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5. A Autocura das grandes Dores. A Integração Neuro-Emocional Através dos Movimentos Oculares (EMDR)
A Cicatriz da Dor
Ao fim de um ano de amor idílico, Pierre, o homem com quem Sara tinha a certeza de se ir casar, abandonou-a abruptamente. Nem uma nuvem ensombrava a relação. Os seus corpos pareciam feitos um para o outro e os seus espíritos vivos e curiosos estavam de acordo em tudo. Ela amava tudo nele, o cheiro, a voz, o riso que irrompia a cada passo. O futuro deles juntos parecia traçado. Mas um dia Pierre bateu à porta com uma carta fria e dura na mão que dizia as palavras que ela não conseguia pronunciar. Tinha reatado com uma antiga companheira, católica praticante como ele, e era com ela que ia casar. A sua decisão, escrevia ele, era definitiva.
Depois disso, Sara não voltou a ser a mesma. Ela que sempre fora forte como uma rocha, começou a ter pequenas crises de ansiedade à mínima recordação do que se havia passado. De vez em quando, sem qualquer razão, tinha «flashes»: via diante dos olhos o momento terrível. De noite, sonhava muitas vezes com Pierre, sobretudo com a partida dele, e acordava muitas vezes sobressaltada. Já não se vestia da mesma maneira, já não andava da mesma maneira, não sorria da mesma maneira. E durante muito tempo foi incapaz de falar no que lhe tinha acontecido. Quer por vergonha – como é que podia ter-se enganado daquela forma? – quer porque à mínima evocação desatava a chorar
Como a história de Sara mostra – e como todos nós sabemos mais ou menos directamente -os acontecimentos muito dolorosos deixam uma marca profunda no nosso coração. Um estudo do Departamento de Psiquiatria da Universidade de Harvard permite ver com o que se parece essa marca. Nesse estudo, pedia-se aos doentes que tivessem sofrido um trauma emocional que ouvissem a descrição do que lhes tinha acontecido enquanto se iam gravando as reacções dos seus cérebros num scanner com emissões de positrões (PET scanner). Tal como Sara, todas aquelas pessoas sofriam daquilo a que os psiquiatras chamam o «estado de stress pós-traumático» (ou ESPT). O scanner permite visualizar as partes do cérebro que se encontram activas ou desactivas durante aqueles minutos de terror reavivado. Os resultados eram elucidativos: a região das amígdalas, o núcleo reptilíneo do medo no centro do cérebro emocional era claramente activada.
Os psiquiatras e os psicanalistas sabem-no bem: as cicatrizes deixadas no cérebro pelos acidentes mais difíceis da vida não se apagam facilmente. Acontece os pacientes continuarem a ter sintomas passados dezenas de anos sobre o trauma inicial. Sobretudo um estudo recente, a maioria das mulheres que sofrem de um ESPT na sequência de uma agressão (a maior parte das vezes uma violação ou então um roubo), continua a preencher os critérios rigorosos deste diagnóstico passados dez anos. O mais intrigante é que a maior parte destes pacientes sabe perfeitamente que não se deviam sentir tão mal. Eles têm consciência, é claro, de que a guerra acabou, de que a violação é apenas uma recordação, mesmo que essa recordação seja horrível. Eles sabem que já não correm perigo. Sabem-no, mas não o sentem.
Uma Marca Indelével
Mesmo sem ter sofrido esses traumas «com T maiúsculo» aos quais se aplica o diagnóstico de ESPT, conhecemos o fenómeno por inteiro por termos vivido múltiplos traumas com «t minúsculo». Quem não foi humilhado por um professor com mau feitio? Quem é que um dia não foi abandonado (a) pelo (a) namorado (a) ?. Num registo um pouco mais sombrio, muitas mulheres sofrem abortos naturais, muita gente fica sem emprego de forma brutal, sem falar nas inúmeras pessoas que têm dificuldade em ultrapassar o divórcio ou a morte de uma pessoa de família.
