segunda-feira, 26 de outubro de 2009

O tocador do eterno sorriso


Já aqui tínhamos dado destaque ao falecimento dessa grande figura da Viola Campaniça que foi Francisco António, como reconhecimento e homenagem, aliás bem merecida. Tivemos entretanto a agradável surpresa de ver no nosso Blog um comentário de reconhecimento de sua neta, Sophia Vilhena, residente algures no Brasil. Deparando-se-nos agora no Diário do Alentejo um registo magnífico do jornalista João Matias sobre este saudoso alentejano, não resistimos em vir aqui deixá-lo.

Francisco António formou com Manuel Bento e Perpétua Maria o trio responsável pelo ressurgimento da viola campaniça nos anos 80 e 90; conhecedor do reportório tradicional, tocou e deu voz às gravações que José Alberto Sardinha deu a conhecer ao País; foi o primeiro professor de Pedro Mestre
João Matias texto


Com o desaparecimento de Francisco António - que faleceu na semana passada em Ourique-Gare - perdeu-se um dos dois maiores tocadores de viola campaniça da sua geração. O outro é Manuel Bento.

Francisco António, de 81 anos, era natural de Aldeia Nova, Ourique, e lá viveu até 1970, quando a população da localidade se viu obrigada a mudar por causa da barragem do Monte da Rocha, que se encheria no ano seguinte. Era o mais novo de 10 irmãos e herdou do pai o gosto pela música. "Era melhor a cantar do que a tocar", testemunha o seu sobrinho Manuel Bento (mais velho três anos do que o tio), acrescentando que a vontade de tocar só lhe surgiu por volta dos 15 anos: "Um dia, o pai dele, que era meu avô, decidiu oferecer-me a sua viola porque o filho não a usava. Só que pouco depois o Francisco António quis aprender a tocar e o pai foi obrigado a comprar outro instrumento".

Bailes de Aldeia Nova
Os bailes da Aldeia Nova eram famosos, pois havia vários tocadores: "Éramos sete para pouco mais de 120 habitantes", assegura Manuel Bento, e muita gente vinha dos montes em redor para participar.
Francisco António cantava muito bem e, para além da campaniça, também tocava harmónica, ou "flaita", como se diz em alguns lugares. E não se ficava pela sua aldeia, saindo pelos povoados das redondezas. "Estava sempre pronto para a música, tinha uma disposição incrível para tocar e cantar", assegura o sobrinho. E, às vezes, nem era preciso levar instrumentos, pois era comum os montes e tabernas da região possuírem uma viola para que quem chegasse pudesse tocar e, claro, cantar. Nesse tempo muita gente tocava e havia homens que deixaram nome pelas feiras, tais como Norberto "Cego", Francisco Maria Amaro ou "Laranjinha", todos mais velhos que Francisco António.

Tocadores separados
Um dia, porém, Aldeia Nova perdeu os seus habitantes, que tiveram de se mudar por causa da barragem, e os tocadores espalharam-se por diversas localidades. Francisco António foi para Ourique-Gare, Manuel Bento para a Funcheira, outros estabeleceram-se em lugares diferentes. Esta separação, aliada à generalização da harmónica e do harmónio, levaram a campaniça a entrar em decadência. Francisco António não parou de tocar, mas fazia-o apenas para si. Vivia de comprar e vender ovos, fazer pão mas, a par da sua motorizada, não gostava de se separar da viola. Nesse tempo a viola alentejana era, por estas bandas, apenas conhecida pela "viola". Foi Ernesto Veiga de Oliveira que lhe deu o nome de "campaniça", por ser do campo e para a distinguir, por exemplo, da braguesa, que é da região de Braga, e de outras. O nome chegaria ao Alentejo através de José Alberto Sardinha, já nos anos 80 do século XX.

A campaniça é descoberta
Com a morte dos tocadores mais velhos e a paragem dos mais novos, a viola alentejana quase deixa de se ouvir. Até que, em finais da década de 70, o jornalista da RDP, Rafael Correia, a "descobre". Numa das suas notabilíssimas edições do programa "Lugar ao Sul" (que inexplicavelmente cessou em Agosto deste ano), grava com os mestres tocadores. As velhas modas são divulgadas para o País inteiro e pouco depois, no início dos anos 80, o estudioso José Alberto Sardinha encontra Francisco António, Manuel Bento e todos os que pode localizar. Francisco António é fundamental para este trabalho, uma vez que conhece muito bem todo o cancioneiro e demonstra grande disponibilidade para o gravar. "Ele deixava tudo para tocar e cantar", confirma Pedro Mestre - o melhor e mais famoso tocador de campaniça da actualidade. Foi com Francisco António que Pedro Mestre aprendeu os primeiros acordes da viola de arames: "A minha mãe e a minha madrinha levavam-me a casa dele para aprender e ele ensinava-me com muito gosto", lembra.

O disco
Do trabalho de Sardinha nasceu o disco "Viola Campaniça, o outro Alentejo". Nesse vinil também aparece a voz de Perpétua Maria, a esposa de Manuel Bento. O disco junta um trio que se tornaria famoso nos anos seguintes: Francisco António, Manuel Bento e Perpétua Maria. Os três rompem as fronteiras regionais e saem pelo País inteiro a cantar. A campaniça, que chegara à rádio através do programa de Rafael Correia e do disco de José Alberto Sardinha, chegava agora aos palcos. A televisão vem depois, no programa "Cornélia". É então que surge outra pessoa muito importante para a divulgação da campaniça e, consequentemente, para Francisco António: José Francisco Colaço Guerreiro, presidente da Cortiçol e autor do programa "Património" da Rádio Castrense. Partindo do disco, ele vai à procura, não só dos protagonistas da gravação, mas de todos os tocadores que consegue localizar. Encontra-os, grava e divulga as suas músicas na rádio. Com Francisco António tem várias histórias: "Quando o conheci, ele já ia nos 60 anos. Perguntei-lhe se havia outros tocadores e ele disse-me que tinha um sobrinho chamado Manuel Bento que morava na Funcheira. Óptimo, pensei, há alguém mais novo. Meti-me no carro e pus-me a caminho da aldeia. Logo à entrada da povoação dei com um senhor já de uma certa idade e perguntei-lhe se conhecia o tal Manuel Bento. ‘Conheço', respondeu-me, ‘sou eu'. Fiquei surpreendido pois não imaginava que o sobrinho fosse mais velho do que o tio".

O trio desfaz-se

Em 1997 dois golpes duros desfizeram o trio: primeiro morreu Perpétua Maria, esposa de Manuel Bento e cinco meses depois deram-se as terríveis cheias no Alentejo, que expulsaram da Funcheira o mestre que enviuvara há pouco. Os desgostos fizeram com que Manuel Bento parasse de tocar, o que levou Francisco António a encontrar novos parceiros - Mariana Maria, Maria Inácia, Alice Maria, António José Bernardo e Amílcar Silva passam a tocar e cantar com ele, não deixando morrer o "Grupo de Viola Campaniça". Manuel Bento regressará mais tarde, quando Francisco António já dava sinas da doença que lhe consumiria a última dúzia de anos de vida: Alzheimer. O grupo mantêm-se até hoje, renovado com o extraordinário talento de Pedro Mestre e mantendo a participação de Manuel Bento. Lucinda Mestre e Evangelina Torres (mãe e madrinha de Pedro), Ana Valadas e Márcio Isidro são os outros elementos desta formação que equilibra juventude e inovação, experiência e tradição. O legado de Francisco António está vivo.

Eterno sorriso
Regressando à década de 90, o tocador de Ourique-Gare está com Alzheimer mas não perde a disponibilidade e muito menos o prazer de tocar e cantar. Pedro Mestre prossegue a aprendizagem com Manuel Bento mas nunca deixa de visitar o seu primeiro professor: "Francisco António era do melhor que pode haver na natureza humana - quando chegava a casa dele com a viola, largava tudo e arranjava tempo para tocar. E sempre com um sorriso".

Colaço Guerreiro acentua a faceta: "Ele tinha um enorme entusiasmo para tocar. Sempre que eu lhe pedia para ir a algum lado, punha-se logo a contar os dias que faltavam para o espectáculo".

O mestre foi sepultado em Casével, sede da freguesia de Ourique-Gare, a aldeia do concelho de Castro Verde onde passou a última metade da vida. Apesar de não ser natural do município, Castro Verde sempre lhe deu muita atenção e homenageou-o, tendo sido nele que se inspirou quando colocou um tocador de viola campaniça no monumento ao cante que se encontra à entrada do lugar onde agora repousa.

domingo, 25 de outubro de 2009

Mudança de hora



Entrou esta madrugada em vigor o horário de Inverno, que se prolongará até Março de 2010.


Assim, quando eram 02:00, os ponteiros do relógio voltaram para a 01:00.


Este é o dia mais longo do ano, com 25 horas...


Será que chegam para os mais ocupados?

sábado, 24 de outubro de 2009

Viver Depois dos 60 Anos (2 - final)


O Velho Continente
Qual é a situação na Europa?
Actualmente, atingindo apenas 400 milhões de habitantes, já não é senão uma pequena península de ricos num oceano de pobres. Mas esta península está, a partir de agora, cada vez mais povoada de velhos!
Para o demógrafo, uma população envelhece quando a proporção dos que têm mais de 60 anos aumenta no seio da população global, e simultaneamente a relação entre o número de jovens e o das pessoas com mais de 60 anos cresce igualmente. Verificamos que 60 anos é a idade mágica e «emblemática», que define a passagem sem dor para a categoria das «pessoas de idade».

