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O Fluxo e o Sorriso de Buda
Para se viver em harmonia na convivência dos homens, é preciso alcançar e manter um equilíbrio entre as nossas reacções emocionais imediatas – instintivas – e as respostas racionais que preservam os laços sociais de longa data...
Curiosamente há uma marca fisiológica muito simples dessa harmonia cerebral cujos fundamentos biológicos Darwin estudou há mais de um século: o sorriso. Um sorriso «falso» - aquele a que nos obrigam por razões de ordem social - mobiliza apenas os músculos zigomáticos do rosto, aqueles que, arrepanhando os lábios, deixam ver os dentes. Um sorriso «verdadeiro», em compensação, mobiliza além disso os músculos à volta dos olhos. Ora estes não podem ser contraídos voluntariamente, isto é, por meio do cérebro cognitivo. A ordem tem de vir das regiões límbicas, primitivas e profundas. É por isso que os olhos não mentem nunca: é o franzir deles que atesta ou não a autenticidade de um sorriso. Um sorriso caloroso, um sorriso verdadeiro, faz-nos compreender intuitivamente que o nosso interlocutor está, nesse preciso momento, num estado de harmonia entre o que ele pensa e o que ele sente, entre cognição e emoção. O cérebro tem uma capacidade inata para alcançar o estado de fluxo. O seu símbolo mais universal é o sorriso no rosto de Buda.
Nota: na figura acima poderemos ver: As quatro câmaras (dois ventrículos e dois átrios) do coração humano.
3. O Coração e a Razão
«Adeus, disse a raposa. Eis o meu segredo.
É muito simples: só se vê bem com o coração.
O essencial é invisível aos olhos»
Antoine de Saint Exupery – Le Petit Prince
Quem não ouviu falar de um vizinho de idade que morre alguns meses depois da mulher ? ou de um tio-avô que morre após a morte do filho? A sabedoria popular diz que eles ficaram «com o coração partido». Durante muito tempo a ciência médica tratou este tipo de incidentes com desprezo, pondo-os na conta de simples coincidências. É apenas desde há cerca de vinte anos que várias equipas de cardiologistas e psiquiatras se têm debruçado sobre estas «histórias». Descobriram que o stress é um factor de risco mais importante do que o tabaco no que refere às doenças de coração. Também se ficou a saber que uma depressão na sequência de um enfarte anuncia a morte do doente nos seis meses seguintes com mais precisão do que qualquer outra medição da função cardíaca.
Quando o cérebro emocional se desregula, o coração sofre e acaba por se cansar. Mas a descoberta mais espantosa é que esta relação é recíproca. A cada instante, o equilíbrio do nosso coração, influencia o nosso cérebro. Certos cardiologistas e neurologistas chegam mesmo a falar de um «sistema coração - cérebro» indissociável.
Se existisse um medicamento capaz de harmonizar esta relação íntima entre o coração e o cérebro, ele teria efeitos benéficos na totalidade do organismo. Atrasando o envelhecimento, reduziria o stress e o cansaço, estrangularia a ansiedade e manter-nos-ia ao abrigo da depressão; de noite ajudar-nos-ia a dormir melhor, e, de dia, a funcionar o melhor possível com a nossa capacidade de concentração e de precisão. Sobretudo, equilibrando a relação entre o cérebro e o corpo, permitir-nos-ia estabelecer mais facilmente este estado de «fluxo» sinónimo de bem-estar. Seria um anti-hipertensor, um ansiolítico e um anti-depressivo, «tudo num só». Se existisse, nem um só médico deixaria de receitar um medicamento destes. Como o flúor para os dentes, talvez os governos acabassem até por pô-lo na água.
Infelizmente este remédio milagroso não existe. Em contrapartida, dispomos desde há algum tempo de um método simples e eficaz, que parece criar, precisamente, as condições de harmonia entre o coração e o cérebro. Apesar deste método ser de invenção recente, diversos estudos mostraram já os seus efeitos benéficos no corpo e nas emoções daqueles que o dominam, incluindo um rejuvenescimento da sua fisiologia. Para compreender como é possível, temos de analisar em primeiro lugar com brevidade o funcionamento do sistema coração – cérebro.
O Coração das Emoções
Sentimos as emoções no corpo, não na cabeça: isto, pelo menos, parece consensual. Não se diz, com efeito, que temos «o medo na barriga» ou o «coração leve»? seria errado ver nestas expressões simples figuras de estilo. Tratam-se de representações bastante precisas do que sentimos quando nos encontramos em diferentes estados emocionais. De facto, só há pouco tempo se sabe que os intestinos e o coração tem as suas próprias redes com algumas dezenas de milhares de neurónios que são como «pequenos cérebros» no interior do corpo. Estes cérebros locais são capazes de ter as suas próprias percepções, de modificar o seu comportamento em função delas, e até de se transformar na sequência das suas experiências, isto é, de certa forma, de formar as suas próprias recordações.
Além de dispor de uma rede própria de memórias semi-autónomas, o coração é também uma pequena fábrica de hormonas. Ele segrega a sua própria reserva de adrenalina, que liberta quando precisa de funcionar no máximo das suas capacidades. Segrega também e controla a libertação de outra hormona, o ANF, que regula a tensão arterial. E segrega enfim, a sua própria reserva de ocitocina - a hormona do amor -, (produzida pela «glândula Pituitária ou hipófise»,- ligada ao «hipotálamo» - que também provoca as contracções do útero durante o parto e estimula a secreção do leite no período de amamentação). Esta é libertada no sangue, por exemplo, quando uma mãe amamenta o filho, quando dois seres namoram, e durante o orgasmo. Estas hormonas actuam todas directamente no cérebro. Enfim, o coração faz com que a totalidade do organismo participe nas variações do seu vasto campo electromagnético, que pode ser detectado a vários metros do corpo, mas cuja significação ainda se desconhece. Como se vê, a importância do coração na linguagem das emoções não é apenas uma imagem. O coração vê e sente. Quando se exprime, influencia a fisiologia do nosso organismo a começar pelo cérebro. A relação entre o cérebro emocional e o «pequeno cérebro» do coração é uma das chaves da inteligência emocional. Ao aprendermos literalmente a controlar o nosso coração, aprendemos a domesticar o nosso cérebro emocional, e vice-versa. Porque a relação mais forte entre o coração e o cérebro emocional é aquela que é estabelecida pelo chamado «sistema nervoso periférico autónomo», isto é, a parte do sistema nervoso que regula o funcionamento de todos os nossos órgãos, o qual escapa tanto a uma vontade como a nossa consciência.