Situações destas, pensamos e voltamos a pensar nelas; ouvimos os conselhos dos amigos e dos pais; lemos artigos nos jornais; até talvez cheguemos ao ponto de comprar um livro sobre o assunto. Tudo isso ajuda, muitas vezes bastante, a pensar sobre a situação e sabemos perfeitamente o que devíamos sentir agora que ela já ficou para trás. No entretanto, estamos como que encurralados: andamos a reboque das nossas emoções; elas agarram-se ao passado muito depois de a nossa visão racional da situação ter evoluído. O homem que teve um acidente de automóvel continua a sentir-se desconfortável e tenso quando circula na estrada, apesar de saber que há anos que conduz por ali para regressar a casa sem problemas. A mulher que foi violada continua a sentir-se bloqueada quando se encontra na cama com um homem de quem gosta, apesar de a afeição que sente por ele e do seu desejo de intimidade física não suscitar qualquer dúvida no seu espírito. Tudo acontece como se as partes do cérebro cognitivo que contêm todo o conhecimento apropriado não conseguissem entrar em contacto com as partes do cérebro emocional marcadas pelo trauma, as quais continuam a evocar as emoções dolorosas.
E o recordar das emoções dolorosas, fazem a pessoa sentir-se, ainda que passados alguns anos, pior do que pouco à vontade...
De facto, as cicatrizes emocionais do cérebro límbico parecem sempre prontas a manifestar-se desde que a vigilância do nosso cérebro cognitivo e a sua capacidade de controlo enfraqueçam, mesmo temporariamente. O álcool, por exemplo, impede o córtex pré-frontal de funcionar normalmente. É por isso que nos sentimos desinibidos assim que bebemos de mais. Mas é precisamente por essa mesma razão que quando nos magoam ou somos traumatizados pela vida, corremos o risco, sob o efeito do álcool, de interpretar uma situação benigna como se fossemos agredidos, uma vez mais e de reagir violentamente o que pode igualmente acontecer quando estamos simplesmente cansados ou demasiado distraídos com outras preocupações para manter sob controlo o medo impresso no nosso cérebro emocional.
O Movimento dos Olhos Quando Sonhamos
Os psiquiatras conhecem bem este aspecto do ESPT. Sabem que há uma desconexão entre os conhecimentos apropriados do presente e as emoções impróprias, resíduos do trauma passado... eles sabem que é isso que torna o síndroma tão difícil de tratar. A experiência ensinou-lhes que não basta simplesmente falar para estabelecer uma conexão entre as velhas emoções e uma perspectiva mais fixada no presente. Eles sabem que até o facto de contar com o trauma vezes sem conta, só serve para agravar os sintomas. Sabem, enfim, que os medicamentos também não são muito eficazes.
Um Mecanismo de Auto-Cura no Cérebro
Todos nós passamos pela experiência de traumas com «t minúsculo» ao longo da vida. Contudo, a maior parte das vezes não desenvolvemos uma síndrome pós-traumática. Tal como o sistema digestivo retira dos alimentos o que é útil e necessita ao organismo e rejeita o resto, o sistema nervoso extrai informação útil - «a lição» - e desembaraça-se em poucos dias das emoções, dos pensamentos e da activação psicológica que já não são necessários uma vez passado o acontecimento.
Quer seja em função de intensidade do trauma ou da situação de fragilidade da vítima, um acontecimento doloroso torna-se então «traumatizante» no verdadeiro sentido do termo. Segundo a teoria do EMDR, em vez de ser digerida, a informação respeitante ao traumatismo vê-se então bloqueada, no sistema nervoso, gravada na sua forma inicial. As imagens, os pensamentos, os sons, os odores, as emoções, as sensações corporais e as convicções que se tiram sobre si próprio (não posso fazer nada, ele vai deixar-me) são armazenadas numa rede de neurónios que têm vida própria. Radicada no cérebro emocional, desligada dos conhecimentos racionais, esta rede transforma-se numa massa de informação não tratada e disfuncional que a mínima recordação, do traumatismo inicial é suficiente para reactivar.