O Envelhecimento em Todos os seus Estádios
Da Natureza à Cultura
Para o biólogo, o envelhecimento é um fenómeno natural, universal e necessário, e o homem envelhece do mesmo modo que o animal. Mas será que o homem, neste ponto, não difere verdadeiramente dos outros animais?
Não podemos assim limitarmo-nos aos aspectos fisiológicos para estudar o envelhecimento humano. É preciso integrar nele todas as alterações que não são de origem biológica e que surgem ao longo do tempo.
Numerosos factores estranhos à espécie e à idade podem intervir neste envelhecimento. Citemos a título de exemplo o que resulta do acaso ou do acidente. Não se envelhece da mesma maneira se se fica paralisado aos 30 anos na sequência de um acidente rodoviário ou se se conserva o uso dos seus quatro membros. As mudanças de vida que provêm da acção individual têm igualmente um papel a desempenhar no envelhecimento.
Todos os acontecimentos de uma vida, quer sejam históricos, políticos, económicos ou tecnológicos, influenciarão e orientarão o seu desenrolar.
Tendo em conta todos estes elementos, se retomarmos a análise deste fenómeno, uma das primeiras constatações é a seguinte: o envelhecimento é diferencial. O que significa isto? Simplesmente que cada um de nós envelhece de um modo particular, diferente do modo dos outros.
As diferenças aparecem segundo a geografia: não se envelhece da mesma maneira nos pólos e no equador, à beira-mar e na montanha; segundo o nível económico do País: não há nada em comum entre envelhecer num País pobre e um País rico, um País industrializado e um País agrícola; segundo a cultura: o estatuto, dito de outro modo o lugar e o papel reconhecidos à pessoa de idade diferem notavelmente de uma sociedade para outra; segundo o sexo e a classe social à qual se pertence, etc.
Quaisquer que sejam os países, o século e a cultura às quais nos refiramos, a velhice é um mundo em si, com os seus valores, as suas alegrias e os seus sofrimentos.
Teremos a Idade das Nossas Artérias?
De modo ainda mais preciso e individual, o nosso organismo envelhece de modo diferencial; podemos ter um sistema digestivo de 40 anos, e um aparelho circulatório de 80; dito de outro modo e mais banalmente, o estômago de um indivíduo jovem e pernas de velhote. Refinamento supremo, podemos dispor de uma perna de 40 anos e de outra de 80!
Envelhecemos organicamente «na desordem» e sem nenhuma harmonia. Isto leva-nos a verificar que a noção de idade não tem grande sentido, e que é muito aventuroso pretender que tal pessoa é velha em função da sua data de nascimento; porque enfim a que nos referimos para o afirmar? À pernas pouco firmes, ou ao coração que continua sólido apesar dos anos?
A única coisa que podemos permitir-nos avançar é isto: passados os 60 anos, restam menos anos para viver do que anos já vividos.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) esforçou-se por enquadrar e definir as diferentes fases da velhice classificando as idades: idade média de 45 a 59 anos; idade madura dos 60 aos 79 anos; idade avançada dos 80 aos 89 anos; grande idade a partir dos 89 anos.
Qualquer que seja a terminologia utilizada, o grupo das pessoas de idade é um grupo social muito vasto, sem nenhuma homogeneidade, e onde se encontram gerações que não têm nem a mesma história, nem a mesma experiência de vida, nem os mesmos recursos, nem o mesmo futuro.
O Envelhecimento Intelectual
O envelhecimento intelectual é fonte de grandes inquietações nas pessoas que começam a envelhecer. A doença de Alzheimer vagueia nos espíritos, e os números mais sombrios circulam sobre a perda do número de neurónios que sofremos à medida que envelhecemos.
Podemos dizer desde já, para nos sossegar, que se é verdade que existe de facto uma redução do volume cerebral no decorrer dos anos, este processo é tardio e pouco importante, da ordem dos 2 por cento por cada 10 anos a partir dos 50 anos.
O nosso cérebro dá-nos a posse, não só de um instrumento maravilhoso, mas também de um instrumento muito mais resistente ao envelhecimento do que nos acostumámos a considerar. É preciso que nos convençamos desta verdade: o nosso cérebro só se gasta se não nos servirmos dele!
0 essencial é lembramo-nos sempre que, no domínio intelectual, perde-se pelo não uso e não pelo abuso. O exercício intelectual é indispensável à vida mental, e a sua penúria, a falta de estimulação do pensamento, têm efeitos devastadores, qualquer que seja a idade dos indivíduos.
O estudo dos processos cognitivos nas pessoas idosas é provavelmente mais delicado no que nas faixas etárias menos elevadas, porque o peso dos hábitos, dos constrangimentos, dos condicionamentos, das alienações de origem económica e social é mais importante, tendo em conta o tempo durante o qual este imprimiu a sua marca.
A Dinâmica Psíquica do Envelhecimento
A personalidade do indivíduo está submetida no decurso da idade a uma série de grandes perturbações. Como é que se pode pretender que a pessoa idosa se adapta mal, ou não se adapta de modo nenhum às mudanças, quando o seu meio interno e externo sofre profundas modificações? Para ela, a necessidade absoluta é a de se acomodar, e ela fá-lo.
Uma das consequências destas adaptações é uma modificação em profundidade do ideal do eu, esta instância psíquica com a qual mantemos um diálogo interior, confrontando os nossos actos e as nossas ambições com o ideal que gostaríamos de alcançar. Este ideal constituiu-se em referência a modelos reais (parentes, amigos, professores, celebridades) ou imaginárias (personagens de romances ou de filmes), materiais de um ideal do eu que em princípio não era inacessível.
Um segundo factor molda o psiquismo da pessoa de idade e faz com que sofra uma tensão que se exerce a partir de dois pólos opostos e se desenvolve numa linha de força onde se confundem os aspectos fisiológicos, sociais e afectivos: é o eixo «estreitamento do espaço/distanciamento».
Quando falamos de estreitamento do espaço atribuímos a este último diferentes qualidades. Em primeiro lugar, o espaço motor que se reduz por causa dos atentados em relação à motricidade. Os percursos das pessoas de idade diminuem progressivamente: da travessia da cidade passam à volta ao quarteirão, depois ao vai e vem dentro de casa, para terminar nos poucos passos que separam o cadeirão da cama.
Com a chegada da surdez, o espaço auditivo é atingido; numerosos sons escapam à pessoa de idade, perdem-se. O espaço visual torna-se pouco nítido ,quanto ao espaço espaço mental, o campo coberto pelos interesses intelectuais empobrece, é uma das consequências da perda dos papéis. Enfim, o espaço-tempo encurta-se, implacavelmente; a consciência de «não ter já tempo» esvazia o futuro. De facto, os espaços não somente diminuíram, mas também ficaram desertos. Vêem-se menos coisas; escutam-se menos sons; encontram-se menos pessoas; vive-se num território menos extenso.
O segundo processo em movimento com a idade é o distanciamento. Se retomarmos a nossa enumeração precedente, verificamos que as dificuldades motoras alongam as distâncias: o que estava próximo torna-se longínquo, porque o tempo necessário para o percurso aumenta; o enfraquecimento muscular aumenta os pesos e as coisa tornam-se tão pesadas que renunciamos a manuseá-las; o que está no alto torna-se inacessível. O mundo material afasta-se, foge; temos cada vez menos controlo sobre ele.
O distanciamento fisiológico tem ressonâncias sobre o mental e provoca um distanciamento psíquico e afectivo que atinge igualmente a memória. Esta, que tem dificuldade em registar novas aquisições, encontra com facilidade as recordações de acontecimentos distantes. Podemos mesmo dizer que a velhice é a hora da escolha – o que pode parecer paradoxal -, e é esta escolha que dará aos últimos anos de vida sentido e valor.
Se o indivíduo não conseguir mobilizar energia suficiente para ultrapassar as suas deficiências físicas, ir-se-á refugiar na doença e em maleitas de toda a natureza. Alguns encontram nisso um equilíbrio. O seu tempo é de novo pautado por imperativos (os medicamentos a tomar a horas fixas), é preenchido com contactos sociais (visitas do, ou ao médico, ao oculista, ao farmacêutico, etc) e pode mesmo ser entrecortado por viagens (as curas) se o estado geral o permitir.
Outros, convencidos que a sociedade está em dívida para com eles, vão utilizar os recursos da protecção social. São os especialistas dos cartões de todas as espécies e de todas as cores. Fazem com que todos os seus direitos sejam cumpridos, reivindicam com facilidade e recorrem a todas as concessões sociais que a idade lhes dá acesso. Também eles reencontraram um estatuto e um papel, mas dependentes estreitamente do sistema social.
Os últimos, enfim, preocupam-se com o seu destino. Escolheram prosseguir com o seu desenvolvimento e tornando-se assim autores de si próprios, utilizam a energias psíquica para compensar as perdas, conquistar a autonomia e continuar a ser criadores de cultura até ao último sopro.
Uns e outros encontraram o seu caminho, e não cabe a ninguém prodigalizar-lhes louvores ou censuras.
Uma Nova personagem: a Mulher Idosa
Porquê determo-nos a propósito do envelhecimento feminino? Não por razões de militantismo feminista, mas muito simplesmente porque o seu percurso é profundamente diferente do dos homens. Com efeito, a mulher tem um envelhecimento especial. Experimenta, mais do que o homem, o peso das normas ligadas à idade, é sempre considerada velha mais cedo do que os homens.
É certo que as mulheres sofrem as mesmas transformações corporais do que os seus companheiros: embranquecimento dos cabelos, perda dos dentes; diminuição da capacidade respiratória; surdez, etc, numa palavra tudo o que a idade se encarrega de fazer sofrer ao nosso organismo. No entanto, para além destas semelhanças, as mulheres vivem uma série de acontecimentos que fazem do seu envelhecimento uma aventura e um trajecto particulares.
A mulher de idade tornou-se uma personagem da nossa sociedade porque é a primeira vez na história da humanidade que tantas mulheres desafiam os anos.
A Longevidade
«O mundo dos velhos é um mundo de velhas»
é o primeiro elemento que torna específico o envelhecimento feminino. Nos países industrializados as mulheres têm à nascença uma esperança de vida superior em nove anos, em mediam à dos homens. Procurou-se explicar esta diferença, mas todas as razões evocadas, se esclarecem em parte o fenómeno, não o justificam inteiramente.
Ao nascer, há mais meninos que meninas: cento e cinco para os primeiros e cem para as segundas, mas, à medida que os anos passam, esta diferença diminui, e acaba mesmo por se inverter, na grande idade, conta-se correntemente mais mulheres do que homens. Os responsáveis de estabelecimentos para pessoas de idade são confrontados quotidianamente com esta situação, e um dos ditados próprios da gerontologia é o seguinte: «o mundo dos velhos é um mundo de velhas»!.
O facto está aí, e é preciso reconhecê-lo; as condições de vida não chegam para justificar os anos de vida suplementar acordados ao sexo feminino. Podemos perguntarmo-nos porquê, qual a razão profunda desta mortalidade masculina superior.
A menopausa
A menopausa é um acontecimento importante na vida da mulher. Enfrenta-o em geral sozinha, revelando-se o seu companheiro incapaz de compreender o que quer que seja que se passa com ela.