O sistema nervoso autónomo é constituído por dois ramos que inervam (acção das actividades dos nervos nas funções orgânicas) cada um dos órgãos do corpo a partir do cérebro emocional. Ora no dito «simpático» (termo que vem do latim e que quer dizer «estar em relação», porque os ramos destes nervos estão em relação com a medula espinhal ao longo da coluna vertebral), liberta adrenalina e noradrenalina. É ele que controla as reacções de combate e fuga. A sua actividade acelera o ritmo cardíaco. O outro ramo, dito «parassimpático», liberta um neurotransmissor diferente que acompanha os estados de relaxação e de tranquilidade (o neurotransmissor do sistema parassimpático é o acetilcolino). A sua actividade faz o coração bater mais devagar. Mas o coração não se contenta em sofrer a influência do sistema nervoso central: ele envia para a base do crânio fibras nervosas que controlam a actividade do cérebro. Além da via hormonal, da tensão arterial e do campo magnético do nosso corpo, o pequeno cérebro do coração pode pois agir no cérebro emocional através de conexões nervosas directas. E quando o coração se desregula, arrasta consigo o cérebro emocional.
O reflexo directo deste vai-vem entre o cérebro emocional e o coração é a variabilidade normal das batidas do coração. Uma vez que os dois ramos do sistema nervoso autónomo não estão sempre em equilíbrio, estão constantemente a acelerar e a desacelerar o coração. Assim, o intervalo entre duas pulsações sucessivas nunca é idêntico. Esta variabilidade é em si mesma muito saudável dado que é sinal de bom funcionamento do travão e do acelerador, e por conseguinte de toda a nossa fisiologia.
Nada tem a ver com as arritmias de que sofrem alguns doentes. Os súbitos galopes de «taquicardia» (essas acelerações brutais do coração que duram vários minutos) ou os que acompanham as crises de ansiedade, são sintomas de uma situação anormal em que o coração deixa de estar submetido ao efeito regulador do travão parassimpático. No pólo oposto, quando o coração bate com a regularidade de um metrónomo, sem a mínima variabilidade, é sinal de grande gravidade. Os obstetras foram os primeiros a reconhecê-lo: no feto, durante o parto, isso reflecte um sofrimento possível não mortal que eles vigiam minuciosamente.
No adulto também, dado que já está estabelecido que o coração só começa a bater com tão grande regularidade alguns meses antes da morte.
Caos e Coerência
Nos últimos dez anos a existência de programas informáticos permitiu descrever dois modos característicos de variação do ritmo cardíaco: o caos e a coerência. A maior parte das vezes, as variações são fracas e caóticas: guinadas de aceleração e travagem sucedem-se sem pés nem cabeça, de maneira dispersa e irregular. Em contrapartida, quando a variação do bater do coração é forte e sadia, as fases de aceleração e de abrandamento mostram uma alternância rápida e regular. É isso que produz a imagem de uma onda harmoniosa, que descreve perfeitamente o termo «coerência» do ritmo cardíaco. Entre o nascimento, quando a variabilidade é mais forte, e a aproximação da morte, onde ele é mais baixa perdemos cerca de 3% de variabilidade por ano. É sinal de que a nossa fisiologia perde progressivamente flexibilidade, que tem cada vez mais dificuldade em adaptar-se à variação do meio físico e emocional que nos rodeia. É um sinal de envelhecimento. Se a variabilidade baixa, é porque em parte não há uma manutenção do nosso travão fisiológico, ou seja, do tónus do sistema parassimpático. Como um músculo do qual não nos servimos, este vai-se atrofiando progressivamente ao longo dos anos. Além disso, não paramos de nos servir do nosso acelerador – o sistema simpático. Assim, após dezenas de anos deste regime, a nossa fisiologia está como um automóvel que pode avançar em roda livre ou acelerar abruptamente, mas que se tornou incapaz de abrandar a uma ordem nossa. A baixa de variabilidade do bater do coração está associada a um conjunto de problemas de saúde ligados ao stress e ao envelhecimento: a hipertensão, a insuficiência cardíaca, as complicações de diabetes, o enfarte, a morte súbita e até o cancro. Resumindo: nos estados de stress e de ansiedade, de depressão ou de cólera, a variabilidade do ritmo cardíaco entre dois batimentos torna-se irregular ou «caótica». Nos estados de bem-estar, de compaixão ou de gratidão, esta variação torna-se «coerente»: a alternância de aceleração e de abrandamentos do ritmo cardíaco é regular. A «coerência» maximiza a variação durante um dado intervalo de tempo e leva a uma maior – e mais saudável – variabilidade cardíaca.
A Gestão do Stress
Nas experiências de laboratório, a coerência permite ao cérebro ser mais rápido e mais preciso. A noção de coerência do coração e o facto de ser possível aprender a controlá-lo facilmente contrariam todas as ideias feitas sobre a maneira de gerir o stress. Um stress crónico provoca ansiedade e depressão. Tem também consequências negativas bem conhecidas no corpo: insónias, rugas, hipertensão, palpitações, dores nas costas, problemas de pele, digestão, infecções recorrentes (gripes, constipações), infertilidade, impotência sexual. Afecta, enfim, os relacionamentos sociais e o desempenho profissional: irritabilidade, perda de capacidade de ouvir os outros, baixa de concentração, ensimesmamento e perda de espírito de equipa. Estes sintomas são típicos daquilo a que chamamos «surmenage» (cansaço) que tanto pode referir-se ao trabalho que fazemos como ao facto de nos sentirmos bloqueados numa relação afectiva que nos esvazia de toda a nossa energia. A conclusão que se pode tirar sobre os benefícios da coerência contínua situa-se nos antípodas: é preciso pegar no problema ao contrário. Em vez de tentar perpetuamente obter circunstâncias exteriores ideais, é preciso começar por controlar o interior: a nossa fisiologia. Controlando o caos fisiológico e maximizando a coerência, sentimo-nos automaticamente melhor, imediatamente, e melhoramos a nossa relação com os outros, a nossa concentração, o nosso desempenho e os nossos resultados. E as circunstâncias favoráveis atrás das quais não paramos de correr acabam por se produzir, mas trata-se praticamente de um efeito derivado, de um benefício secundário da coerência: a partir do momento em que domesticámos o nosso interior, o que nos pode acontecer no mundo exterior tem – impacto sobre nós. O programa informático que mede a coerência do ritmo cardíaco é utilizado na investigação do sistema coração-cérebro. Pode também servir para demonstrar a quem duvidar que o coração reage imediatamente ao estado emocional. Todavia, é perfeitamente possível uma pessoa estar sozinha em coerência, sem computador, e sentir imediatamente os benefícios disso na sua vida diária. Para tal, basta aprender a viver em coerência. (Pág. 63)
4. Viver a Coerência Cardíaca
Há alguns anos fiquei sinceramente desolado quando um colega que tinha solicitado o meu apoio a um doente seu, me disse seis meses depois que ele tinha morrido de um segundo enfarte, desta vez sem ter tido tempo de chegar ao hospital, e sem ter tido tempo de se abrir à sua própria sensibilidade. Estava desolado também por não ter podido ajudá-lo. Nem o meu colega nem eu sabíamos, naquela época, que havia um método ao mesmo tempo simples e eficaz para aumentar a variabilidade das pulsações cardíacas e fazê-las entrar em coerência. As diferentes etapas deste método foram desenvolvidas e testadas pelo HeartMath Institute na Califórnia, um centro que se dedica ao estudo e à aplicação da coerência cardíaca. Como na tradição do yoga, de meditação e de todos os métodos de relaxação, a primeira etapa do exercício consiste em voltar a atenção para o interior de si próprio.