As Recordações do Corpo
Uma recordação gravada no cérebro pode ser estimulada a partir de qualquer dos seus constituintes. Um computador necessita de uma morada exacta para encontrar o que está na sua memória. Ao invés, o acesso a uma recordação no cérebro faz-se por analogia: qualquer situação que nos lembra um aspecto de uma coisa qualquer que vivemos pode bastar para evocar a recordação completa.
A força do EMDR advém do facto de ele evocar em primeiro lugar a recordação traumática com os diferentes componentes – visual, emocional, cognitivo e físico (as sensações do corpo) - estimulando depois o «sistema adaptativo de tratamento da informação», que não conseguiu, até aí, digerir a marca disfuncional.
Os movimentos oculares comparáveis aos que têm lugar espontaneamente durante o sono dos sonhos são supostos fornecer a assistência necessária ao sistema natural de cura do cérebro para que este termine o que não pôde fazer sem ajuda externa. Do mesmo modo que certos remédios naturais e plantas conhecidos há séculos pela sua capacidade no activar dos mecanismos naturais de cura do corpo na sequência de um traumatismo físico – os movimentos oculares do EMDR são supostos ser um mecanismo natural que acelera a cura após um traumatismo psicológico. (Pág. 79)
6. O EMDR em Acção
(Neste capítulo o autor relata o caso de uma actriz que se encontrava aterrorizada ao ser-lhe diagnosticado um cancro num rim. Na sua primeira série de movimentos oculares, ela reviveu com emoção o terror dos seus seis anos de idade. – em que tinha sido violada pelo pai.
Na série de movimentos oculares seguinte, foi a emoção que se transformou. O medo transformou-se numa cólera justificada. Sessenta minutos passados ela havia passado do terror de uma criança violada à aceitação e até à compaixão para com o agressor. Uma vez resolvido este trauma, bem como alguns outros, ela descobriu uma força interior de cuja existência nunca tinha suspeitado, nem pensado que um dia poderia vir a dispor dela. Enfrentou a doença, e a possibilidade da morte, com a maior serenidade. Passou a colaborar totalmente com os médicos. Três anos depois daquelas poucas sessões, ela está mais viça do que nunca.)
As Crianças do Kosovo
(O autor refere que o trabalho do sistema adaptativo de tratamento da informação é ainda mais rápido nas crianças. Apresenta o seu comprovativo com crianças da guerra do Kosovo, onde as mesmas assistiram à morte dos pais, violações, etc, e entretanto reagiram rapidamente após a aplicação do EMDR).
A Batalha do EMDR
Uma das coisas mais curiosas na história do desenvolvimento do EMDR é a resistência que lhe opõem a psiquiatria e a psicanálise. Os resultados obtidos com o EMDR eram de tal forma impressionantes que três «mega-estudos» - isto é, estudos de todos os estudos publicados – concluíram que o EMDR era pelo menos tão eficaz como o melhor tratamento existente, mas que parecia ser também o método mais bem tolerado e mais rápido de todos.
No entanto o EMDR continua a ser descrito como um método controverso na maior parte dos círculos universais Americanos.
O EMDR e o Sono dos Sonhos
É um facto que continuamos sem compreender de que modo o EMDR produz estes resultados que tanto impressionam quem os utiliza. É evidente que há muitas coisas a descobrir sobre o sistema adaptativo de tratamento da informação e sobre as diferentes maneiras de o ajudar a fazer o seu trabalho de digestão, ou de acelerá-lo. Entretanto, o EMDR ganha terreno rapidamente graças à acumulação de estudos científicos que demonstram a sua utilidade. Actualmente, o EMDR é oficialmente reconhecido como um tratamento eficaz para o ESP1 nos Estados Unidos. (Pág. 95)
A Cicatriz da Dor
Ao fim de um ano de amor idílico, Pierre, o homem com quem Sara tinha a certeza de se ir casar, abandonou-a abruptamente. Nem uma nuvem ensombrava a relação. Os seus corpos pareciam feitos um para o outro e os seus espíritos vivos e curiosos estavam de acordo em tudo. Ela amava tudo nele, o cheiro, a voz, o riso que irrompia a cada passo. O futuro deles juntos parecia traçado. Mas um dia Pierre bateu à porta com uma carta fria e dura na mão que dizia as palavras que ela não conseguia pronunciar. Tinha reatado com uma antiga companheira, católica praticante como ele, e era com ela que ia casar. A sua decisão, escrevia ele, era definitiva.