A menopausa é o fim de um ciclo e, apesar da evolução da ginecologia, dos costumes, do estatuto feminino, pode provocar perturbações físicas e psíquicas. Se a medicina atenua algumas destas perturbações, os estados depressivos que exprimem outros mal-estar, são raramente objecto de um cuidado especial.
A menopausa que liberta definitivamente a mulher dos constrangimentos ligados à maternidade, dá um novo significado ao tempo, e deixa-lhe uma quantidade de energia que não tem o hábito de utilizar para si própria.
Poucas mulheres no século precedente conheceram a menopausa: morriam antes. Hoje em dia, a contracepção, a longevidade, trazem consigo uma redução do tempo de vida consagrado à maternidade. As mulheres não são unicamente mães, daí, talvez, esta tendência para querer fazer delas avós.
Que a menopausa seja vivida como uma libertação ou que provoque uma crise excessiva, atinge de qualquer modo a mulher na força da idade, e informa-a que o seu tempo muda de natureza. Qualquer coisa morre nela; cada célula do seu corpo é disso informada; ei-la entrada na época do «nunca mais»; ela nunca mais terá filhos é um acontecimento de longo alcance psicológico que não pode senão modificar o modo de encarar a sua própria vida.
A Vida Solitária:
«Viúva és, viúva ficarás»
Esta terceira transformação do envelhecimento feminino é uma realidade à qual é difícil escapar. Com efeito, enquanto o viúvo se casa facilmente, a penúria dos homens de idade madura, junto à tendência masculina em interessar-se por uma parceira mais jovem, faz perder à mulher, que se tornou viúva à voltas dos 60 anos, qualquer esperança razoável de vida comum.
«Viúva és, viúva ficarás.» As estatísticas precisam-nos que, se entre os 60 e os 64 anos 21 por cento das mulheres são viúvas, esta percentagem atinge perto de 57 por cento nos 75/79 anos e 83% a partir dos 90 anos.
Contudo, a viuvez não é a única fonte de solidão. O desgaste dos anos faz-se sentir na vida conjugal, e numerosas mulheres, passados os 50 anos, encontram-se num lar de que o cônjuge desertou. Ao número de viúvas é preciso juntar o das divorciadas e das celibatárias, das quais nem todas o serão por gosto. Chega-se então a esta verificação: 33 por cento das mulheres de 75/79 anos e 96 por cento das mais de 90 anos vivem sós.
A penúria monetária é uma outra consequência da solidão feminina. Metade das pessoas idosas e sós vivem com um rendimento inferior ao salário mínimo.
A diferença de idade entre os sexos «em proveito» do homem está de tal modo arreigada nos nossos modelos sociais que uma diferença de dez anos entre um homem e a sua companheira não choca ninguém.
Finalmente, a melhor maneira de remediar estas dificuldades seria que os biólogos encontrassem a maneira de prolongar a vida dos homens. Todos os estudos demonstraram que o casamento «conserva», não somente por causa da sua rede de trocas afectivas, mas também porque permite fazer face mais facilmente às dificuldades materiais, graças, entre outras coisas, aos recursos mais importantes de que dispõe um casal.
Envelhecer... e as Suas Consequências
A Reforma
Os anos que se seguiram ao final da Segunda Guerra Mundial assistiram à emergência de uma nova classe social: os reformados. Esta parte da população não cessa de aumentar por causa do alongamento do tempo de reforma.
Com o contributo do aumento da longevidade, pode-se prever que uma pessoa na pré-reforma passará um terço da sua vida sem actividade profissional.
Dantes trabalhava-se, morria-se, era a lei habitual; viver sem trabalhar era um sonho inacessível antes de 1930.
Fixar numa idade arbitrariamente determinada a paragem de toda a actividade produtiva, não faz senão mascarar, sob o pretexto da natureza (a fadiga devido à idade) o que é um facto de cultura. O indivíduo é assim posto fora do circuito e, na lógica fundada sobre a produção, não é reconhecido quem já não é produtor.
Quais poderão ser as consequências deste afastamento? O vazio social criado pela perda do estatuto profissional provoca uma perturbação do equilíbrio psíquico que necessita de uma nova estruturação da personalidade, a busca de um novo centro de gravidade, de uma nova ancoragem.
No início, o reformado esgotado pelos trabalhos pesados não tinha uma grande esperança de vida; isto é cada vez menos verdade. O reformado está bem de saúde, mesmo muito bem.
Que fazer então? Espontaneamente os reformados procuram ocupar-se e aos poucos interessaram-se por outras actividades para além das lúdicas. Primeiro foram os cuidados consagrados ao corpo com a ginástica da terceira idade, depois, como isso não chegava para ocupar o tempo, floresceram as actividades manuais (modelagem, tecelagem, esmalte em cobre, etc), e por fim as actividades intelectuais com as universidades da terceira idade (criadas em França em 1973).
No entanto a saudade da vida profissional importunava numerosos reformados, particularmente os que tinham tido responsabilidades. No meio dos antigos quadros surgiu a ideia de pôr benevolamente os seus conhecimentos e as suas competências ao serviço dos países em vias de desenvolvimento, que não podiam, por não ter os meios, recorrer a peritos.
O trabalho não remunerado nasceu (em França) em 1974, e surgiram diversas associações para assegurar a ligação entre as ofertas dos reformados e as necessidades dos países em questão. Pouco a pouco abriu-se o leque, acolhendo engenheiros, professores, empregados e trabalhadores manuais. Os reformados organizaram assim uma forma de trabalho completamente original, inimaginável há alguns anos.
«Trabalho quando quero; como quero; com quem me convém e sem relação de autoridade», pode o reformado dizer. Qual seria o utopista que ousaria imaginar uma tal organização de trabalho!
Nem todos os reformados estão satisfeitos com esta possibilidade que não atinge, evidentemente, senão um número reduzido de indivíduos. Nem toda a gente tem o desejo de partir para o terceiro mundo, temendo a falta de conforto, a falta de serviços médicos e as perturbações políticas.
O movimento não tardou a ultrapassar o domínio do auxílio ao terceiro mundo. As iniciativas dos reformados investiram o território francês, no seio de redes de parentesco e de proximidade, a favor de populações com dificuldades: desempregados, deficientes, crianças.
A Família
Com uma esperança de vida de 45 anos no princípio do nosso século, um filho perdia ou o pai ou a mãe, em média, com a idade de 14 anos. Agora é aos 44 anos que se dá este primeiro luto e os orfanatos foram substituídos por lares de reformados. Temos todas as razões para nos alegrar com isto. Certamente que sempre existiram pessoas idosas e mesmo muito idosas, mas eram minoritárias.
O envelhecimento da população levou efectivamente a uma mudança na estrutura das famílias. Passou-se de uma «família horizontal», quer dizer com gerações que se sucedem, para uma «família vertical», na qual as gerações coexistem e se empilham.
Foram poucas as pessoas nascidas no primeiro quarto do nosso século, que conheceram os seus avós. Estes pertenciam, lembremo-nos, a gerações que desapareciam entre os 45 e os 50 anos, e as famílias com três gerações eram raras e fugazes; hoje em dia as que contam quatro estão em vias de se tornarem correntes. As crianças, quando nascem, têm quase todas avós, e numerosos anos para viver em conjunto. Certas crianças muito novas têm mesmo os bisavós (os supervovôs e vovós, como um deles os nomeou) e esta configuração está destinada a manter-se. Começa mesmo a ver-se famílias com cinco gerações. Num inquérito recente, demonstrou-se que aos 59 anos um em cada quatro homens pertencia a uma família de quatro gerações; do lado feminino a proporção é ainda mais importante.
A crise económica imprime também a sua marca transformando as pessoas de 60 e mais anos, em «bengalas da juventude» dos seus próprios filhos chegados aos 40 anos, e que enfrentam o desemprego, e/ou dos seus netos, já jovens adultos que ficam à margem da vida activa. Daí decorre que esta geração pivô esteja ameaçada de naufrágio, sob o peso de encargos, tratando-se aqui de um dos numerosos problemas que a nossa sociedade tem o dever de abordar.
No entanto, se todos estão ameaçados, nem todos são atingidos pelo peso dos anos, e o recurso aos avós tornou-se um recurso das mulheres jovens que trabalham. Numerosas obras tratam da questão; são editados manuais sobre a «arte de ser avós»; são-lhe consagradas emissões. Os avós estão na moda ! As mulheres ocupam facilmente esta nova função, sobretudo se as crianças são bebés. Reencontram as alegrias de acarinhar, repetem a classe e passam de mãe a avó sem grande esforço.
Grandeza e Servidão da Idade
Preparar a Velhice
Qual a responsabilidade das pessoas idosas? Em que campos podem agir? No seu próprio envelhecimento? No seu meio ambiente? No futuro da sociedade?
A consciencialização da importância e da qualidade singular do seu papel, é o único trunfo de que dispõem para deixarem de ser considerados como «objectos incómodos». Que fazer dos vivos? São eles que têm de responder, se responderem.
Prevenção ou Precaução?
O envelhecimento no homem não é somente sofrido; cada qual procura conduzi-lo segundo as normas da sociedade a que pertence, e segundo o seu próprio sistema de valores. Envelhecer é um sistema muito complexo. Para bem o viver, é preciso praticar uma defesa elástica, quer dizer, descobrir os pontos sobre os quais é preferível ceder, a fim de empenhar as suas forças noutro lado; encontrar estratégias de compensação, procurar o que resiste e o que ainda é possível desenvolver, sem esquecer o que é possível adquirir.
Começa-se agora a evitar empregar a noção de «prevenção do envelhecimento», e evoca-se a do «bom envelhecimento». Mas o que é «bem envelhecer»? Existe um modelo de «bem envelhecer»?
Que medidas de precaução será razoável tomar? Elas dizem respeito em primeiro lugar ao arranjo da habitação e à vigilância da saúde, é claro. Para as mulheres, é importante ter tido uma actividade profissional; é igualmente essencial ter ocupações para além do trabalho; mantê-las se já existem, ou encontrá-las; empenhar-se numa nova actividade; enfim, preparar-se para a solidão.
Velhos das Cidades; Velhos dos Campos
Os citadinos não compreendem o que significa para um agricultor o início da reforma. Enquanto um assalariado se limita a abandonar o seu post de trabalho e as relações que lhe estão aferentes, para um agricultor a reforma significa muitas vezes o abandono da casa, e sempre o abandono dos animais. As referências que constituíam a sua vida quotidiana desaparecem de repente.
Um segundo factor agrava a sua situação: o envelhecimento da população. Foi calculado que, num cantão envelhecido – quer dizer onde a população tenha um número superior de pessoas com 75, e mais anos de idade, do que pessoas com menos de 20 anos – a população jovem desse cantão, apesar do seu ardor no trabalho, não pode compensar só assim a deterioração da situação. As escolas fecham, os comerciantes deixam a freguesia, os transportes desaparecem, o médico e o farmacêutico ficam cada vez mais afastados, e o mesmo acontece com os serviços administrativos. Não há mais casamentos e só subsistem os enterros.


