sábado, 26 de setembro de 2009

A «Flor do Campo»...


- Uma flor que abriu em Maio
Se bem abriu, bem fechou...
Uma flor que eu tanto amava
gabou-se que me deixou... –



Era uma dessas manhãs ridentes de Maio, sem que uma aragem suava fizesse tremular a leve folha do álamo. O sol parecia querer mostrar toda a beleza do seu fulgor, mas não tinha forças para rasgar essa cortina feita de trevas, que lentamente se dissipava... Tudo era lindo ! A opulenta Primavera, a mais linda estação do ano, abria as portas do seu guarda roupa, e mostrava-me as mais variadas cores do seu vestido. Após uma leve refeição, pus-me à janela, seguindo com o olhar a maravilhosa Natureza que ali se me oferecia.
O movimento campesino veio despertar-me da letargia em que estava mergulhado; de vez em quando, fazia-se ouvir o latido dos cães nos casais vizinhos, e chegava até mim a saudade, a dor e o remorso...
Um jacto passou bem alto, desenhando no espaço, uma das letras alfabéticas: - um «M».
A mais cruciante dor me cobriu de tristeza, e nos meus olhos apareceram duas lágrimas, que encerravam um passado bem triste: Maria !
Conheci-a no campo, quando ela pura e linda como a luz deste alvor que acabo de contemplar.
Vinha do moinho quando passei por ela, de cartucheira na cinta, e a arma pronta a alvejar qualquer peça de caça que me aparecesse.
Sorrimos os dois, e após um galanteio trocámos algumas palavras de amor, desse amor tão puro como a pureza da alma dessa mulher.
Todos os dias continuava a minha ronda, fingindo caçar e não mais abandonei aquele moinho que me parecia uma sentinela vigilante do nosso amor...

Um dia, no cimo de um outeiro, beijámo-nos pela primeira vez, para que a verdejante campina fosse a verdadeira testemunha do nosso primeiro beijo, e dentre a inúmera quantidade de flores, só os malmequeres pareciam dizer qualquer coisa:
Malmequer criado no campo
delírio da mocidade...
Pelas tuas brancas folhas
malmequer diz-me a verdade...

A continuação dos nossos encontros, fazia nascer dentro dos nossos peitos um amor de Romeu e Julieta, e toda a minha ambição era entrar no moinho.
Certo dia, entrei: Sim, entrei, mas antes o moinho tivesse caído, para matar a peçonha deste grande pecador.
Desse encontro de amor, nasceu o fruto do pecado: uma filha – « A Flor do Campo ».

Um dia a Pátria chamou-me para cumprir o meu dever, e as terras de além-mar, aguardavam com ansiedade os soldados vigilantes.
Depressa me esqueci dessa linda camponesa que se deixou morrer vendo no seu sedutor o maior dos traidores...

Outra mulher veio ocupar no meu coração, o lugar daquela que tinha ficado no moinho, acariciando o fruto do seu puro amor, e duma vil traição.
Alguns meses depois, recebo uma carta de Maria, dizendo:

Luis

São estas as últimas linhas que te escrevo; sinto que a morte se aproxima a passos gigantescos ! Nada quero de ti, como nada me poderias já fazer. Não quero partir para a minha última viagem, sem te pedir que não vejas na minha filha, a filha de uma mulher qualquer. Por mim estás perdoado de todo o mal que me fizeste, mas peço-te que veles pela nossa filha, que lhe dês um nome digno dela, e que sejas melhor para ela do que fostes para mim. Vela por essa inocente, que eu morro confiando no meu pedido.
Maria

Agora, sempre que a Primavera volta, eu choro baixinho... enquanto vou entoando a moda com que eu a costumava enlevar:

Com que letra se escreve... Maria
Com que letra se escreve gratidão
Com que letra se escreve lealdade
Com que letra se escreve...coração...


Luis – 2001-04-04

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