Depois disso, Sara não voltou a ser a mesma. Ela que sempre fora forte como uma rocha, começou a ter pequenas crises de ansiedade à mínima recordação do que se havia passado. De vez em quando, sem qualquer razão, tinha «flashes»: via diante dos olhos o momento terrível. De noite, sonhava muitas vezes com Pierre, sobretudo com a partida dele, e acordava muitas vezes sobressaltada. Já não se vestia da mesma maneira, já não andava da mesma maneira, não sorria da mesma maneira. E durante muito tempo foi incapaz de falar no que lhe tinha acontecido. Quer por vergonha – como é que podia ter-se enganado daquela forma? – quer porque à mínima evocação desatava a chorar
Como a história de Sara mostra – e como todos nós sabemos mais ou menos directamente -os acontecimentos muito dolorosos deixam uma marca profunda no nosso coração. Um estudo do Departamento de Psiquiatria da Universidade de Harvard permite ver com o que se parece essa marca. Nesse estudo, pedia-se aos doentes que tivessem sofrido um trauma emocional que ouvissem a descrição do que lhes tinha acontecido enquanto se iam gravando as reacções dos seus cérebros num scanner com emissões de positrões (PET scanner). Tal como Sara, todas aquelas pessoas sofriam daquilo a que os psiquiatras chamam o «estado de stress pós-traumático» (ou ESPT). O scanner permite visualizar as partes do cérebro que se encontram activas ou desactivas durante aqueles minutos de terror reavivado. Os resultados eram elucidativos: a região das amígdalas, o núcleo reptilíneo do medo no centro do cérebro emocional era claramente activada.
Os psiquiatras e os psicanalistas sabem-no bem: as cicatrizes deixadas no cérebro pelos acidentes mais difíceis da vida não se apagam facilmente. Acontece os pacientes continuarem a ter sintomas passados dezenas de anos sobre o trauma inicial. Sobretudo um estudo recente, a maioria das mulheres que sofrem de um ESPT na sequência de uma agressão (a maior parte das vezes uma violação ou então um roubo), continua a preencher os critérios rigorosos deste diagnóstico passados dez anos. O mais intrigante é que a maior parte destes pacientes sabe perfeitamente que não se deviam sentir tão mal. Eles têm consciência, é claro, de que a guerra acabou, de que a violação é apenas uma recordação, mesmo que essa recordação seja horrível. Eles sabem que já não correm perigo. Sabem-no, mas não o sentem.
Uma Marca Indelével
Mesmo sem ter sofrido esses traumas «com T maiúsculo» aos quais se aplica o diagnóstico de ESPT, conhecemos o fenómeno por inteiro por termos vivido múltiplos traumas com «t minúsculo». Quem não foi humilhado por um professor com mau feitio? Quem é que um dia não foi abandonado (a) pelo (a) namorado (a) ?. Num registo um pouco mais sombrio, muitas mulheres sofrem abortos naturais, muita gente fica sem emprego de forma brutal, sem falar nas inúmeras pessoas que têm dificuldade em ultrapassar o divórcio ou a morte de uma pessoa de família.
Situações destas, pensamos e voltamos a pensar nelas; ouvimos os conselhos dos amigos e dos pais; lemos artigos nos jornais; até talvez cheguemos ao ponto de comprar um livro sobre o assunto. Tudo isso ajuda, muitas vezes bastante, a pensar sobre a situação e sabemos perfeitamente o que devíamos sentir agora que ela já ficou para trás. No entretanto, estamos como que encurralados: andamos a reboque das nossas emoções; elas agarram-se ao passado muito depois de a nossa visão racional da situação ter evoluído. O homem que teve um acidente de automóvel continua a sentir-se desconfortável e tenso quando circula na estrada, apesar de saber que há anos que conduz por ali para regressar a casa sem problemas. A mulher que foi violada continua a sentir-se bloqueada quando se encontra na cama com um homem de quem gosta, apesar de a afeição que sente por ele e do seu desejo de intimidade física não suscitar qualquer dúvida no seu espírito. Tudo acontece como se as partes do cérebro cognitivo que contêm todo o conhecimento apropriado não conseguissem entrar em contacto com as partes do cérebro emocional marcadas pelo trauma, as quais continuam a evocar as emoções dolorosas.