(in Livro «Viver Depois dos 6o Anos»)

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Viver Depois dos 60 Anos (1)



Apreciação prévia:

Se a primeira grande conquista deste século é a do espaço, a segunda é, para Maximilienne Levet, o aumento da longevidade. Com efeito, o prolongamento da duração da vida e o rejuvenescimento fisiológico constituem um fenómeno novo na história da humanidade, necessitando, por isso mesmo, de remodelações profundas da sociedade. A autora analisa o fenómeno do envelhecimento, sobretudo tal como ele ocorre em França e nas sociedades industrializadas ocidentais, nas suas vertentes físicas, psíquicas e sociais. Para a psicossocióloga e gerontóloga Maximilienne Levet é preciso que sejam reconhecidos os valores de reflexão, de meditação, de sabedoria, assim como as potencialidades que emergem com o avançar dos anos.

Gerontologia:
A GERONTOLOGIA, do grego geron, gerontos, «velho», e lógia, «teoria», constitui-se no século XX como um estudo específico dos processos de envelhecimento.
Ciência de múltiplas facetas, a gerontologia é o local de encontro de disciplinas tão diversas como a sociologia, a psicologia, a filosofia, a economia e a biologia, para não citar senão as mais correntes. Ciência da encruzilhada é frequentemente infiltrada de ideologia, e deu lugar a múltiplas teorias das quais nenhuma, até agora, pôde abranger o conjunto dos processos que estão em acção no processo do envelhecimento humano.
Confrontada com a pluralidade de disciplinas, métodos e teorias, a gerontologia reflecte deste modo a complexidade do envelhecimento, teatro de contradições múltiplas e profundas. No entanto, não podemos senão constatar e deplorar que a conotação geral dessas teorias seja pessimista, e que privilegie a expressão da relação pessoa idosa-sociedade, unicamente através da lupa económica do sistema de produção. Os valores de reflexão, de meditação, de sabedoria, e as potencialidades que se vão forjando com o avanço da idade, não são tomadas em consideração; pior que isso – a maior parte das vezes não são mesmo reconhecidas.
Costumamos dizer que o espaço é a grande conquista do nosso século, esquecendo que há uma segunda, muito mais importante a nosso ver, a do tempo. Esta conquista é superior porque diz respeito a cada um de nós no seu percurso nesta terra, na sua vida quotidiana, profissional, afectiva, familiar ou social.
Com efeito, desde o início do século, a nossa esperança de vida passou de 45/50 anos para 75/80 anos em média, tomando em consideração os dois sexos. Isto permitiu avançar com a ideia de que o homem idoso é uma invenção do século XX, porque, mesmo se houve idosos em todas as épocas, o seu número era restrito. Agora, todos sabemos, ou deveríamos saber, que temos todas as hipóteses de viver velhos, ou mesmo muito velhos, e que é preciso tomar isso em linha de conta nos nossos projectos, nas nossas escolhas, na própria concepção que temos do nosso ser no mundo.
Paralelamente a este envelhecimento cronológico produz-se um rejuvenescimento fisiológico. O velho decrépito está em vias de desaparição e as caricaturas de velhos torcidos e deformados pelos anos já não têm razão de ser. Em breve mais ninguém se lembrar destes velhos de dorso arqueado cuja cabeça olhava obstinadamente a terra que os esperava. A velhice da maior parte de entre nós não corresponderá mais a este lugar-comum, e isto até ao seu termo.
No entanto, a organização social não consegue integrar este duplo movimento, longevidade-rejuvenescimento. A sociedade responde com lentidão, atrasada na sua concepção de envelhecimento, com programas que calcam somente os terrenos da ajuda e do apoio – que não são certamente de esquecer, mas que não permitem ter em consideração as potencialidades do fenómeno e da sua riqueza, potencialidades que não pedem senão ocasião para se exprimirem.
Envelhecer não é nenhuma doença nem uma tara. Nada justifica a rejeição do velho, mesmo se a velhice anuncia o fim da vida, esta aventura de alto risco que termina sempre mal. Certamente que a morte é inevitável, mas alegremo-nos de a ver recuar no tempo.

O Mundo dos Velhos
«Eles correm, correm, os segundos... Para os jovens, o tempo não existe,
mas para os velhos este relógio que conta os segundos que nos separam

do próximo ano, consome a vida passo a passo»
Centro Georges-Pompidou, Paris

Quem São as «Pessoas Idosas» ?
Qual o momento, qual a idade em que a gerontologia se baseia para se dedicar ao seu objecto, para utilizar os seus métodos, apresentar os seus resultados?
A questão é importante. Com efeito, um simples esvoaçar pelos séculos permite ilustrar o maior ou o menor interesse dedicado às pessoas de idade na sociedade, e explicar a chagada tardia da gerontologia entre as ciências humanas.

Alguns elementos de história:
Já na época dos Romanos marcavam o começo da velhice e é interessante notar que não evoluímos nada nas nossas avaliações: para nós, 60 anos, idade da reforma, assinala a entrada na velhice social.
Na Idade Média, as etapas da existência não eram fixadas pela idade. Não se conhecia senão a criança e o adulto, cuja vida terminava quando as suas forças já não lhe permitiam guerrear ou trabalhar. Até ao século XII, o indivíduo ignorava mesmo a sua idade.
No século XVII, a imagem da velhice muda de novo de maneira radical e carrega-se de qualidades tais como a sabedoria, bondade, justiça. A velhice é mesmo enaltecida durante a Revolução Francesa e organiza-se uma festa em sua honra. Apesar disso, é a juventude que reina em todos os órgãos do Estado.
O poder político é maioritariamente exercido pelos mais idosos no fim do século XIX.

Explosão de jovens, explosão de velhos:
A população do planeta duplicou desde 1950, passando de 2,5 mil milhões para 5 mil milhões em 1987.
Nos próximos trinta anos ela não deverá aumentar senão 50 por cento, atingindo assim mais de 8 mil milhões em 2025.
Prosseguindo os seus prognósticos, os demógrafos avançam com números de 10 a 11 mil milhões, e talvez 14 mil milhões de habitantes terrestres para o fim do século XXI, número em que, pensam eles, nós estabilizaremos.
Diante desta explosão, a questão da penúria dos recursos não pode ser escamoteada. De facto, uma minoria – os países industrializados - é sobrealimentada, e a maioria – os países em vias de desenvolvimento – é subalimentada. Calculou-se que uma família de quatro pessoas nos Estados Unidos consumia tanto como dezoito pessoas na Índia. Note-se igualmente que 2 mil milhões de habitantes dos países em vias de desenvolvimento não têm água potável, 1,5 mil milhões não têm acesso aos cuidados médicos e 1,2 mil milhões vivem abaixo do limiar da pobreza. Em resumo, 23 por cento da população mundial apropria-se de 84 por cento dos proventos do planeta e da energia disponível (números publicados no Le Monde dês debates, Dezembro de 1993).
Poderá este desequilíbrio persistir?
Esta progressão numérica é acompanhada de um aumento de esperança de vida, que era na Europa à volta de 25 anos no século XVII, chega, nos nossos dias, e nos países desenvolvidos, a 72 anos para os homens e a 82 anos para as mulheres. Este aumento de duração de vida não parece prestes a parar, e os biologistas fazem-nos entrever a possibilidade de atingir os 120 anos de vida anunciados na Bíblia.
(in Livro «Viver Depois dos 60 Anos» de Maximilienne Levet)
Vejamos entretanto outra «fonte» que nos fornece mais detalhes sobre a «Gerontologia»:
A gerontologia é um campo de estudos interdisciplinar que investiga os fenômenos fisiológicos, psicológicos e sociais e culturais relacionados com o envelhecimento do ser humano. É um campo multiprofissional e multidisciplinar. Embora a Gerontologia envolva muitas disciplinas, a pesquisa repousa sobre um eixo formado pela Biologia, pela Psicologia e pelas Ciências Sociais.
A gerontologia difere da geriatria na medida em que esta última é o ramo da medicina (especialidade) associado ao estudo, prevenção e tratamento das doenças e da incapacidade em idades avançadas.
O aumento da expectativa de vida (ou
esperança de vida) e o envelhecimento da população mundial têm preocupado cada vez mais cientistas, intelectuais e formuladores de políticas públicas. O crescimento da gerontologia nos últimos anos é um reflexo dessas transformações.
(Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.)

Palavras-chave: navegação, pesquisa

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

«A Saga de um Pensador»



Um Preço a Pagar

«Há sempre um preço a pagar, para os que querem pensar»



- Aula de faculdade de Medicina: imagens de corpos nus, dissecados; a foto de um cérebro, saturado de reentrâncias, como riachos que sulcam a terra;
- Novos alunos, ansiosos (1ª Aula de Anatomia): para desvendar os segredos do objecto mais complexo da ciência: o Corpo Humano;
Chegam os professores e Técnicos de Anatomia – um silêncio gélido invade o grupo. Os Professores convidam os 60 alunos a acompanhá-los. Vêm 12 cadáveres completamente nus, deitados erectos com o peito e a cara voltados para o tecto, cada um estendido sobre uma alva mesa de mármore branco. O cheiro a formol usado para conservar os corpos, é quase insuportável.
Cada grupo de 5 alunos é encarregado de dissecar e estudar um cadáver ao longo do ano. Teriam de rebater a pele, separar os músculos, encontrar o trajecto dos nervos e das artérias. Teriam de abrir o tórax e o abdómen e vasculhar com precisão a cor, o tamanho, a localização e a disposição de cada órgão interno.
- O Dr. George, especialista em Harvard, reconhecido internacionalmente, com mais de 50 artigos publicados em revistas científicas, um cientista notável na sua área, escondendo-se atrás do seu curriculum de apresentador, apresentou o programa da sua disciplina.
Após a introdução, começou desde logo a revelar algumas técnicas de dissecação da pele, músculos, artérias e nervos. Tudo decorria normalmente como em todos os anos, até que um aluno subitamente levantou a mão. O seu nome era Marco Pólo.
O Dr. George não gostava de ser interrompido. Não era um amante dos debates. Cada aluno teria que ruminar as suas dúvidas até ao fim da aula, para depois lhe fazer as perguntas, ou aos outros três Professores e Técnicos que o auxiliavam. Desprezou o gesto de Marco Pólo. Para não fazer papel de parvo, o jovem baixou a mão.
Marco Pólo era intrépido e determinado. Cinco minutos depois de ouvir falar sobre técnicas e peças anatómicas, não suportou o calor da sua ansiedade. Novamente, levantou a mão. O Professor irritado com a sua ousadia, explicou que as dúvidas deveriam ser colocadas sempre no final de cada aula. E disse que abriria uma única excepção. Fez um gesto com as mãos para que Marco Pólo falasse, como se lhe prestasse um enorme favor;

Com sinceridade cristalina, Marco Pólo perguntou:
» Qual é o nome das pessoas que vamos dissecar?
O Dr. George recebeu a pergunta como um golpe. Olhou para os Professores que o auxiliavam, meneou a cabeça e balbuciou: «Há sempre algum estúpido na turma». Com voz solene respondeu:
« Estes corpos não têm nome!
Marco Pólo passou os olhos pelos cadáveres e comentou: «Como não têm nome? Eles não choraram, não sonharam, não amaram, não tiveram amigos, não construíram uma história?»
A plateia ficou muda. O Professor mostrou-se intrigado. Sentiu-se desafiado. Então troçou do aluno publicamente:
» Olha rapaz, aqui só há corpos sem vida, sem história, sem nada. Ninguém respira, ninguém fala. E você está aqui para estudar Anatomia. Sabe que há muitos médicos medíocres na sociedade porque não se dedicara, a esta matéria? Se não quer ser mais um deles, deixe -se de filosofias e não interrompa a minha aula ».
Mas Marco Pólo teve fôlego para retorquir:
» Com o vamos penetrar no corpo de alguém sem saber nada sobre a sua personalidade? Isso é uma invasão !
E, para picar o Professor, resolveu filosofar. Emendou.
» Um homem sem história é um livro sem letras.
Interrompendo-o, o Dr. George foi directo e agressivo:
» Vamos parar com essa filosofia barata! Se você quer ser um detective que investiga a identidade dos mortos, escolheu a faculdade errada. Siga a carreira policial.
Em seguida o professor encerrou o assunto, dizendo:
» Esses cadáveres não têm história. São mendigos, indigentes, sem identidade e sem família. Morrem pelas ruas e nos hospitais e ninguém reclama a existência deles. Não seremos nós que a reclamaremos.
Além de humilhar publicamente o seu intrépido aluno, ele desafiou-o com sarcasmo. Fitou-o e disse-lhe:
» Se você quiser identificá-los, procure informações na Secretaria do departamento. Ah! E se, por acaso encontrar uma história interessante sobre alguns destes indigentes, por favor, traga-nos para que possamos ouvi-la.
Com isto Marco Pólo calou-se.
Marco Pólo saiu daquela aula com a impressão de que «há um preço a pagar para os que querem pensar».