A primeira vez que este exercício é praticado, é preciso em primeiro lugar que a pessoa se subtraia ao mundo exterior e aceite pôr de lado todas as preocupações durante alguns minutos. Aceitar que as nossas preocupações possam esperar um pouco, o tempo necessário para que o coração e o cérebro recuperem o equilíbrio, a sua intimidade. A melhor maneira de o conseguir, é começar por respirar duas vezes lenta e profundamente. Isto estimula imediatamente o sistema parassimpático e faz pender um pouco a balança para o lado do «travão» fisiológico. Para que o efeito seja o maior possível, é preciso deixar a atenção acompanhar a respiração, até ao fim da expiração e deixá-la fazer uma pausa de alguns segundos antes da segunda inspiração se desencadear por si mesma. Na realidade, é preciso deixarmo-nos levar pela expiração até ao ponto em que esta se transforma naturalmente numa espécie de suavidade e beleza (a paz interior está no fim da expiração).
Os exercícios mentais de meditação sugerem que se continue esta prática centrada na respiração o mais tempo possível e que se mantenha o espírito vazio. Mas para maximizar a coerência cardíaca, é preciso, após dez ou quinze segundos desta estabilização, fazer incidir conscientemente a atenção, na zona do coração dentro do nosso peito. Para esta segunda etapa, o mais simples é imaginar que estamos a respirar através do coração (ou da região central do peito se ainda não sentimos directamente o coração). Continuando sempre a respirar lenta e profundamente (mas naturalmente, sem forçar), é preciso visualizar – sentir mesmo – cada inspiração e cada expiração a atravessar essa parte tão importante do nosso corpo. Imagine que a inspiração lhe traz, à passagem, o oxigénio de que ela tanto necessita, e que a expiração a deixa desfazer-se de todos os dejectos de que já não necessita. Imagine os movimentos lentos e leves da inspiração e da expiração que deixam o coração lavar-se nesse banho de ar puro, clarificador e calmante. Elas que o deixem beneficiar da sua oferta. Pode imaginar o seu coração como uma criança num banho de água morna onde ele flutua a chapinhar com prazer, ao seu próprio ritmo, sem constrangimentos nem obrigações. Como uma criança de que você gosta e que está a brincar, você apenas pede ao seu coração que seja ele próprio, no seu elemento natural, e está a vê-lo simplesmente movimentar-se à maneira dele continuando a dar-lhe um ar suave e terno..
A terceira etapa consiste em ligar-se à sensação de calor ou de expansão, que se desenvolve no seu peito, em acompanhá-la e em encorajá-la com o pensamento e a respiração. Ela é muitas vexes tímida no início, e manifesta-se muito discretamente. Após anos de maus tratos emocionais, o coração é por vezes como um animal em hibernação há muito tempo, a olhar para os primeiros raios de sol da Primavera. Sonolento e hesitante, abre um olho, depois o outro, e só começa a mover-se quando tem a certeza que a clemência do tempo não é um acidente temporário. Um método eficaz para encorajar o coração é evocar directamente um sentimento de reconhecimento ou de gratidão e deixá-lo invadir o peito. O coração é particularmente sensível à gratidão, a todo o sentimento de amor, quer este seja para com uma pessoa, uma coisa ou até para com a ideia de um universo benfazejo.
Para muitas pessoas, basta evocar o rosto de uma criança de que se gosta e que gosta de nós, ou o focinho de um animal familiar. Para outras será uma cena de paz na Natureza a trazer consigo a gratidão interior. Enfim, para outras ainda, esta virá com uma recordação de felicidade na acção, com uma descida de ski, um swing de golfe perfeito, uma corrida de barco à vela... Durante este exercício, verifica-se às vezes que um sorriso surge suavemente nos lábios como se tivesse nascido no peito e vindo desabrochar no rosto. É um sinal muito simples de que a coerência foi estabelecida. Os estudos demonstraram que o simples facto de evocar uma emoção positiva graças a uma recordação ou mesmo a uma cena imaginada, induz muito rapidamente uma transição da variabilidade cardíaca para uma fase de coerência. Esta coerência do ritmo das pulsações do coração repercute-se rapidamente no cérebro emocional, ao qual ela faz saber, ao dar-lhe estabilidade, que tudo está em ordem na fisiologia. O cérebro emocional responde a essa mensagem reforçando a coerência do coração. Este vai-vem produz um círculo virtuoso que permite, com um pouco de treino, manter este estado de coerência máxima durante trinta minutos ou mais. Esta coerência entre o coração e o cérebro emocional estabiliza o sistema nervoso autónomo – o equilíbrio simpático/parassimpático (acelerador/travão).
Uma vez chegados a este estado de equilíbrio, sentimo-nos numa situação óptima para enfrentar todas as eventualidades. Podemos, aceder simultaneamente à sensatez do cérebro emocional – à sua intuição – e às funções de reflexão, de raciocínio abstracto, e de planificação do cérebro cognitivo. Quanto mais uma pessoa se exercita na utilização desta prática, tanto mais fácil para ela se tornará entrar em coerência. Uma vez familiarizados com este estado interior, tornamo-nos capazes de comunicar por assim dizer, directamente com o nosso coração.
O programa de computador que mede a variabilidade do coração permite visualizar praticamente a influência dos nossos pensamentos na coerência e no caos. Quando se focaliza a atenção no coração e no bem-estar interior, vemos efectuar-se a mudança de fase e a coerência subir em força sob a forma de ondas regulares e suaves. Em contrapartida, assim que nos deixamos distrair por pensamentos negativos, por preocupações – o que é a tendência normal do cérebro entregue a si próprio -, em poucos segundos a coerência diminui e o caos substitui-a. Se nos enfurecermos, o caos aumenta então de forma imediata e explosiva, e a linha do ecrã desenha um horizonte montanhoso quase ameaçador. Este programa de biofeedback (resposta biológica), permite visualizar instantaneamente o nível da coerência e portanto acelerar a aprendizagem.
Um dia que estive a fazer uma demonstração deste método a um amigo cuja vida espiritual é muito intensa, ele tinha dificuldade em ir além dos 35% de coerência óptima. Perguntou-me então, se em vez de seguir as minhas instruções, poderia simplesmente rezar como era seu hábito. Ele sabia que, quando rezava, sentia um calor e um bem-estar no peito que pareciam corresponder àquilo que eu lhe descrevia. Em poucos instantes a coerência subiu para 80%. Era evidente que o meu amigo tinha encontrado pelos seus próprios meios a forma de equilibrar a sua fisiologia ao emergir no sentimento de estar ligado a um universo todo poderoso e benfazejo. Para outros, em contrapartida, a oração não induz qualquer coerência. Por vezes acontece até o contrário. É aqui que a imagem do biofeedback pode ser útil: ela permite calibrar para cada pessoa a passagem mais eficaz para a coerência da fisiologia, sobretudo no início.