E o recordar das emoções dolorosas, fazem a pessoa sentir-se, ainda que passados alguns anos, pior do que pouco à vontade...
De facto, as cicatrizes emocionais do cérebro límbico parecem sempre prontas a manifestar-se desde que a vigilância do nosso cérebro cognitivo e a sua capacidade de controlo enfraqueçam, mesmo temporariamente. O álcool, por exemplo, impede o córtex pré-frontal de funcionar normalmente. É por isso que nos sentimos desinibidos assim que bebemos de mais. Mas é precisamente por essa mesma razão que quando nos magoam ou somos traumatizados pela vida, corremos o risco, sob o efeito do álcool, de interpretar uma situação benigna como se fossemos agredidos, uma vez mais e de reagir violentamente o que pode igualmente acontecer quando estamos simplesmente cansados ou demasiado distraídos com outras preocupações para manter sob controlo o medo impresso no nosso cérebro emocional.
O Movimento dos Olhos Quando Sonhamos
Os psiquiatras conhecem bem este aspecto do ESPT. Sabem que há uma desconexão entre os conhecimentos apropriados do presente e as emoções impróprias, resíduos do trauma passado... eles sabem que é isso que torna o síndroma tão difícil de tratar. A experiência ensinou-lhes que não basta simplesmente falar para estabelecer uma conexão entre as velhas emoções e uma perspectiva mais fixada no presente. Eles sabem que até o facto de contar com o trauma vezes sem conta, só serve para agravar os sintomas. Sabem, enfim, que os medicamentos também não são muito eficazes.
Um Mecanismo de Auto-Cura no Cérebro
Todos nós passamos pela experiência de traumas com «t minúsculo» ao longo da vida. Contudo, a maior parte das vezes não desenvolvemos uma síndrome pós-traumática. Tal como o sistema digestivo retira dos alimentos o que é útil e necessita ao organismo e rejeita o resto, o sistema nervoso extrai informação útil - «a lição» - e desembaraça-se em poucos dias das emoções, dos pensamentos e da activação psicológica que já não são necessários uma vez passado o acontecimento.
Quer seja em função de intensidade do trauma ou da situação de fragilidade da vítima, um acontecimento doloroso torna-se então «traumatizante» no verdadeiro sentido do termo. Segundo a teoria do EMDR, em vez de ser digerida, a informação respeitante ao traumatismo vê-se então bloqueada, no sistema nervoso, gravada na sua forma inicial. As imagens, os pensamentos, os sons, os odores, as emoções, as sensações corporais e as convicções que se tiram sobre si próprio (não posso fazer nada, ele vai deixar-me) são armazenadas numa rede de neurónios que têm vida própria. Radicada no cérebro emocional, desligada dos conhecimentos racionais, esta rede transforma-se numa massa de informação não tratada e disfuncional que a mínima recordação, do traumatismo inicial é suficiente para reactivar.
As Recordações do Corpo
Uma recordação gravada no cérebro pode ser estimulada a partir de qualquer dos seus constituintes. Um computador necessita de uma morada exacta para encontrar o que está na sua memória. Ao invés, o acesso a uma recordação no cérebro faz-se por analogia: qualquer situação que nos lembra um aspecto de uma coisa qualquer que vivemos pode bastar para evocar a recordação completa.
A força do EMDR advém do facto de ele evocar em primeiro lugar a recordação traumática com os diferentes componentes – visual, emocional, cognitivo e físico (as sensações do corpo) - estimulando depois o «sistema adaptativo de tratamento da informação», que não conseguiu, até aí, digerir a marca disfuncional.