Era mais confortável calar-se, seguir o roteiro curricular e ser mais um aluno na multidão. Todavia, o conforto de se calar geraria uma dívida impagável com a sua própria consciência... Tinha de fazer uma escolha. (até página 44)




(in Livro «A Saga de um Pensador» de Augusto Cury)

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Marvão - Três copinhos com o Licor da Dona Joaquina



O dia-a-dia de Maria Joaquina Ramiro faz-se de muita paciência. Um saber esperar temperado com experiência, persistência e espírito inventivo que resulta, no final, numa multidão de frasquinhos plenos de doçura.

A mesa que Joaquina montou com todo o esmero na mostra de doçaria que decorreu em Setembro de 2009 em Marvão expõe os seus licores e compotas. Estes servem pretexto para uma conversa que corre todo o caminho que vai da fruta ao produto final. Uma conversa entrecortada por copinhos de prova.

A doceira Joaquina não deixa morrer apenas nas palavras o seu mundo de alquimia que junta frutas, aguardentes e açúcar. Um equilíbrio de ingredientes que esta alentejana do concelho de Marvão testa há mais de 12 anos. «Comecei no restaurante onde trabalho. Fazia a ginja para adoçar a boca aos clientes quando iam almoçar ou jantar».

Um adoçar que agradava. Maria Joaquina chegou a fazer mais de 500 litros de ginja por ano, tudo distribuído em copinhos.

«Nem tenho conta os copinhos que saíram. As pessoas perguntavam se lhes vendia uma garrafinha». A resposta, invariável era um «não», como nos relata a doceira. Ficava, no entanto, uma vontade de agradar, de entregar a mais destinatários o resultado de muitas horas com o olho fixo na panela em busca do ponto perfeito para o xarope; de meses de atenção sobre a maceração da fruta em aguardente; a alegria do produto final.

«Percebi que as câmaras municipais nestas coisas, em pequenas dimensões, autorizam o fabrico. Nem pensei duas vezes. Candidatei-me e agora trago os meus licores às feiras».

Joaquina fala, sobrepondo palavras ao burburinho que invade a mostra de doces. Distraidamente enche mais um copinho, um pouco acima da medida que garante uma certa lucidez final.

«Este é de amora. Ora prove». «Excelente», compete dizer, sem exagero no adjectivo.

«Sabe como o arranjei?», pergunta Maria Joaquina: «frente à minha casa há uma amoreira muito antiga. Todos os dias passo por ela. Certa vez reparo com outros olhos. Fico a mirar aquelas amoras maduras quase a cair. Apanhei-as e saiu esse licor. Já reparou na cor? Limpinha». Joaquina não guarda segredo. «A única coisa que ainda não faço é o vidro da garrafa».

A doceira sorri sobre as palavras que acaba de lançar. A receita para os licores de Joaquina faz-se da experiência, testando combinações, conversando com outras doceiras, adaptando à sua maneira de confeccionar. O resultado desdobra-se em licores de ginja, café, amora, café com canela, alperce. Com este fruto, diz-nos Maria Joaquina, «fiz um doce. Depois, sequei as cascas e os caroços e pus a macerar. O resultado final é esta cor bonita». Enche-se mais um copinho, um bojo de líquido de cor leve.
Palavra - chave: alentejo

O Carnaval de Alpalhão – Nisa – Alto Alentejo



Numa época em que os antigos costumes do Carnaval português vão dando lugar a ritmos e tradições importados do Brasil, existem ainda algumas localidades que vão resistindo, mantendo as suas tradições.
Em Alpalhão, no concelho de Nisa, a tradição ainda se mantém. Os seu trajos, outrora utilizados apenas no Carnaval, ainda hoje se mantêm vivos graças aos grupos de Contradanças.
Em Alpalhão, é o traje garrido e vistoso, são saias e xailes ricamente bordados, a par da grande quantidade de ouro reluzente, que desperta a atenção do visitante.

Quem faz, de quem são as mãos que tecem este autêntico festival de cor e deslumbramento, que se passeiam pelas ruas da vila nestes dias de festa?

Na rua da Carreira encontrámos as respostas para estas questões, Maria Virgínia Rijo: “Comecei a fazer estes trabalhos há cerca de 20 anos e fui-me aperfeiçoando. Dantes faziam-se poucos fatos de Carnaval, dependendo doas épocas, mas de há cinco anos para cá, com o regresso das marchas têm-se feito muitos mais.” “ Estava tudo a perder-se, as nossas tradições. Dantes fazia-se um fato por ano e noutros não se fazia nenhum. A professora Zézinha deu um grande impulso às marchas e à Contradança, indo ao encontro das pessoas de Alpalhão que sempre gostaram muito de se vestir e do traje, embora fosse só para ir ao baile.”
“As saias têm duas partes de feltro. Os desenhos são feitos em papel vegetal, que depois é cozido na saia, retira-se o papel e recortam-se os desenhos.”
Uma técnica igual àquela que é empregue em Nisa, no entanto, “enquanto que em Nisa preferem o vermelho com os recortes em preto, em Alpalhão, o vermelho é mais utilizado com os bordados em branco. As saias amarelas que se usam também muito têm os bordados em azul-escuro.

Os xailes em Nisa são bordados à mão e aqui, a maior parte, os de terylene, são bordados à máquina, a matiz. Os xailes mais antigos de Alpalhão são os merinos, muito bonitos e vistosos.

O traje de Alpalhão inclui a camisa, que era de linho, antigamente, o corpete, que é um colete mais curto, bordado à frente e atrás e debruado com uma fita branca e o avental, feito de cetim e bordado como o xaile, com dois bolsos.”
Três semanas é o tempo que demora, até ficar pronto, um traje para adulto (menina ou senhora). O de criança, demora menos.
Por enquanto vai tendo algumas encomendas e o seu trabalho começa a ser mais conhecido, não apenas pelos desfiles de Carnaval, mas pela sua presença nalguns eventos organizados pela Junta de Freguesia, como é o caso da Feira dos Enchidos.

Quanto à popularidade do Carnaval de Alpalhão, Virgínia Rijo não tem dúvidas. “Oxalá que nunca acabe e seja cada vez mais divulgado. É bom para toda a gente, anima o comércio, diverte as pessoas e movimenta a terra. E os nossos trajes são mesmo bonitos, não são?”
Fonte: Vila de Alpalhão

Camponesa - Montargil - Alentejo



A freguesia de Montargil situa-se numa zona de transição Alentejo/Ribatejo, mas o seu folclore reflecte ainda o facto de durante muitos anos, embora sazonalmente, aqui terem trabalhado pessoas vindas de outras terras, caso dos “tiradores de cortiça” do Algarve, e dos “ratinhos” vindos das Beiras em “tempo de ceifa”.

É a aculturação, é o encontro de culturas, é o moldar de uma cultura muito específica.É essencialmente uma “comunidade rural”, com a sua identidade não quer abdicar e maneira de ser, que o Rancho Folclórico de Montargil (na imagem acima), tenta preservar e divulgar.

O traje ou a “Copa”, era noutros tempos um factor que muito caracterizava quem o vestia, e o Rancho Folclórico de Montargil apresenta o mais fiel possível a “copa” que os seus antepassados usaram.Vestia-se pobre em Montargil, o que não significa que em especial a mulher não vestisse “bonito “.

O fato de “camponesa” era sempre igual, com uma ou outra pequena alteração em função da actividade que ia desempenhar, e a natural mudança de utensílio de trabalho.Tanto quanto sabemos, este trajo de camponesa é característico unicamente desta região de transição entre o Alentejo e o Ribatejo, o que demonstra bem como localmente se criou uma cultura muito própria. Era constituído pelas seguintes peças:Blusa com abas e” mangos (estes de meia velha ou do riscado da saia); Saia de riscado escuro, arregaçada e atada no cós.” Podendo no entanto usar uma saia mais curta, que não seria arregaçada”. Ceroulas de ganga atadas nos tornozelos com fitas de nastro; Chapéu sobre o lenço, e este, consoante o trabalho, atado atrás, em cima sobre o chapéu ou à frente; Meias escuras de cordão; Sapato de atanado e sola, sendo que, dependendo do trabalho executado, podiam andar descalças.

Refira-se ainda, que quando a caminho do trabalho, algumas camponesas levavam um curto avental que tiravam ao chegar lá.

Era também nessa altura que, e se disso fosse caso a saia era arregaçada e presa no cós.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Do Alentejo p'ró Mundo


Dois alentejanos encontram-se e diz um para o outro:

- Compadre Gilinho, onde vai com esse carro de estrume?


Responde o outro : - É para pôr nos morangos.


Diz o Gilinho: - Atão o compadre nunca experimentou com natas?
Tal tá a «moenga» hã !?

O Regresso do Rafeiro à Planície


O Rafeiro do Alentejo vai ser homenageado na Feira de Castro.


Presença habitual nas planícies alentejanas desde tempos imemoráveis, o Rafeiro do Alentejo vai ser homenageado durante a edição de 2009 da secular Feira de Castro.
A iniciativa pertence à Associação de Criadores do Rafeiro do Alentejo (ACRA), com a colaboração com a Câmara de Castro Verde, e vai ter lugar no dia 18 de Outubro, às 14h30, na Praça da República da vila.