Resumindo :
O coração facilita o funcionamento do cérebro. Segundo diversos estudos preliminares, a coerência do ritmo cardíaco afecta directamente o desempenho do cérebro. Dir-se-ia que as fases de caos interferem com a sincronização das funções cerebrais, ao passo que a coerência facilita o agenciamento das operações do cérebro. O que se traduz por respostas mais rápidas e mais precisas, e um desempenho superior debaixo do stress.
Os Benefícios da Coerência
Há poucas maneiras mais eficazes de nos persuadirmos de que podemos facilmente aprender a controlar a nossa fisiologia do que ver num ecrã de computador o nosso próprio coração a entrar em coerência.
Pela minha parte, foram os estudos experimentais de utilidade clínica desta abordagem, tanto para a psiquiatria como para a cardiologia, que me convenceram.
Na Universidade de Stanford, por exemplo, o Dr Luskin recebeu fundos do National Institute of Health para formar em coerência um grupo de doentes que sofriam de insuficiência cardíaca aguda. Como acontece com frequência, os sintomas físicos – dificuldades respiratórias, cansaço, edema – eram acompanhados de ansiedade e de depressão. Ao fim de seis semanas de tratamento, o grupo que aprendera a dominar a coerência tinha feito baixar consideravelmente o nível de stress (22%) e de depressa (34%).o seu estado físico – a capacidade para andar sem ficar sem fôlego – tinha também melhorado nitidamente (14%). Ao invés, no grupo – testemunha que apenas recebera os tratamentos habituais de insuficiência cardíaca, todos estes indicadores se tinham deteriorado em relação ao nível de partida.
O sistema imunitário beneficia também ele da prática da coerência cardíaca. As imonoglobulinas A (IgA) são a primeira linha de defesa do organismo contra os agentes infecciosos (vírus, bactérias e fungos). As IgA são constantemente renovadas à superfície das mucosas, como o nariz, a garganta, os brônquios, o intestino e a vagina, onde as infecções ameaçam em permanência. Numa experiência foi pedido aos voluntários que evocassem uma cena vivida que lhes tivesse provocado uma fúria. A simples recordação induziu um período de vários minutos de caos no ritmo cardíaco. Na sequência deste período de caos, a segregação de IgA caiu durante seis horas em média, reduzindo assim a resistência aos agentes infecciosos. No mesmo estudo, uma recordação positiva induziu vários minutos de coerência e estes eram acompanhados de um aumento de produção de IgA durante as seis horas seguintes.
Noutro estudo, alguns investigadores mostraram que o nível de stress ao qual cada um de nós está submetido, anuncia directamente a probabilidade de uma pessoa apanhar uma constipação.
Num, grande hospital da região de Chicago, onde os enfermeiros tinham seguido um curso de formação, o nível de satisfação no trabalho tinha aumentado nitidamente. Ao mesmo tempo, os doentes que elas tinham a seu cargo, declararam-se mais satisfeitos com os cuidados prestados. A taxa de despedimento das enfermeiras no ano seguinte à formação baixou de 20% para 4%.
Viver a Coerência
François Dolto sabia falar melhor que ninguém as crianças que sofrem. Perante uma criança perdida, incapaz de dizer o que lhe doía e incapaz de se consolar, ele fazia a pergunta mágica para a ajudar a reorientar-se: «O que sente o teu coração?». Com estas palavrinhas, ele sabia que abria directamente a porta das emoções, cortando o direito na confusão das construções mentais, das ideias sobre si próprio, dos «eu devia» e dos «eu não devia». Ele ajudava quem sofria a entrar em contacto com os motores interiores, os desejos profundos, com aquelas coisas que, afinal, acabavam sempre por determinar o bem-estar ou o mal-estar.
A mesma observação serve para adultos. Sobretudo para os mais racionais que têm tendência para só captar e reagir por intermédio do cérebro cognitivo. É um mundo inédito de sensação e de emoção que se abre a essas pessoas no dia em que dirigem o olhar interior para as reacções do seu coração. Frequentemente, uma vez estabelecida a coerência, essas pessoas compreendem que têm um eu intuitivo interior que sempre as guiou ao longo da vida, e nutrem a sensação de compaixão, de ternura quase, pelo seu interior. Como sugerem as tradições, espirituais orientais, é desta compaixão pelo seu interior que nasce a compaixão pelo mundo exterior: a sabedoria está em nós, o facto de se ter consciência dela permite que a pessoa se abra aos outros.
A coerência induz uma calma interior, mas não se trata de um método de relaxação: trata-se de um método de acção. A coerência pratica-se em todas as situações da vida corrente. É possível entrar em coerência tanto quanto o nosso coração bate a 120 como quando bate a 55. É esse até o objectivo último: estar em coerência durante a excitação da luta ou da corrida, durante o prazer da vitória, mas igualmente permite a dor da derrota; e até mesmo perante o êxtase do amor.
Os resultados obtidos pelos homens e mulheres que descobriram a coerência e a praticam regularmente são quase demasiado bons para serem credíveis. O controlo da ansiedade e da depressão, o abaixamento da tensão arterial, o aumento da taxa de DHEA, a estimulação do sistema imunitário não é apenas do abrandamento do envelhecimento que se trata, mas de um verdadeiro rejuvenescimento da fisiologia.
Contudo, a amplitude dos resultados corresponde à amplitude dos danos físicos e psicológicos ligados ao stress: se o stress pode fazer tanto mal, não me espanta muito que o seu domínio interior possa fazer tanto bem.
Mas, para aqueles de nós que foram feridos pela vida e cujas feridas ainda não cicatrizaram, pode ser doloroso o gerador de ansiedade voltar-se para o interior. Neste caso é o próprio acesso à nossa fonte interna de coerência que está bloqueado. A maior parte das vezes isso ocorre na sequência de um traumatismo durante o qual as emoções foram de tal forma fortes que o cérebro emocional e portanto o coração deixam de funcionar como antes. Deixam então de ser uma bússola para passarem a ser uma bandeira que se agita no meio da tempestade. Neste caso, existe um método para reencontrar o equilíbrio, um método tão surpreendente como eficaz, e que tem a sua origem no mecanismo dos sonhos: a integração neuro-emocional através dos movimentos oculares (EMDR). (Pág. 63)
Para se viver em harmonia na convivência dos homens, é preciso alcançar e manter um equilíbrio entre as nossas reacções emocionais imediatas – instintivas – e as respostas racionais que preservam os laços sociais de longa data...
