenas horror, absurdo, sofrimento inútil e penoso, o que no meu entender é um erro. Deixo à vossa reflexão.


Anabela Moisaão - Ano 2005

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