O Rafeiro do Alentejo é uma raça de cão oriundo de Portugal. O Rafeiro do Alentejo é um cão de guarda, e o seu nome refere-se à sua área de origem, Alentejo, ao Sul de Portugal.


É um concurso que se espera venha a ser bem concorrido e animado.

RAFAEL CORREIA: «O EREMITA DA RÁDIO »


«LUGAR AO SUL»: UMA OBRA DE ARTE E UM PATRIMONIO QUE EM QUALQUER PAÍS QUE SE PREOCUPA COM A SUA IDENTIDADE E O SEU POVO É UM OBJECTO DE CULTO, DEFENDIDO, PROMOVIDO, APOIADO E AMADO.

Aqui fica o depoimento de uma jornalista.«Durante quase 30 anos, fez na RDP o programa "Lugar ao Sul". Ganhou uma legião de fiéis e um lugar único na história da rádio portuguesa, que chegou este Verão ao fim. Retrato difícil de um homem secreto com um talento precioso, o de ouvir e fazer falar. E o de perder tempo.

(Rafael Correia, na imagem segundo o traço de André Carrilho)


Com a devida vénia à jornalista Fernanda Câncio, aqui se transcreve o seu artigo publicado no "Diário de Notícias", de sábado passado:

«Durante quase 30 anos, fez na RDP o programa "Lugar ao Sul". Ganhou uma legião de fiéis e um lugar único na história da rádio portuguesa, que chegou este Verão ao fim. Retrato difícil de um homem secreto com um talento precioso, o de ouvir e fazer falar. E o de perder tempo.Passou décadas a percorrer o país à procura de pessoas, vozes, histórias, canções, usos e ofícios. A maior parte das vezes só, só ele e o seu gravador, só ele e o equipamento de som. Fez da solidão uma espécie de missão, talvez mesmo de fé. Dizem os colegas e os que o chefiaram que também no estúdio, a montar o programa, se fechava horas, só ele e o seu material, "numa espécie de missa"."Fazia tudo sozinho, desde conduzir o carro ao resto. Era um trabalho de paixão, chegou a meter dinheiro dele para fazer aquilo".

Noel Cardoso, chefe de produção da RDP Sul, não se poupa no retrato. "Tinha uma aptidão extraordinária para descobrir assuntos e pessoas. E era incrível a pôr gente a falar, mesmo a mais rural e fechada. Tinha essa habilidade. Nunca queria falar com os ‘conhecidos’, perdia muito tempo a procurar. Era o ‘Portugal profundo’ – a gente do artesanato, das lendas, das canções de trabalho... E fazia três horas de gravação para aproveitar vinte minutos".

A ideia do "Lugar ao Sul" ter-lhe-ia surgido, diz Noel Cardoso, depois de uma estada em França, a partir de algo de semelhante que lá ouviu. Verdade é que programas parecidos chegaram a existir em Portugal, antes e durante, mas ninguém contesta a superioridade do de Rafael.

"Ganhou quase tudo o que havia para ganhar em rádio, em termos de prémios e galardões", garante o director de produção da RDP. Apesar de tantas distinções, recusava quase sempre entrevistas. Fotos, impossível: o mais que se encontra é uma coisa tipo passe, de há muito tempo. O telefone de casa toca, sem ninguém atender; de telemóvel ninguém lhe ouviu falar. A vida fora da rádio e do programa é um mistério: autodidacta como sétimo ano "antigo" (actual 11.°); uma mulher e uma filha, talvez; uma casa em Faro; a passagem por um banco e por explicações de inglês, a entrada na Emissora Nacional como jornalista, a passagem a realizador, a ida para França, alguns dizem que "por causa de uma paixão", o regresso e o início, há 29 anos, do "Lugar ao Sul".

"Ele não fala com ninguém, o problema é esse", lamenta Noel Cardoso. "E não fala do programa dele: ‘Quem quiser falar do programa oiça e fale, eu não falo’". O programa, de duas horas, era semanal, ao sábado. Ouvintes referiam-se, em cartas para a RDP, ao autor como "parte da família" e quando o "Lugar ao Sul" passou, recentemente, para metade do tempo choveram protestos e temores, o de que fosse a antecâmara do fim. Um temor de que o próprio, adianta João Coelho, director da Antena 1 da RDP, de 1996 a 2002, padecia.

"Passava a vida a achar que lhe iam acabar com o programa. De cada vez que eu pedia para falar com ele, vinha convencido que era dessa. É preciso perceber que quando o conheci, nos anos 80, era o tempo da rádio do ‘disc jockey’ e ele era tudo ao contrário disso: levava muito tempo a fazer as coisas, e fazia-as de uma certa maneira. Sofria muito com a mediania dos quadros intermédios, o que terá criado nele um bocado o sentido da perseguição.

"Que terá nascido primeiro, o isolamento ou a solidão? Que terá feito de Rafael Correia o "bicho-do-mato", na expressão de João Coelho, que tantos sublinham?

"Aquilo que lhe posso dizer do Rafael Correia é que é uma pessoa muito tímida, muito introvertida, muito individualista. Mas conseguia-se sempre colocar no patamar sintáctico, cultural, dos seus interlocutores, fossem quem fossem. Tem um talento muito invulgar. E recolheu um mosaico interessantíssimo do País", diz José Manuel Nunes, director da RDP, de 1984 a 1991, e presidente do respectivo Conselho de Administração, de 1995 a 2002. Um colega da RDP de Faro prossegue o desenho: "É uma pessoa de poucas falas, muito fechada, de feitio um pouco difícil. Recusava até os contactos dos ouvintes e das pessoas que entrevistara. Elas ligavam para a RDP e ele não as atendia.

"Confere com o testemunho de Álvaro José Ferreira, um dos maiores admiradores do programa "Lugar ao Sul" e do seu autor. "Quando o e-mail dele da RDP estava activo, o que sucedeu até Junho passado, cheguei a enviar-lhe várias mensagens, quer para pedir informações sobre temas musicais que passava no programa quer para lhe sugerir pessoas a visitar, mas nunca tive a sorte de obter uma resposta, apesar de saber que teve em consideração algumas das sugestões que lhe fiz." Criador de um "grupo de amigos do LUGAR AO SUL" no MySpace (http://www.myspace.com/lugaraosul) e detentor de um blogue sobre rádio (http://nossaradio.blogspot.com/), Álvaro Ferreira reproduziu neste último uma longa exortação a várias entidades (a começar pelo Presidente da República e a acabar no Provedor do Ouvinte da RDP) na qual, com o título "Lugar ao Sul": um programa-património, enumera não só as qualidades do mesmo e os prémios e distinções de que foi alvo como cita vários elogios de académicos e ouvintes para, finalmente, secundar Adelino Gomes, actual Provedor da RDP, no repto à administração da RDP para a edição discográfica "do melhor desse inestimável acervo", sugerindo também a colocação on-line do espólio do programa.

Mas não fica por aqui: propõe a realização de uma homenagem nacional a Rafael Correia, "talvez no Coliseu dos Recreios". João Coelho pega na ideia. "Fazia-me sentido que ele recebesse uma condecoração no 10 de Junho. Se alguém merece, é ele." À falta, claro, do que fazia sentido a toda a gente que não passava sem o "Lugar ao Sul" — que continuasse. Aos 72 anos, porém, dois após a reforma obrigatória e já com contratos a termo certo (um expediente que a RDP utiliza para manter ao serviço aqueles que assim o desejam) Rafael Correia terá desistido. A explicação que mais colhe é a de ter sido convocado para uma nova formação tecnológica – é a justificação que Feliciano Estêvão, o director da RDP Sul, adianta.

"Ele não gostava nada de ter de lidar com novos equipamentos, resistia sempre muito", lembra José Manuel Nunes. João Coelho encolhe os ombros: "Às vezes isso é não saber lidar com as pessoas. Não que eu defenda um registo de excepção, mas...

Enfim, presumo que ele tenha resolvido fazer um real manguito."» (Fernanda Câncio, in "Diário de Notícias", 26.09.2009)


Nota de rodapé: De acordo com informações facultadas por fontes internas da própria RDP (insuspeitas), Rafael Correia foi empurrado para a reforma, contra sua vontade, sendo que a sua alegada "desistência" em meados de 2009 se prende, entre outras desconsiderações, com o abstruso vínculo contratual – à margem da lei – que Rui Pêgo, com o assentimento da administração da RDP/RTP, lhe apresentou como condição ‘sine qua non’ para a continuação do programa. Os ouvintes do "Lugar ao Sul" e contribuintes do serviço público de rádio prometem que não vão deixar cair a questão e clamam que seja feita justiça ao emérito Rafael das Neves Correia!

ANIMAÇÃO DE RUA NA FEIRA DE CASTRO


A FEIRA DE CASTRO VERDE DESTE ANO VAI TER ANIMAÇÃO DE RUA.


Feira de Castro 2009: Animação de Rua Artelier – Brinquedos Geringonças.


Seis fantásticos personagens desfilam entre confetis no seu triciclo banheira, uma atracção para miúdos e graúdos, onde ganham vida as pinturas de rosto, as esculturas de balões. São personagens brinquedos coloridos e interactivos feitos a partir de reutilização de brinquedos de criança, que comunicam através do som, da música e da luz.

Com o recurso a uma sinalética humorística, entre apitos e buzinas, estes personagens encarregam-se de manter "as tropas divertidas e em boa comunicação com o espaço”.

FRANCISCO ANTÓNIO DEIXA MUITA SAUDADE



FRANCISCO ANTÓNIO É UMA FIGURA INCONTORNÁVEL NA HISTÓRIA DA VIOLA CAMPANIÇA.

O NOSSO BLOGUE PRESTIGIA A SUA MEMÓRIA E A SUA ARTE QUE JAMAIS SERÁ ESQUECIDA.
FRANCISCO ANTÓNIO, AQUI COM MESTRE MANUEL BENTO E PERPÉTUA MARIA


Faleceu ontem de madrugada, Francisco António, Mestre de Viola Campaniça, residente na Estação de Ourique. O tocador foi um dos grandes responsáveis pela salvaguarda e divulgação da Viola Campaniça, quando, no âmbito da actividade da Cortiçol – Cooperativa de informação de Castro Verde,.

Integrou o trio Manuel Bento, Francisco António e Perpétua Maria, trio este que gravou em 1991, na Basílica Real de Castro Verde, um memorável disco que marcou para sempre a história da música na tradição.

Francisco António, enquanto a saúde lhe permitiu, partilhou connosco num saber profundo, a mestria do dedilhar da Campaniça e das modas que lhe estão associadas, tendo sido o grande mestre na aprendizagem do jovem Pedro Mestre.