Curiosamente há uma marca fisiológica muito simples dessa harmonia cerebral cujos fundamentos biológicos Darwin estudou há mais de um século: o sorriso. Um sorriso «falso» - aquele a que nos obrigam por razões de ordem social - mobiliza apenas os músculos zigomáticos do rosto, aqueles que, arrepanhando os lábios, deixam ver os dentes. Um sorriso «verdadeiro», em compensação, mobiliza além disso os músculos à volta dos olhos. Ora estes não podem ser contraídos voluntariamente, isto é, por meio do cérebro cognitivo. A ordem tem de vir das regiões límbicas, primitivas e profundas. É por isso que os olhos não mentem nunca: é o franzir deles que atesta ou não a autenticidade de um sorriso. Um sorriso caloroso, um sorriso verdadeiro, faz-nos compreender intuitivamente que o nosso interlocutor está, nesse preciso momento, num estado de harmonia entre o que ele pensa e o que ele sente, entre cognição e emoção. O cérebro tem uma capacidade inata para alcançar o estado de fluxo. O seu símbolo mais universal é o sorriso no rosto de Buda.
Nota: na figura acima poderemos ver: As quatro câmaras (dois ventrículos e dois átrios) do coração humano.
3. O Coração e a Razão
«Adeus, disse a raposa. Eis o meu segredo.
É muito simples: só se vê bem com o coração.
O essencial é invisível aos olhos»
Antoine de Saint Exupery – Le Petit Prince
Quem não ouviu falar de um vizinho de idade que morre alguns meses depois da mulher ? ou de um tio-avô que morre após a morte do filho? A sabedoria popular diz que eles ficaram «com o coração partido». Durante muito tempo a ciência médica tratou este tipo de incidentes com desprezo, pondo-os na conta de simples coincidências. É apenas desde há cerca de vinte anos que várias equipas de cardiologistas e psiquiatras se têm debruçado sobre estas «histórias». Descobriram que o stress é um factor de risco mais importante do que o tabaco no que refere às doenças de coração. Também se ficou a saber que uma depressão na sequência de um enfarte anuncia a morte do doente nos seis meses seguintes com mais precisão do que qualquer outra medição da função cardíaca.
Quando o cérebro emocional se desregula, o coração sofre e acaba por se cansar. Mas a descoberta mais espantosa é que esta relação é recíproca. A cada instante, o equilíbrio do nosso coração, influencia o nosso cérebro. Certos cardiologistas e neurologistas chegam mesmo a falar de um «sistema coração - cérebro» indissociável.
Se existisse um medicamento capaz de harmonizar esta relação íntima entre o coração e o cérebro, ele teria efeitos benéficos na totalidade do organismo. Atrasando o envelhecimento, reduziria o stress e o cansaço, estrangularia a ansiedade e manter-nos-ia ao abrigo da depressão; de noite ajudar-nos-ia a dormir melhor, e, de dia, a funcionar o melhor possível com a nossa capacidade de concentração e de precisão. Sobretudo, equilibrando a relação entre o cérebro e o corpo, permitir-nos-ia estabelecer mais facilmente este estado de «fluxo» sinónimo de bem-estar. Seria um anti-hipertensor, um ansiolítico e um anti-depressivo, «tudo num só». Se existisse, nem um só médico deixaria de receitar um medicamento destes. Como o flúor para os dentes, talvez os governos acabassem até por pô-lo na água.
Infelizmente este remédio milagroso não existe. Em contrapartida, dispomos desde há algum tempo de um método simples e eficaz, que parece criar, precisamente, as condições de harmonia entre o coração e o cérebro. Apesar deste método ser de invenção recente, diversos estudos mostraram já os seus efeitos benéficos no corpo e nas emoções daqueles que o dominam, incluindo um rejuvenescimento da sua fisiologia. Para compreender como é possível, temos de analisar em primeiro lugar com brevidade o funcionamento do sistema coração – cérebro.
O Coração das Emoções
Sentimos as emoções no corpo, não na cabeça: isto, pelo menos, parece consensual. Não se diz, com efeito, que temos «o medo na barriga» ou o «coração leve»? seria errado ver nestas expressões simples figuras de estilo. Tratam-se de representações bastante precisas do que sentimos quando nos encontramos em diferentes estados emocionais. De facto, só há pouco tempo se sabe que os intestinos e o coração tem as suas próprias redes com algumas dezenas de milhares de neurónios que são como «pequenos cérebros» no interior do corpo. Estes cérebros locais são capazes de ter as suas próprias percepções, de modificar o seu comportamento em função delas, e até de se transformar na sequência das suas experiências, isto é, de certa forma, de formar as suas próprias recordações.
Além de dispor de uma rede própria de memórias semi-autónomas, o coração é também uma pequena fábrica de hormonas. Ele segrega a sua própria reserva de adrenalina, que liberta quando precisa de funcionar no máximo das suas capacidades. Segrega também e controla a libertação de outra hormona, o ANF, que regula a tensão arterial. E segrega enfim, a sua própria reserva de ocitocina - a hormona do amor -, (produzida pela «glândula Pituitária ou hipófise»,- ligada ao «hipotálamo» - que também provoca as contracções do útero durante o parto e estimula a secreção do leite no período de amamentação). Esta é libertada no sangue, por exemplo, quando uma mãe amamenta o filho, quando dois seres namoram, e durante o orgasmo. Estas hormonas actuam todas directamente no cérebro. Enfim, o coração faz com que a totalidade do organismo participe nas variações do seu vasto campo electromagnético, que pode ser detectado a vários metros do corpo, mas cuja significação ainda se desconhece. Como se vê, a importância do coração na linguagem das emoções não é apenas uma imagem. O coração vê e sente. Quando se exprime, influencia a fisiologia do nosso organismo a começar pelo cérebro. A relação entre o cérebro emocional e o «pequeno cérebro» do coração é uma das chaves da inteligência emocional. Ao aprendermos literalmente a controlar o nosso coração, aprendemos a domesticar o nosso cérebro emocional, e vice-versa. Porque a relação mais forte entre o coração e o cérebro emocional é aquela que é estabelecida pelo chamado «sistema nervoso periférico autónomo», isto é, a parte do sistema nervoso que regula o funcionamento de todos os nossos órgãos, o qual escapa tanto a uma vontade como a nossa consciência.
O sistema nervoso autónomo é constituído por dois ramos que inervam (acção das actividades dos nervos nas funções orgânicas) cada um dos órgãos do corpo a partir do cérebro emocional. Ora no dito «simpático» (termo que vem do latim e que quer dizer «estar em relação», porque os ramos destes nervos estão em relação com a medula espinhal ao longo da coluna vertebral), liberta adrenalina e noradrenalina. É ele que controla as reacções de combate e fuga. A sua actividade acelera o ritmo cardíaco. O outro ramo, dito «parassimpático», liberta um neurotransmissor diferente que acompanha os estados de relaxação e de tranquilidade (o neurotransmissor do sistema parassimpático é o acetilcolino). A sua actividade faz o coração bater mais devagar. Mas o coração não se contenta em sofrer a influência do sistema nervoso central: ele envia para a base do crânio fibras nervosas que controlam a actividade do cérebro. Além da via hormonal, da tensão arterial e do campo magnético do nosso corpo, o pequeno cérebro do coração pode pois agir no cérebro emocional através de conexões nervosas directas. E quando o coração se desregula, arrasta consigo o cérebro emocional.