Os movimentos oculares comparáveis aos que têm lugar espontaneamente durante o sono dos sonhos são supostos fornecer a assistência necessária ao sistema natural de cura do cérebro para que este termine o que não pôde fazer sem ajuda externa. Do mesmo modo que certos remédios naturais e plantas conhecidos há séculos pela sua capacidade no activar dos mecanismos naturais de cura do corpo na sequência de um traumatismo físico – os movimentos oculares do EMDR são supostos ser um mecanismo natural que acelera a cura após um traumatismo psicológico. (Pág. 79)
6. O EMDR em Acção
(Neste capítulo o autor relata o caso de uma actriz que se encontrava aterrorizada ao ser-lhe diagnosticado um cancro num rim. Na sua primeira série de movimentos oculares, ela reviveu com emoção o terror dos seus seis anos de idade. – em que tinha sido violada pelo pai.
Na série de movimentos oculares seguinte, foi a emoção que se transformou. O medo transformou-se numa cólera justificada. Sessenta minutos passados ela havia passado do terror de uma criança violada à aceitação e até à compaixão para com o agressor. Uma vez resolvido este trauma, bem como alguns outros, ela descobriu uma força interior de cuja existência nunca tinha suspeitado, nem pensado que um dia poderia vir a dispor dela. Enfrentou a doença, e a possibilidade da morte, com a maior serenidade. Passou a colaborar totalmente com os médicos. Três anos depois daquelas poucas sessões, ela está mais viça do que nunca.)
As Crianças do Kosovo
(O autor refere que o trabalho do sistema adaptativo de tratamento da informação é ainda mais rápido nas crianças. Apresenta o seu comprovativo com crianças da guerra do Kosovo, onde as mesmas assistiram à morte dos pais, violações, etc, e entretanto reagiram rapidamente após a aplicação do EMDR).
A Batalha do EMDR
Uma das coisas mais curiosas na história do desenvolvimento do EMDR é a resistência que lhe opõem a psiquiatria e a psicanálise. Os resultados obtidos com o EMDR eram de tal forma impressionantes que três «mega-estudos» - isto é, estudos de todos os estudos publicados – concluíram que o EMDR era pelo menos tão eficaz como o melhor tratamento existente, mas que parecia ser também o método mais bem tolerado e mais rápido de todos.
No entanto o EMDR continua a ser descrito como um método controverso na maior parte dos círculos universais Americanos.
O EMDR e o Sono dos Sonhos
É um facto que continuamos sem compreender de que modo o EMDR produz estes resultados que tanto impressionam quem os utiliza. É evidente que há muitas coisas a descobrir sobre o sistema adaptativo de tratamento da informação e sobre as diferentes maneiras de o ajudar a fazer o seu trabalho de digestão, ou de acelerá-lo. Entretanto, o EMDR ganha terreno rapidamente graças à acumulação de estudos científicos que demonstram a sua utilidade. Actualmente, o EMDR é oficialmente reconhecido como um tratamento eficaz para o ESP1 nos Estados Unidos. (Pág. 95)
7. A Energia da Luz: Regular o Relógio Biológico
A aurora põe o homem em marcha,
e põe-nos também a trabalhar
Hesíodo
Todos os Ritmos do Corpo
O ciclo do sono não é o único a ser controlado pela alternância do dia e da noite. Vários outros ritmos biológicos seguem este ciclo de vinte e quatro horas. A temperatura do corpo, no ponto mais baixo de manhã, sobe por volta do fim do dia de actividade (18h ou 19h), antes de voltar a baixar. A secreção de diferentes hormonas como o cortisol, a hormona principal do stress, obedece a um ritmo de vinte e quatro horas. Os sucos gástricos e a actividade do sistema digestivo seguem, também eles, um ritmo ao longo do dia. Normalmente, todos estes ritmos estão alinhados uns em relação aos outros: a temperatura e o cortisol começam a aumentar de manhã, com o acordar, e as funções intestinais correspondem ao ritmo de três refeições diárias, ficando depois em descanso durante o sono.