Curar (5) - último



11. O Amor é Uma Necessidade Biológica

O Desafio Emocional

Nada faz ranger tanto os dentes do nosso cérebro como os pequenos conflitos com aqueles e aquelas que fazem parte dos nossos relacionamentos próximos. Quer queiramos quer não, mesmo os conflitos com os vizinhos – que são, apesar de tudo, «estranhos» - podem afectar-nos tanto como uma arranhadela numa ardósia.
Em contrapartida, o nosso coração derrete-se diante do espectáculo de uma criança que sorri ao pegar na mão do pai para lhe dizer, olhos nos olhos: «Gosto de ti, pai» (e outras situações semelhantes).
Nestes casos reagimos à relação afectiva entre os seres. Quando as pessoas se agridem emocionalmente, sofrem com isso, mesmo que sejamos apenas meros espectadores.

A Fisiologia do Afecto
No nosso caso, como no dos outros mamíferos, a evolução criou pois estruturas límbicas do cérebro que nos tornam particularmente sensíveis às necessidades das crianças. A evolução introduziu no nosso cérebro o instinto, que nos faz responder às suas necessidades: alimentá-los, aquecê-los, fazer-lhes festas, protegê-los, mostrar-lhes como colher, como caçar, como defender-se.
Uma região específica do nosso cérebro emocional é até responsável pelos gritos de aflição que emitimos – bebés –logo que somos separados daqueles a quem estamos ligados. O cérebro emocional está pois construído de maneira a emitir e receber no canal do afecto. O contacto emocional é, para os mamíferos, uma verdadeira necessidade biológica, tal como a comida e o oxigénio.

O Amor é Uma Necessidade Biológica
Nos humanos, estabeleceu-se que a qualidade de relação entre os pais e a criança, definida pelo grau de empatia dos pais e a respectiva resposta às suas necessidades emocionais, determina, muitos anos depois, a tonicidade do seu sistema parassimpático, isto é, o factor preciso que favorece a coerência do ritmo cardíaco e permite resistir melhor ao stress e à depressão.

A Sua Mulher Diz Que o Ama ?
Está pois actualmente estabelecido que em todos os mamíferos, incluindo os homens, o equilíbrio fisiológico dos bebés depende da afeição que lhes é dedicada. Será realmente de admirar que isso seja verdade também no caso dos adultos?
Um estudo publicado no British Medical Journal veio mostrar que a sobrevivência média de homens de idade que perderam a mulher era de longe inferior à dos homens da mesma idade cuja mulher ainda estava viva. Segundo outro artigo, os homens com doenças cárdio-vasculares que responderam «sim» à pergunta: « A sua mulher diz que o ama ?» apresentavam duas vezes menos sintomas do que os outros. E quanto mais estes homens acumulavam factores de risco (colesterol, hipertensão, stress), mais o amor da mulher parecia ter um efeito protector. Fenómeno inverso: oito mil e quinhentos homens de boa saúde foram seguidos durante cinco anos. Os que, no início do inquérito, se reconheciam na afirmação: «A minha mulher não me ama», desenvolveram o triplo das úlceras em relação aos outros. Nas mulheres, os benefícios do apoio emocional são igualmente importantes. Em mil mulheres a quem foi diagnosticado um cancro da mama, foram registados duas vezes mais óbitos ao fim de cinco anos entre as que diziam ter falta de afecto nas suas vidas.
Três psiquiatras da Universidade de S. Francisco deram um nome a este fenómeno: «a regulação límbica». Nas suas palavras: «A relação afectiva é um conceito tão real e tão determinante como qualquer medicamento ou intervenção cirúrgica». Mas é evidente que se trata de uma ideia que ainda tem dificuldade em abrir caminho. Apesar estar perfeitamente estabelecida cientificamente, talvez por não ser propícia à venda de medicamentos. (Pág. 167)

12. A Comunicação Emocional
Aqueles que dominam a palavra exacta
não ofendem ninguém, no entanto, dizem
a verdade. As suas palavras são claras
mas nunca violentas... Jamais se dedicam
a humilhar, e jamais humilham alguém.

Buda

O Love Lab de Seattle
Na Universidade de Seattle, um lugar chamado o «Love Lab» (o laboratório do amor), pares casados aceitam passar pelo microscópico emocional do Professor Gottman. Esta analisa a natureza das suas interacções. Câmaras de vídeo filmam os casais e permitem detectar a menor careta nos seus rostos, mesmo que esta só dura uns décimos de segundo. Captadores controlam as variações do ritmo cardíaco e da tensão arterial. Desde que inventaram o Love Lab muitos casais aceitaram discutir ali os seus assuntos crónicos de conflito: a repartição das tarefas domésticas, as relações com os sogros, os conflitos por causa do tabaco, da bebida, etc.
A primeira descoberta do Professor é a de que não há casal feliz – de facto, não há uma relação afectiva duradoura – sem, conflito crónico. É até o inverso: os casais que não têm motivo de discussão crónica, deviam preocupar-se. A ausência de conflitos é sinal de uma distância emocional de tal ordem que ela exclui uma verdadeira relação.
A segunda descoberta – perplexizante – é que basta ao Professor analisar cinco minutos – cinco minutos ! – de uma discussão entre marido e mulher para dizer com uma precisão de mais de 90% quem é que vai permanecer casado e quem se vai divorciar nos próximos anos – mesmo tratando-se de um casal ainda em plena lua de mel.
Nada afecta tanto o nosso cérebro emocional e a nossa fisiologia como quando nos sentimos emocionalmente afastados daqueles a quem estamos mais ligados: o nosso cônjuge, os nossos filhos, os nossos pais. No Love Lab, uma palavra a mais, um minúsculo ricto de desprezo ou de nojo – dificilmente visível para um observador – bastam para provocar uma aceleração do ritmo cardíaco naquele a quem são destinados. Os homens, em particular, são muito sensíveis ao que o Professor chama : «a inundação afectiva»: uma vez activada a sua fisiologia, são «afogados» pelas emoções e só pensam em termos de defesa e de ataque. Deixam de procurar encontrar uma solução ou uma resposta que acalme a situação.

O Apocalipse da Comunicação
O Professor Gottman define aquilo a que chama «os quatro cavaleiros do Apocalipse» nos diálogos conflituosos.
O primeiro cavaleiro é a «critica». Criticar o outro em vez de lhe apresentar simplesmente uma queixa ou um pedido. Exemplo de crítica: «Outra vez atrasado. És um egoísta». Exemplo de queixa: «São nove horas. Tinhas dito que vinhas ás oito. É a segunda vez esta semana. Sinto-me sozinha e é aborrecido ficar assim à tua espera».
O que estas observações têm de prodigiosamente espantoso é o facto de parecerem o mais naturais possível! Sabemos todos perfeitamente «como não gostamos de ser tratados». Em contrapartida, é-nos mais difícil especificar «como gostaríamos de sê-lo», apesar de nos sentirmos instantaneamente reconhecidos quando alguém se dirige a nós de forma emocionalmente inteligente.
O segundo cavaleiro, o mais violento e o mais perigoso para o nosso equilíbrio límbico, é o «desprezo». O desprezo manifesta-se evidentemente por meio de insultos, desde os mais suaves até aos mais clássicos e violentos do género: «minha filha, és mesmo uma parva», ou «coitado», ou simplesmente, mas não menos terrível, «não sejas ridículo».
O sarcasmo também pode magoar imenso. O sarcasmo pode ser divertido no cinema mas não o é na vida corrente. Porém, Sá precisamente esses sarcasmos que procuramos muitas vezes, por vezes até com deleite.
As expressões faciais bastam muitas vezes para comunicar o desprezo; os olhos que olham para cima em resposta a qualquer coisa acabada de dizer, os cantos da boca que se baixam com os olhos que se cerram em relação ao outro. Quando se trata de alguém com quem vivemos ou trabalhamos que nos dirige estes sinais, eles vão-nos direitos ao coração como uma seta e tornam qualquer resolução pacífica da situação praticamente impossível: como raciocinar ou falar calmamente quando a mensagem que se recebe é a de que não provocamos senão desdém ?
O terceiro e o quarto cavaleiros são o «contra-ataque» e o «recuo total». Quando somos atacados as duas soluções imediatamente avançadas pelo cérebro emocional são o combate e a fuga. Elas foram gravadas nos nossos genes por milhões de anos de evolução. E são efectivamente as duas escolhas mais eficazes para um insecto ou um réptil… Ora, qualquer que seja o conflito o problema do contra-ataque é que este só conhece duas saídas: no pior dos casos leva direitinho a uma escalada de violência: ferido pelo meu contra-ataque o outro vai mais longe. No melhor dos casos, o contra-ataque «resulta», o outro é vencido pela nossa verve ou – como acontece muitas vezes com os pais em relação aos filhos, e com os homens em relação às mulheres, - com uma bofetada! Falou a lei do mais forte, e o réptil em nós ficou satisfeito. Mas esta vitória deixa forçosamente o vencido ferido ou magoado. E essa ferida só serve para aumentar o abismo emocional e agravar a dificuldade em viver com outra pessoa. Um contra-ataque violento jamais deu vontade ao outro de se desfazer em desculpas sinceras e de nos abraçar…
A outra opção é o «recuo total», é uma especialidade masculina que tem o condão de irritar particularmente as mulheres. Ela prefigura muitas vezes a derradeira desintegração de uma relação, quer se trate de um casamento ou de uma colaboração profissional. Após semanas ou meses de críticas, de ataques e contra-ataques, um dos protagonistas acaba por abandonar o campo de batalha, pelo menos emocionalmente, enquanto o outro tenta contactar com ele, procura falar-lhe, ele fecha-se, olha os pés ou esconde-se por detrás do jornal «à espera que passe». O outro, exasperado com esta atitude que pretende ignorá-lo por completo, levanta cada vez mais a voz e acaba por desatar aos gritos. Como é óbvio, é tempo perdido.

Dizer Tudo Mas Sem Violência
Mas quais são então os princípios da comunicação eficaz, da comunicação que faz passar a mensagem sem alienar o destinatário, daquela que, pelo contrário, lhe inspira o respeito e lhe dá vontade de nos ajudar?
O primeiro princípio da comunicação não violenta é substituir tudo e qualquer juízo – isto é, toda e qualquer crítica – por uma observação objectiva. Quanto mais se é preciso e objectivo, mais aquilo que se diz é interpretado pelo outro como uma tentativa legítima de comunicação e não como uma crítica potencial.
O segundo princípio é evitar qualquer juízo sobre o outro a fim de nos concentramos inteiramente naquilo que sentimos. É a chave mestra da comunicação emocional. Se eu falar do que sinto, ninguém pode discutir comigo. Se eu disser: «Estás atrasado, mas que egoísta…» o outro só pode responder torto à minha afirmação. Em contrapartida, se eu disser: «Tínhamos ficado de nos encontrar às oito e são nove. É a segunda vez este mês; quando isto acontece sinto-me frustrada e às vezes até um pouco humilhada», ele não poderá pôr em causa os meus sentimentos. Estes pertencem-me totalmente !.
O esforço consiste em descrever a situação com frases que comecem por «eu» em vez de «tu» ou em vez de «o senhor ou a senhora». Ao falar de mim, e só de mim, já não estou a criticar o meu interlocutor, não o ataco, estou no campo da emoção e por conseguinte no campo da autenticidade e da abertura.
Se souber fazer as coisas e se for verdadeiramente honesto comigo próprio, sou até capaz de me tornar vulnerável indicando-lhe como ele me magoou. Vulnerável porque lhe terei desvendado uma das minhas fraquezas. Mas, a maior parte das vezes, é justamente esta candura que vai desarmar o adversário e dar-lhe vontade de cooperar – na medida em que também ele deseja preservar a nossa relação.
É ainda mais eficaz não só dizer o que se sente, mas também dar a conhecer ao outro a esperança partilhada que foi desiludida.