O reflexo directo deste vai-vem entre o cérebro emocional e o coração é a variabilidade normal das batidas do coração. Uma vez que os dois ramos do sistema nervoso autónomo não estão sempre em equilíbrio, estão constantemente a acelerar e a desacelerar o coração. Assim, o intervalo entre duas pulsações sucessivas nunca é idêntico. Esta variabilidade é em si mesma muito saudável dado que é sinal de bom funcionamento do travão e do acelerador, e por conseguinte de toda a nossa fisiologia.
Nada tem a ver com as arritmias de que sofrem alguns doentes. Os súbitos galopes de «taquicardia» (essas acelerações brutais do coração que duram vários minutos) ou os que acompanham as crises de ansiedade, são sintomas de uma situação anormal em que o coração deixa de estar submetido ao efeito regulador do travão parassimpático. No pólo oposto, quando o coração bate com a regularidade de um metrónomo, sem a mínima variabilidade, é sinal de grande gravidade. Os obstetras foram os primeiros a reconhecê-lo: no feto, durante o parto, isso reflecte um sofrimento possível não mortal que eles vigiam minuciosamente.
No adulto também, dado que já está estabelecido que o coração só começa a bater com tão grande regularidade alguns meses antes da morte.
Caos e Coerência
Nos últimos dez anos a existência de programas informáticos permitiu descrever dois modos característicos de variação do ritmo cardíaco: o caos e a coerência. A maior parte das vezes, as variações são fracas e caóticas: guinadas de aceleração e travagem sucedem-se sem pés nem cabeça, de maneira dispersa e irregular. Em contrapartida, quando a variação do bater do coração é forte e sadia, as fases de aceleração e de abrandamento mostram uma alternância rápida e regular. É isso que produz a imagem de uma onda harmoniosa, que descreve perfeitamente o termo «coerência» do ritmo cardíaco. Entre o nascimento, quando a variabilidade é mais forte, e a aproximação da morte, onde ele é mais baixa perdemos cerca de 3% de variabilidade por ano. É sinal de que a nossa fisiologia perde progressivamente flexibilidade, que tem cada vez mais dificuldade em adaptar-se à variação do meio físico e emocional que nos rodeia. É um sinal de envelhecimento. Se a variabilidade baixa, é porque em parte não há uma manutenção do nosso travão fisiológico, ou seja, do tónus do sistema parassimpático. Como um músculo do qual não nos servimos, este vai-se atrofiando progressivamente ao longo dos anos. Além disso, não paramos de nos servir do nosso acelerador – o sistema simpático. Assim, após dezenas de anos deste regime, a nossa fisiologia está como um automóvel que pode avançar em roda livre ou acelerar abruptamente, mas que se tornou incapaz de abrandar a uma ordem nossa. A baixa de variabilidade do bater do coração está associada a um conjunto de problemas de saúde ligados ao stress e ao envelhecimento: a hipertensão, a insuficiência cardíaca, as complicações de diabetes, o enfarte, a morte súbita e até o cancro. Resumindo: nos estados de stress e de ansiedade, de depressão ou de cólera, a variabilidade do ritmo cardíaco entre dois batimentos torna-se irregular ou «caótica». Nos estados de bem-estar, de compaixão ou de gratidão, esta variação torna-se «coerente»: a alternância de aceleração e de abrandamentos do ritmo cardíaco é regular. A «coerência» maximiza a variação durante um dado intervalo de tempo e leva a uma maior – e mais saudável – variabilidade cardíaca.
A Gestão do Stress
Nas experiências de laboratório, a coerência permite ao cérebro ser mais rápido e mais preciso. A noção de coerência do coração e o facto de ser possível aprender a controlá-lo facilmente contrariam todas as ideias feitas sobre a maneira de gerir o stress. Um stress crónico provoca ansiedade e depressão. Tem também consequências negativas bem conhecidas no corpo: insónias, rugas, hipertensão, palpitações, dores nas costas, problemas de pele, digestão, infecções recorrentes (gripes, constipações), infertilidade, impotência sexual. Afecta, enfim, os relacionamentos sociais e o desempenho profissional: irritabilidade, perda de capacidade de ouvir os outros, baixa de concentração, ensimesmamento e perda de espírito de equipa. Estes sintomas são típicos daquilo a que chamamos «surmenage» (cansaço) que tanto pode referir-se ao trabalho que fazemos como ao facto de nos sentirmos bloqueados numa relação afectiva que nos esvazia de toda a nossa energia. A conclusão que se pode tirar sobre os benefícios da coerência contínua situa-se nos antípodas: é preciso pegar no problema ao contrário. Em vez de tentar perpetuamente obter circunstâncias exteriores ideais, é preciso começar por controlar o interior: a nossa fisiologia. Controlando o caos fisiológico e maximizando a coerência, sentimo-nos automaticamente melhor, imediatamente, e melhoramos a nossa relação com os outros, a nossa concentração, o nosso desempenho e os nossos resultados. E as circunstâncias favoráveis atrás das quais não paramos de correr acabam por se produzir, mas trata-se praticamente de um efeito derivado, de um benefício secundário da coerência: a partir do momento em que domesticámos o nosso interior, o que nos pode acontecer no mundo exterior tem – impacto sobre nós. O programa informático que mede a coerência do ritmo cardíaco é utilizado na investigação do sistema coração-cérebro. Pode também servir para demonstrar a quem duvidar que o coração reage imediatamente ao estado emocional. Todavia, é perfeitamente possível uma pessoa estar sozinha em coerência, sem computador, e sentir imediatamente os benefícios disso na sua vida diária. Para tal, basta aprender a viver em coerência. (Pág. 63)
4. Viver a Coerência Cardíaca
Há alguns anos fiquei sinceramente desolado quando um colega que tinha solicitado o meu apoio a um doente seu, me disse seis meses depois que ele tinha morrido de um segundo enfarte, desta vez sem ter tido tempo de chegar ao hospital, e sem ter tido tempo de se abrir à sua própria sensibilidade. Estava desolado também por não ter podido ajudá-lo. Nem o meu colega nem eu sabíamos, naquela época, que havia um método ao mesmo tempo simples e eficaz para aumentar a variabilidade das pulsações cardíacas e fazê-las entrar em coerência. As diferentes etapas deste método foram desenvolvidas e testadas pelo HeartMath Institute na Califórnia, um centro que se dedica ao estudo e à aplicação da coerência cardíaca. Como na tradição do yoga, de meditação e de todos os métodos de relaxação, a primeira etapa do exercício consiste em voltar a atenção para o interior de si próprio.