Mesmo a tendência para sonhar tem o seu próprio ritmo – que é independente do ritmo do sono. Sonhamos sobretudo na segunda parte da noite, algumas horas antes da hora habitual de acordar. O hipotálamo é extremamente sensível à luz. Ele é biologicamente feito para aceitar o corpo e o cérebro ao ritmo das estações, vigiando de perto o alongar ou o encurtar dos dias. Quando ele está orientado correctamente, o controlo do hipotálamo na secreção das hormonas e dos seus neurotransmissores é extremamente preciso. Por exemplo: a melatonina (a hormona do sono), começa à noite alguns minutos antes do apagar das luzes se este ocorrer à hora habitual. Continua durante a noite e, de manhã, interrompe-se em poucos segundos à mínima exposição da luz. O cérebro recebe o sinal da aurora matinal, mesmo com as pálpebras fechadas.
Simular Uma Aurora Natural
São sete horas e é noite cerrada. O toque do despertador rasga a tranquilidade e interrompe o sonho. Com as pálpebras pesadas, você dirige a mão para o intruso a fim de o obrigar a calar-se. O dia começa mal. Mas que fazer? Pois bem, ligar um aparelho muito simples ao seu candeeiro da sua mesa de cabeceira. Quer levantar-se às sete horas da manhã? A partir das seis horas e um quarto, o aparelho começa a iluminar o quarto. Suavemente, ele simula a aparição – primeiro muito lentamente e depois um pouco mais depressa – da luz do seu novo dia. Os seus olhos, mesmo fechados, são muito sensíveis a esse sinal, que é o desencadeador do despertar para todas as espécies animais desde a noite dos tempos. Foi este sinal que o cérebro emocional aprendeu a reconhecer ao longo de milhões de anos de evolução. O nosso cérebro e o nosso corpo estão completamente adaptados a este sinal de alvorada. Assim que surgem os primeiros raios de luz através das nossas pálpebras fechadas, por mais fraca que ela seja, o hipotálamo (porção da parte central do «Encéfalo» que regula a temperatura do corpo, e, em certa medida, as funções dos órgãos internos. «Encéfalo», é a massa de tecido nervoso mole contida pelo crânio que constitui o centro do sistema nervoso. É formado por biliões de células, sendo o seu peso total cerca de 1,3kg ) recebe a mensagem de que é tempo de organizar uma transição para fora do sono. Deste modo, o despertar faz-se naturalmente e com suavidade, sem interromper um sonho, que terá compreendido que tem de terminar por si próprio. A secreção matinal de cortisol desencadeia-se, a temperatura do corpo inicia a sua ascensão diária. Quando a intensidade de luz aumenta mais um pouco, a actividade eléctrica do cérebro que caracteriza o sono profundo inicia também ela a transição para o modo de sono leve e depois do despertar completo.
Um dos aspectos mais fascinantes da simulação da aurora é sem dúvida o facto de ela poder ser benéfica para todos nós, quer se esteja deprimido ou não, stressado ou não. E até é possível que esta nova tecnologia – praticamente transparente uma vez que não necessita de nenhuma modificação dos nossos hábitos de vida – influa em muitos outros sintomas para além das variações sazonais do humor e dos despertares difíceis.
A luz é capaz de influenciar todos os nossos ritmos biológicos, incluindo os do cérebro emocional. Mas existem outras maneiras de agir sobre a troca de energia entre o corpo e o cérebro, métodos cujos efeitos na depressão e na ansiedade se verificam há perto de cinco mil anos na medicina tradicional chinesa e tibetana. Apesar da sua incrível simplicidade e elegância, estes sistemas de intervenção no equilíbrio emocional só agora começam a ser reconhecidos pela ciência ocidental. Há no entanto muitíssimo a aprender sobre a sua misteriosa eficácia. (Pág.107)
Nota: Paul MacLean, em seu livro “The Triune Brain in evolution: Role in paleocerebral functions”, discute o fato de que nós, humanos/primatas, temos o cérebro dividido em três unidades funcionais diferentes. Cada uma dessas unidades representa um extrato evolutivo do sistema nervoso dos vertebrados. (in Wikipédia)
(Do Livro «Curar» do Dr. David Schreiber)
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