A Ficha dos Seis Pontos

Seis Pontos-chave de Abordagem Não Violenta (O.L.A. – C.E.E.)
A ficha de que me sirvo e costumo dar aos jovens médicos tem a seguinte sigla: «O.L.A. – C.E.E.». Estas iniciais resumem os seis pontos-chave de uma abordagem não violenta, que vos dá mais hipóteses de obterem o que desejam, quer seja em vossa casa, no emprego, com a polícia, e até com o mecânico da garagem. Vejamos o que significam estas iniciais:
O – Origem:
Em primeiro lugar, é preciso ter a certeza de que estamos de facto a dirigir-nos à pessoa que constitui a origem do problema e de que ela dispõe dos meios para resolvê-lo. Por mais que isto pareça evidente, em geral não costuma ser este o nosso primeiro reflexo. É preciso a pessoa dirigir-se à fonte do problema (não serve de nada queixar-se depois aos seus colegas ou à sua mãe).
L – Lugar e Momento:
É preciso que a discussão decorra num sítio protegido e privado, num momento propício (certificar-se da disponibilidade daquele a quem dirige a palavra). Geralmente, não é boa ideia enfrentar o agressor, mesmo que a nossa queixa seja não violenta. Também não se deve entabular essa conversa imediatamente, «a quente», nem quando ele se encontra numa situação de stress.
A – Abordagem Amigável:
Para sermos ouvidos, precisamos primeiro de ter a certeza de que vamos ser ouvidos. Haverá melhor maneira de falhar a nossa tentativa do que arvorar uma atitude agressiva ou um tom de voz demasiado peremptório ? como provou o Professor Gittman no seu Love Lab, se um dos protagonistas se sente agredido, tem tendência para se deixar «afogar» nas suas emoções antes mesmo que a conversa tenha tido início. O que fará com que tudo quanto venha a seguir seja completamente inútil.
Começar a conversa usando o nome da pessoa (técnica do «cocktail»). Somos mais receptivos ao nosso nome do que a qualquer outra palavra. O fenómeno do «cocktail» em que você está num cocktail, toda a gente fala à sua volta e pouco se ouve, eis que, de súbito, noutro grupo, alguém pronuncia o seu nome. Ouve-o e volta de imediato a cabeça. O seu nome: essa palavra, mais do que qualquer outra, parece feita de propósito para atrair a sua atenção.
Portanto, seja o que for que tenha a dizer a quem o ofendeu, comece por tratá-lo pelo nome, e a seguir diga qualquer coisa simpática, desde que seja verdade.
C – Comportamento Objectivo:
Refira o comportamento que motivou o descontentamento, limitando-se a uma descrição do que se passou e mais nada, sem a mínima alusão a um juízo moral.
E – Emoção:
A descrição dos factos deve ser imediatamente seguida da emoção sentida. Nesse momento é preciso não cair na ratoeira de falar na nossa fúria, que é muitas vezes a emoção mais manifesta. Fale de si próprio: «Sinto-me magoado» ou, «Considerei isto uma humilha
E – Esperança Desiludida:
Prosseguir mencionando a esperança desiludida, ou a necessidade que sentimos e que não foi satisfeita. «Preciso de me sentir ligado a ti, de sentir que sou importante para ti, mesmo quando estamos com amigos».
Eu sei perfeitamente que esta atitude tem qualquer coisa de surrealista, sobretudo quando há poucos modelos à nossa volta em que nos possamos inspirar. A pessoa pensa: «Pois, era bestial se eu conseguisse falar assim, se eu tivesse a coragem de falar assim. Mas é impossível».
O problema é contudo simples: só existem três maneiras de reagir numa situação de conflito: a «passividade», a reacção mais recorrente e menos satisfatória; a «agressividade» que também não é verdadeiramente mais eficaz e muitíssimo mais perigosa; ou então a «assertividade», isto é, a comunicação emocional não violenta.
O outro aspecto geralmente menosprezado na comunicação, quando ele é quase tão importante, é saber aproveitar as ocasiões de aprofundar a nossa relação com outrem. Uma das maneiras mais simples de conseguir isto, é saber estar totalmente presente quando ele (ou ela) sofre e precisa de nós. (Pág. 183)

13. Escutar Com O Coração
Melhorando a nossa capacidade de escutar – e portanto a nossa relação com os outros – isto permite que nos aproximemos das pessoas para nós mais importantes, dos nossos cônjuges, pais, filhos, de um modo nunca antes feito. Ora, ao proceder desse modo, ao aprofundar as nossas relações, também nos estamos a tratar a nós próprios.

As Perguntas QEOFE
A técnica resume-se a cinco perguntas sucessivas e rápidas. Um bom meio mnemotécnico para nos lembramos é fazer as «Perguntas QEOFE»:

Q – Que aconteceu?
Para se estabelecer uma relação com uma pessoa que sofre, é evidentemente preciso que ela relate em primeiro lugar o que lhe aconteceu na vida e que a magoou. É o que ela fará respondendo à pergunta: «Que aconteceu ?». Não é necessário entrar em detalhes, mas pelo contrário.
O que importa é ouvir a pessoa durante três minutos (não mais que este tempo, após o que a pessoa se começa a dispersar), interrompendo o mínimo possível. Se isto lhe parecer pouco, ficará sem dúvida surpreendido por saber que, em média, um médico interrompe o doente ao fim de dezoito segundos. Passados três minutos, se deixar o interlocutor perder-se em pormenores, arrisca-se a nunca alcançar o essencial. E o essencial no fundo, nunca são os factos, mas as emoções. É preciso passar rapidamente à segunda pergunta bem mais importante.
E - Emoção:
Rapidamente, a pergunta que deve fazer é: - «E que emoção sentiste?». Isto pode parecer-lhe muito mais supérfluo (mas não é).
O – O mais Difícil:
Trata-se de novo de uma pergunta que parece inconveniente, ou «indecente», tendo em conta o que quer dizer viver uma situação dessas. É contudo a mais eficaz das perguntas.
Perguntar: - «O que foi mais difícil para si?». A pergunta «O» é mágica porque na resposta será indicado em torno de quê, em quem se centram as emoções, focalizando o espírito de quem sofre.
F – Fazer Face:
Após ter permitido à emoção exprimir-se, é preciso aproveitar de seguida o facto da energia estar concentrada na origem principal do problema: - «O que o ajuda mais a fazer face ao problema?». Com esta pergunta, desvia-se a atenção da pessoa com quem estamos a falar para os recursos já existentes à sua volta e que a podem ajudar a enfrentar o problema, a recuperar. É preciso não subestimar a capacidade das pessoas para resolverem as situações mais difíceis. Aquilo que mais necessitam frequentemente, é que os ajudem a pôr-se de pé; não que lhe resolvam os problemas em seu lugar.
Todos nós temos dificuldades em compreender e em admitir que os homens e as mulheres que nos rodeiam são mais fortes, mais resistentes, do que geralmente se imagina. Que nós próprios somos mais fortes e mais resistentes do que julgamos. O que tive de ensinar com dificuldade aos meus alunos médicos, temos de aprendê-lo também nas nossas relações afectivas. Em vez de pensarmos «Não fiques assim», quando alguém exprime a sua emoção e a sua dor, devemos pensar: «Não faças nada! Continua assim!». Porque é de facto o papel mais benéfico que podemos desempenhar: continuar simplesmente ali a acompanhar, em vez de propor soluções atrás umas das outras ou passar a acarretar aos ombros problemas que não nos pertencem.
E – Empatia:
Para concluir a interacção, é sempre útil exprimir com palavras sinceras o que sentimos ao ouvir o outro, para lhe comunicar simplesmente que, durante alguns minutos, partilhámos o seu fardo. Exemplo: - «Deve ser duro para si» ou, «Lamento imenso o que aconteceu, também eu me senti desolado ao ouvi-lo».
As crianças que correm para a mãe quando fizeram «dói-dói» percebem isso muito bem, melhor que até alguns adultos.
É assim, nos intercâmbios bem sucedidos, mesmo quando estes não nos «curam» instantaneamente, que o nosso cérebro emocional se desenvolve; que ele se torna mais confiante na nossa capacidade em entrar em relação com os outros, e portanto em ser «acertado» por eles, como necessitamos. É essa confiança que nos protege da ansiedade e da depressão. (Pág.199)

14. A Relação Com os Outros
Se eu não tratar de mim, então quem é que trata?
E se eu só tratar de mim, então sou o quê?
E se eu não me preocupar com isso agora
, preocupo-me quando?
Hillel – O Tratado dos Pais

O psicólogo humanista Abraham Maslow está na viragem do grande movimento de «desenvolvimento pessoal». No final do seu estudo sobre as pessoas felizes e psicologicamente equilibradas, concluía que o estado último do desenvolvimento pessoal é aquele em que o ser humano «actualizado» pode começar a voltar-se para ao outros. Ele falava mesmo da pessoa se tornar um «servidor», ao mesmo tempo que insistia na importância da realização pessoal: «A melhor maneira de nos tornarmos melhores servidores dos outros é tornarmo-nos nós próprios pessoas melhores. Mas para sermos pessoas melhores, é necessário servir os outros. É pois possível, necessário até, fazer as duas coisas simultaneamente».
Quando se mede a «coerência cardíaca» por meio do Computador, verifica-se que a maneira mais simples e mais rápida para que o corpo entre em coerência é fazer a experiência de sentimentos e de ternura para com outrem. Quando nos sentimos visceralmente, emocionalmente, em relação com aqueles que nos rodeiam, a nossa fisiologia entra espontaneamente em coerência. Simultaneamente, quando ajudamos a nossa fisiologia a entrar em coerência, abrimos a porta a novas maneiras de apreender o mundo à nossa volta. É a porta para a realização do eu. (Pág. 211)


Por Onde Começar ?

Pois agora só falta «começar» e saber «por onde». Aqui chegados, sugerimos a leitura do restante do Livro, dado os detalhes «particulares» em que cada um se enquadra no tema.


Luis 2009