A primeira vez que este exercício é praticado, é preciso em primeiro lugar que a pessoa se subtraia ao mundo exterior e aceite pôr de lado todas as preocupações durante alguns minutos. Aceitar que as nossas preocupações possam esperar um pouco, o tempo necessário para que o coração e o cérebro recuperem o equilíbrio, a sua intimidade. A melhor maneira de o conseguir, é começar por respirar duas vezes lenta e profundamente. Isto estimula imediatamente o sistema parassimpático e faz pender um pouco a balança para o lado do «travão» fisiológico. Para que o efeito seja o maior possível, é preciso deixar a atenção acompanhar a respiração, até ao fim da expiração e deixá-la fazer uma pausa de alguns segundos antes da segunda inspiração se desencadear por si mesma. Na realidade, é preciso deixarmo-nos levar pela expiração até ao ponto em que esta se transforma naturalmente numa espécie de suavidade e beleza (a paz interior está no fim da expiração).
Os exercícios mentais de meditação sugerem que se continue esta prática centrada na respiração o mais tempo possível e que se mantenha o espírito vazio. Mas para maximizar a coerência cardíaca, é preciso, após dez ou quinze segundos desta estabilização, fazer incidir conscientemente a atenção, na zona do coração dentro do nosso peito. Para esta segunda etapa, o mais simples é imaginar que estamos a respirar através do coração (ou da região central do peito se ainda não sentimos directamente o coração). Continuando sempre a respirar lenta e profundamente (mas naturalmente, sem forçar), é preciso visualizar – sentir mesmo – cada inspiração e cada expiração a atravessar essa parte tão importante do nosso corpo. Imagine que a inspiração lhe traz, à passagem, o oxigénio de que ela tanto necessita, e que a expiração a deixa desfazer-se de todos os dejectos de que já não necessita. Imagine os movimentos lentos e leves da inspiração e da expiração que deixam o coração lavar-se nesse banho de ar puro, clarificador e calmante. Elas que o deixem beneficiar da sua oferta. Pode imaginar o seu coração como uma criança num banho de água morna onde ele flutua a chapinhar com prazer, ao seu próprio ritmo, sem constrangimentos nem obrigações. Como uma criança de que você gosta e que está a brincar, você apenas pede ao seu coração que seja ele próprio, no seu elemento natural, e está a vê-lo simplesmente movimentar-se à maneira dele continuando a dar-lhe um ar suave e terno..
A terceira etapa consiste em ligar-se à sensação de calor ou de expansão, que se desenvolve no seu peito, em acompanhá-la e em encorajá-la com o pensamento e a respiração. Ela é muitas vexes tímida no início, e manifesta-se muito discretamente. Após anos de maus tratos emocionais, o coração é por vezes como um animal em hibernação há muito tempo, a olhar para os primeiros raios de sol da Primavera. Sonolento e hesitante, abre um olho, depois o outro, e só começa a mover-se quando tem a certeza que a clemência do tempo não é um acidente temporário. Um método eficaz para encorajar o coração é evocar directamente um sentimento de reconhecimento ou de gratidão e deixá-lo invadir o peito. O coração é particularmente sensível à gratidão, a todo o sentimento de amor, quer este seja para com uma pessoa, uma coisa ou até para com a ideia de um universo benfazejo.
Para muitas pessoas, basta evocar o rosto de uma criança de que se gosta e que gosta de nós, ou o focinho de um animal familiar. Para outras será uma cena de paz na Natureza a trazer consigo a gratidão interior. Enfim, para outras ainda, esta virá com uma recordação de felicidade na acção, com uma descida de ski, um swing de golfe perfeito, uma corrida de barco à vela... Durante este exercício, verifica-se às vezes que um sorriso surge suavemente nos lábios como se tivesse nascido no peito e vindo desabrochar no rosto. É um sinal muito simples de que a coerência foi estabelecida. Os estudos demonstraram que o simples facto de evocar uma emoção positiva graças a uma recordação ou mesmo a uma cena imaginada, induz muito rapidamente uma transição da variabilidade cardíaca para uma fase de coerência. Esta coerência do ritmo das pulsações do coração repercute-se rapidamente no cérebro emocional, ao qual ela faz saber, ao dar-lhe estabilidade, que tudo está em ordem na fisiologia. O cérebro emocional responde a essa mensagem reforçando a coerência do coração. Este vai-vem produz um círculo virtuoso que permite, com um pouco de treino, manter este estado de coerência máxima durante trinta minutos ou mais. Esta coerência entre o coração e o cérebro emocional estabiliza o sistema nervoso autónomo – o equilíbrio simpático/parassimpático (acelerador/travão).
Uma vez chegados a este estado de equilíbrio, sentimo-nos numa situação óptima para enfrentar todas as eventualidades. Podemos, aceder simultaneamente à sensatez do cérebro emocional – à sua intuição – e às funções de reflexão, de raciocínio abstracto, e de planificação do cérebro cognitivo. Quanto mais uma pessoa se exercita na utilização desta prática, tanto mais fácil para ela se tornará entrar em coerência. Uma vez familiarizados com este estado interior, tornamo-nos capazes de comunicar por assim dizer, directamente com o nosso coração.
O programa de computador que mede a variabilidade do coração permite visualizar praticamente a influência dos nossos pensamentos na coerência e no caos. Quando se focaliza a atenção no coração e no bem-estar interior, vemos efectuar-se a mudança de fase e a coerência subir em força sob a forma de ondas regulares e suaves. Em contrapartida, assim que nos deixamos distrair por pensamentos negativos, por preocupações – o que é a tendência normal do cérebro entregue a si próprio -, em poucos segundos a coerência diminui e o caos substitui-a. Se nos enfurecermos, o caos aumenta então de forma imediata e explosiva, e a linha do ecrã desenha um horizonte montanhoso quase ameaçador. Este programa de biofeedback (resposta biológica), permite visualizar instantaneamente o nível da coerência e portanto acelerar a aprendizagem.
Um dia que estive a fazer uma demonstração deste método a um amigo cuja vida espiritual é muito intensa, ele tinha dificuldade em ir além dos 35% de coerência óptima. Perguntou-me então, se em vez de seguir as minhas instruções, poderia simplesmente rezar como era seu hábito. Ele sabia que, quando rezava, sentia um calor e um bem-estar no peito que pareciam corresponder àquilo que eu lhe descrevia. Em poucos instantes a coerência subiu para 80%. Era evidente que o meu amigo tinha encontrado pelos seus próprios meios a forma de equilibrar a sua fisiologia ao emergir no sentimento de estar ligado a um universo todo poderoso e benfazejo. Para outros, em contrapartida, a oração não induz qualquer coerência. Por vezes acontece até o contrário. É aqui que a imagem do biofeedback pode ser útil: ela permite calibrar para cada pessoa a passagem mais eficaz para a coerência da fisiologia, sobretudo no início.
Resumindo :
O coração facilita o funcionamento do cérebro. Segundo diversos estudos preliminares, a coerência do ritmo cardíaco afecta directamente o desempenho do cérebro. Dir-se-ia que as fases de caos interferem com a sincronização das funções cerebrais, ao passo que a coerência facilita o agenciamento das operações do cérebro. O que se traduz por respostas mais rápidas e mais precisas, e um desempenho superior debaixo do stress.
Os Benefícios da Coerência
Há poucas maneiras mais eficazes de nos persuadirmos de que podemos facilmente aprender a controlar a nossa fisiologia do que ver num ecrã de computador o nosso próprio coração a entrar em coerência.
Pela minha parte, foram os estudos experimentais de utilidade clínica desta abordagem, tanto para a psiquiatria como para a cardiologia, que me convenceram.
Na Universidade de Stanford, por exemplo, o Dr Luskin recebeu fundos do National Institute of Health para formar em coerência um grupo de doentes que sofriam de insuficiência cardíaca aguda. Como acontece com frequência, os sintomas físicos – dificuldades respiratórias, cansaço, edema – eram acompanhados de ansiedade e de depressão. Ao fim de seis semanas de tratamento, o grupo que aprendera a dominar a coerência tinha feito baixar consideravelmente o nível de stress (22%) e de depressa (34%).o seu estado físico – a capacidade para andar sem ficar sem fôlego – tinha também melhorado nitidamente (14%). Ao invés, no grupo – testemunha que apenas recebera os tratamentos habituais de insuficiência cardíaca, todos estes indicadores se tinham deteriorado em relação ao nível de partida.
O sistema imunitário beneficia também ele da prática da coerência cardíaca. As imonoglobulinas A (IgA) são a primeira linha de defesa do organismo contra os agentes infecciosos (vírus, bactérias e fungos). As IgA são constantemente renovadas à superfície das mucosas, como o nariz, a garganta, os brônquios, o intestino e a vagina, onde as infecções ameaçam em permanência. Numa experiência foi pedido aos voluntários que evocassem uma cena vivida que lhes tivesse provocado uma fúria. A simples recordação induziu um período de vários minutos de caos no ritmo cardíaco. Na sequência deste período de caos, a segregação de IgA caiu durante seis horas em média, reduzindo assim a resistência aos agentes infecciosos. No mesmo estudo, uma recordação positiva induziu vários minutos de coerência e estes eram acompanhados de um aumento de produção de IgA durante as seis horas seguintes.
Noutro estudo, alguns investigadores mostraram que o nível de stress ao qual cada um de nós está submetido, anuncia directamente a probabilidade de uma pessoa apanhar uma constipação.
Num, grande hospital da região de Chicago, onde os enfermeiros tinham seguido um curso de formação, o nível de satisfação no trabalho tinha aumentado nitidamente. Ao mesmo tempo, os doentes que elas tinham a seu cargo, declararam-se mais satisfeitos com os cuidados prestados. A taxa de despedimento das enfermeiras no ano seguinte à formação baixou de 20% para 4%.
Viver a Coerência
François Dolto sabia falar melhor que ninguém as crianças que sofrem. Perante uma criança perdida, incapaz de dizer o que lhe doía e incapaz de se consolar, ele fazia a pergunta mágica para a ajudar a reorientar-se: «O que sente o teu coração?». Com estas palavrinhas, ele sabia que abria directamente a porta das emoções, cortando o direito na confusão das construções mentais, das ideias sobre si próprio, dos «eu devia» e dos «eu não devia». Ele ajudava quem sofria a entrar em contacto com os motores interiores, os desejos profundos, com aquelas coisas que, afinal, acabavam sempre por determinar o bem-estar ou o mal-estar.
A mesma observação serve para adultos. Sobretudo para os mais racionais que têm tendência para só captar e reagir por intermédio do cérebro cognitivo. É um mundo inédito de sensação e de emoção que se abre a essas pessoas no dia em que dirigem o olhar interior para as reacções do seu coração. Frequentemente, uma vez estabelecida a coerência, essas pessoas compreendem que têm um eu intuitivo interior que sempre as guiou ao longo da vida, e nutrem a sensação de compaixão, de ternura quase, pelo seu interior. Como sugerem as tradições, espirituais orientais, é desta compaixão pelo seu interior que nasce a compaixão pelo mundo exterior: a sabedoria está em nós, o facto de se ter consciência dela permite que a pessoa se abra aos outros.
A coerência induz uma calma interior, mas não se trata de um método de relaxação: trata-se de um método de acção. A coerência pratica-se em todas as situações da vida corrente. É possível entrar em coerência tanto quanto o nosso coração bate a 120 como quando bate a 55. É esse até o objectivo último: estar em coerência durante a excitação da luta ou da corrida, durante o prazer da vitória, mas igualmente permite a dor da derrota; e até mesmo perante o êxtase do amor.
Os resultados obtidos pelos homens e mulheres que descobriram a coerência e a praticam regularmente são quase demasiado bons para serem credíveis. O controlo da ansiedade e da depressão, o abaixamento da tensão arterial, o aumento da taxa de DHEA, a estimulação do sistema imunitário não é apenas do abrandamento do envelhecimento que se trata, mas de um verdadeiro rejuvenescimento da fisiologia.
Contudo, a amplitude dos resultados corresponde à amplitude dos danos físicos e psicológicos ligados ao stress: se o stress pode fazer tanto mal, não me espanta muito que o seu domínio interior possa fazer tanto bem.
Mas, para aqueles de nós que foram feridos pela vida e cujas feridas ainda não cicatrizaram, pode ser doloroso o gerador de ansiedade voltar-se para o interior. Neste caso é o próprio acesso à nossa fonte interna de coerência que está bloqueado. A maior parte das vezes isso ocorre na sequência de um traumatismo durante o qual as emoções foram de tal forma fortes que o cérebro emocional e portanto o coração deixam de funcionar como antes. Deixam então de ser uma bússola para passarem a ser uma bandeira que se agita no meio da tempestade. Neste caso, existe um método para reencontrar o equilíbrio, um método tão surpreendente como eficaz, e que tem a sua origem no mecanismo dos sonhos: a integração neuro-emocional através dos movimentos oculares (EMDR). (Pág. 63)
(Do Livro «Curar» de DR. S. Schreiber)
Nota: como informação complementar ao exposto, sugere-se a consulta do que se segue, obtido da «Wikipédia», uma página de que se aconselha a visita.
O coração é um órgão muscular oco que bombeia o sangue de forma que circule no corpo. Ocorre nos anelídeos, artropodes, moluscos e cordados. A partir dos répteis crocodilianos surge o septo de sabatier', uma barreira fisíca ventricular que impossibilita a mistura de sangue venoso com o arterial, dividindo o coração em duas cavidades, direita e esquerda, cada qual com outras duas cavidades, átrio e ventrículo, separadas por valvas, sendo tricúspide do lado direito e bicúspide, ou mitral, do lado esquerdo. Por esse motivo esses animais possuem circulação dupla e completa
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